Tempo para início de tratamento de câncer de mama é 3 vezes maior que o previsto em legislação

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – O tempo médio para o início do tratamento de câncer de mama no SUS (Sistema Único de Saúde) é quase o triplo do período previsto pela Lei dos 60 Dias (Lei nº 12.732/2012), aponta estudo realizado pelo Instituto Avon.

A pesquisa identificou uma média de 179 dias entre o diagnóstico e o início do tratamento entre 2015 e 2021. A legislação garante que pacientes tenham direito ao tratamento em, no máximo, 60 dias após terem o diagnóstico confirmado por biópsia.

Os dados foram levantados pelo Panorama do Câncer de Mama com base em informações do DataSUS. Além do Instituto Avon, participaram da pesquisa especialistas do Observatório de Oncologia.

Pelo menos 62% das pacientes diagnosticadas ultrapassaram o período dos 60 dias. O ano com o maior tempo médio para início dos cuidados foi 2021, correspondente a 218 dias. O período de 60 dias é um prazo que dá segurança para que o tratamento possa ser iniciado de maneira adequada.

O relatório mostra ainda que quanto maior a faixa etária da paciente, maior o atraso para início do tratamento. Enquanto mulheres diagnosticadas com câncer de mama entre 20 e 29 anos levaram, em média, 110 dias para iniciarem os cuidados, pacientes entre 50 e 59 anos levaram 182 dias. Para a faixa dos 60 a 69 anos, o tempo médio foi de 201 dias.

O diagnóstico tardio e um tratamento atrasado podem acarretar no avanço da doença e em menores chances de cura.

“Às vezes, uma paciente com diagnóstico precoce, que conseguiríamos fazer uma cirurgia preservando a mama, se o tumor aumentar de tamanho, a mulher pode ter que ser submetida a uma cirurgia mais radical, como a mastectomia [cirurgia de remoção completa da mama], gerando um prejuízo maior”, diz a mastologista Juliana Francisco, membro da SBM (Sociedade Brasileira de Mastologia) e revisora do estudo.

O estudo aponta que casos mais graves -de acordo com o estágio da doença- não têm prioridade no tratamento. Os oncologistas analisam o estágio -ou estadiamento- do câncer para determinar a localização e a extensão do tumor no paciente no momento do diagnóstico.

Para os casos de câncer de mama em estadiamento 1, a média entre a detecção e o início de tratamento foi 144 dias, seguida de 151 para pacientes em estadiamento 2, 174 para estadiamento 3, e 313 dias para estadiamento 4 (avançado).

“Isso caracteriza um grave problema no acesso ao tratamento por parte das usuárias do SUS, tendo em vista que nenhum dos estadiamentos alcançou a média de dias dentro do preconizado pela lei”, diz o relatório.

Nesta segunda-feira (8), a ministra da Saúde, Nísia Trindade, admitiu que há uma demora no início do tratamento para câncer no país e diz querer iniciar o tratamento com até 60 dias após o diagnóstico. A meta faz parte do Programa Mais Especialistas, lançado hoje, em evento com o presidente Lula (PT).

ACESSO À MAMOGRAFIA

A pesquisa ainda apontou que há uma desigualdade no acesso aos exames de mamografia. Existem atualmente programas do governo para a chamada mamografia de rastreio, que é feito em mulheres acima de uma determinada idade para detectar precocemente o tumor, e a diagnóstica, motivada por alguma alteração, sinal de lesão ou sintoma, como um caroço, ondulação ou alteração na cor da pele.

De acordo com o relatório, entre 2015 e 2022, 52,4% das mamografias para rastreio de câncer de mama foram feitas em mulheres brancas, enquanto 28,5% foram em mulheres pardas e apenas 5,8% em mulheres pretas. Mulheres amarelas representam 13,4% dos exames e indígenas, apenas 0,1%.

“Já tem alguns estudos que mostram que as mulheres negras acabam tendo mais dificuldade de acesso a exames, ao diagnóstico e ao tratamento, muitas vezes por dificuldade de deslocamento do seu município ou até um centro que faça o exame de rastreamento, ou por dificuldade de manter um hábito de vida saudável que reduza o risco do câncer de mama”, afirma Francisco.

Os exames de rastreio são a forma de detectar a doença antes do início dos sintomas. No SUS, a mamografia só é indicada para mulheres de 50 a 69 anos, uma vez a cada dois anos. O rastreamento antes dessa idade é mais raro.

A indicação corrobora com dados apontados pelo relatório, que dizem que pacientes que se enquadram abaixo dessas idades são diagnosticadas, em maior quantidade, em estágios avançados do câncer de mama: enquanto as pessoas entre 50 e 69 anos tiveram estágio avançado em 35,3% dos casos entre 2015 e 2021, o mesmo aconteceu com 39,6% das mulheres entre 40 e 49 anos e com 53,9% das que tinham entre 20 e 29 anos.

Entre 2015 e 2022, mais de 18 milhões de mamografias de rastreio em mulheres de 50 a 69 anos foram feitos pelo SUS. A cobertura mamográfica, no entanto, caiu de 26,3% para 20,5%. O recomendado pela OMS (Organização Mundial da Saúde) é que haja 70% de cobertura no país.

A redução de exames de rastreamento pode estar conectada a um aumento de diagnósticos avançados. A cobertura atingiu a maior baixa no biênio 2019-2020 (18,4%), o que o relatório atribui ao impacto da pandemia da Covid.

LUANA LISBOA / Folhapress

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