PORTO ALEGRE, RS (UOL/FOLHAPRESS) – A temporada 2023/2024 foi histórica para a Arábia Saudita. O campeonato entrou no mapa das grandes competições mundiais graças ao investimento pesado para chegada de estrelas do futebol mundial. Mas nem tudo saiu como esperado, com estádios vazios e desigualdade dentro do torneio.
O Fundo de Investimento Público (PIF), por meio do Ministério do Esporte, adquiriu 75% do capital dos maiores clubes do país: Al Hilal, Al Ahli, Al Ittihad e Al Nassr.
Cristiano Ronaldo foi o primeiro a chegar, ainda na temporada anterior. E o movimento milionário aberto por ele levou uma série de estrelas para o país, como Neymar, Benzema, Firmino, Kanté, Mané, Mahrez, Rakitic, entre outros. São atletas de 54 nações diferentes em ação na Arábia Saudita atualmente.
A distribuição de renda do fundo soberano não está, até nesta quinta-feira (6), totalmente clara. A Liga Saudita não detalha qual percentual e como é dividido qualquer valor entre os clubes.
Ainda são autorizadas fontes ‘tradicionais’ de renda. O Al Hilal, por exemplo, também tem como proprietário o Kingdom Holding, a empresa de investimento do príncipe Al Waleed bin Talal Al Saud.
Sete dos 10 maiores salários do futebol mundial estavam na Liga Saudita, segundo levantamento do início deste ano do ‘Capology’, site especializado em finanças do futebol.
“Foi uma ótima decisão ter jogadores de alto nível contribuindo para elevar os padrões da Liga. O Cristiano Ronaldo foi a peça fundamental para este projeto, sua presença ajudou a atrair outros jogadores. Basta mencionar o que disse Ruben Neves, do Al Hilal: ‘Ronaldo sempre se junta a projetos de sucesso’. A presença de outras grandes estrelas como Neymar, Firmino e Benzema também fortaleceu o campeonato”, disse o jornalista saudita Ahmed Ragab.
FENÔMENO INTERNACIONAL, MAS POUCA GENTE NO ESTÁDIO
A Liga Saudita se tornou, rapidamente, um fenômeno internacional. Segundo dados do site oficial da competição, houve um crescimento de 141% nos perfis oficiais do torneio nas redes sociais, batendo 6,7 milhões de seguidores.
Nesta temporada, mais de 160 países transmitiram o campeonato em 38 plataformas globais. Mas dentro da Arábia Saudita, a presença de público não foi tão alta.
Segundo informações oficiais do torneio, 2.495.030 pessoas estiveram nos estádios ao longo da competição, totalizando crescimento de 11% em relação à temporada anterior, mesmo com a chegada de mais estrelas. Mas levando em conta todos os jogos, isso dá média de pouco mais de 8 mil pessoas por partida.
O Brasileiro do ano passado, por exemplo, teve média de público superior a 25 mil torcedores. Apenas Goiás, Red Bull Bragantino e América-MG tiveram média de público inferior a 8 mil torcedores por partida.
“Sauditas nunca foram apaixonados por futebol. A maioria não tem ainda noção do que as estrelas que chegaram ao país representam. Além disso, tornar a liga um sucesso de público depende de mais do que mudanças nos jogos, mas de rotinas e comportamentos. Em um país no qual as mulheres têm limitações diversas, toda atividade de entretenimento fica muito limitada”, disse Thiago Freitas, COO da Roc Nation Sports no Brasil, empresa de entretenimento norte-americana comandada pelo cantor Jay-Z.
DESIGUALDADE
Nem todo mundo gostou da decisão do fundo soberano em adquirir os quatro maiores clubes do país. O Al Shabbab, por exemplo, se sentiu prejudicado por não fazer parte do time de investimento.
A condição financeira que cresceu repentinamente aumentou a capacidade do quarteto na mesma medida que ampliou a desigualdade na Liga. Equipes que não receberam a turbinada milionária acabaram enfraquecidas.
Para a próxima temporada, o governo prevê ampliar o número de clubes adquiridos pelo PIF, o que pode amenizar a situação dos menos favorecidos.
“Também houve clubes fora deste quarteto que fizeram uma grande temporada e jogadores estrangeiros que tiveram atuações marcantes. Não esqueçamos o Al Taawoun, que se classificou para a AFC Champions League 2 (segundo nível de competição continental) sem ter o mesmo nível de jogadores de primeira linha, com Chamusca (Péricles, técnico brasileiro) conseguindo fazer uma temporada histórica”, lembrou Ragab.
O Al Taawoun foi o intruso sem o investimento do fundo soberano entre os cinco primeiros, terminando em quarto lugar. O Al Hilal terminou o campeonato invicto, como campeão. O time de Neymar fez 101 gols, e o Al-Nassr, de Cristiano Ronaldo, 100 gols na temporada.
“Só existe uma forma de mitigar esse problema. Mais dinheiro para mais clubes. É uma liga milionária, na qual mais da metade das equipes é de nível inferior ao das que disputam nossa terceira divisão, e as quartas divisões da Europa. Não existe alternativa. Para a liga ter relevância, muito mais dinheiro terá que ser investido nela. No mínimo, colocar em mais quatro clubes o que foi colocado em quatro nos últimos dois anos”, disse Thiago Freitas.
NOVA ONDA DE CONTRATAÇÕES
Poucos foram os jogadores contratados neste modelo de valorização que resolveram deixar a Arábia Saudita. O meio-campista inglês Jordan Henderson foi um deles, optando por se desligar do Al-Ettifaq (que não faz parte do grupo de investimentos), em janeiro, quando foi apresentado pelo Ajax. O jogador disse, em sua apresentação, que a decisão foi meramente esportiva.
Para a temporada seguinte, uma nova onda de contratações está prevista. Além da possibilidade de mais clubes receberem aporte do Governo, a ampliação no limite de jogadores estrangeiros autorizados em campo por partida de oito para dez deu novos horizontes ao mercado da bola saudita.
“Os super atletas levam muita audiência, mas existem outras várias formas de se fortalecer a Liga, como por exemplos: a distribuição da transmissão, ações de marketing, fomento do turismo para levar o fã mundial até o jogo, além de um investir na qualificação dos profissionais que atuam nas diversas áreas que cobrem a Liga Saudita. Como marketing, uma pequena ação com influenciadores dos seis continentes, bem pensada, organizada e de forma recorrente, pode levar curiosidade e trazer novos fãs de todo o mundo”, opinou Renê Salviano, CEO da Heatmap e especialista em marketing esportivo.
A expectativa é seguir fazendo o futebol crescer a cada temporada ao menos até a Copa do Mundo de 2034, que será realizada na Arábia Saudita.
“Continuar atraindo ídolos e jogadores que são conhecidos globalmente ajuda do ponto de vista do marketing. É uma forma do público local acompanhar atletas que dificilmente jogariam no país em outras ocasiões. No entanto, o trabalho precisa ser mais amplo. Fortalecer a liga e os times a partir de um esforço coletivo é primordial para que a competição se torne mais atrativa e não estabeleça um abismo técnico e financeiro entre os clubes”, disse Renê Salviano.
MARINHO SALDANHA / Folhapress