RIO DE JANEIRO, RJ (FOLHAPRESS) – “Aqui onde você está não tinha ninguém, não tinha secretária. É apenas um exemplo da realidade que a gente foi encontrando.” O local é uma sala na sede do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), no centro do Rio de Janeiro, e quem aponta os problemas é o economista Marcio Pochmann, há oito meses na presidência do principal órgão de pesquisas do país.
Indicado ao cargo pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), Pochmann diz que encontrou no IBGE uma estrutura “depauperada” e fala em trabalhar para colocar de pé o que chama de “novo IBGE”, com um “salto” na produção de estatísticas nos próximos anos.
Também declara ver como “natural” a repercussão que o seu nome gerou ao ser escolhido para o instituto. Ele, contudo, não deixa de rebater as críticas recebidas.
“Sou o 28º presidente do IBGE. Pode pegar o meu currículo e comparar com qualquer um, com qualquer um, que não tem a quantidade de publicações, livros, orientação acadêmica. Não quero dizer que sou melhor do que ninguém. Estou só dizendo o seguinte: tenho currículo”, declara.
Analistas e acadêmicos contrários à indicação de Pochmann para o IBGE costumam lembrar a passagem dele pela presidência do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), de 2007 a 2012, quando o afastamento de técnicos gerou polêmica. Outra ala de pesquisadores demonstrou apoio ao economista no ano passado.
“As pessoas fazem críticas, tudo bem, é da democracia. Mas vão olhar minha carreira antes de falar. Não sou um João Ninguém. Tenho carreira acadêmica”, declara.
No âmbito do “novo IBGE”, Pochmann defende a criação do Singed (Sistema Nacional de Geociências, Estatísticas e Dados). A ideia é que o sistema, sob coordenação do instituto, integre diferentes bases de informações, incluindo registros administrativos (dados de órgãos públicos).
“O Ministério do Desenvolvimento [e Assistência] Social tem cadastro com quase 96 milhões de brasileiros. A Receita Federal tem cadastro que se aproxima dos 30 milhões. O INSS tem os dados dos aposentados”, diz.
“Temos vários cadastros que não se comunicam. A ideia do novo IBGE é voltar a ser o que era até o início dos anos 1960: o grande coordenador das estatísticas”, completa.
Newsletter Folha Mercado Receba no seu email o que de mais importante acontece na economia; aberta para não assinantes. *** Na visão do economista, o instituto também precisa avançar na coleta de dados que poderiam ser levantados por meio de serviços de informação e comunicação, como telefonia móvel e redes sociais.
“Obviamente, como fazemos com sigilo estatístico, não estamos preocupados com o nome, se [a informação] é do João ou da Maria”, diz.
“O uso dos celulares nos permitiria oferecer, por exemplo, melhores informações para o turismo: quem entra no Brasil, onde se locomove, o que compra, coisas desse tipo. Tem uma base de informações muito grande”, afirma.
A atual gestão do IBGE pretende desenvolver novas pesquisas como a contagem dos brasileiros que estão no exterior e o levantamento daqueles que vivem nas ruas do país.
Também prevê realizar trabalhos tradicionais do instituto, como as novas edições do Censo Agropecuário e da POF (Pesquisa de Orçamentos Familiares).
COMUNICAÇÃO PRECISA SER AMPLIADA, DEFENDE POCHMANN
Pochmann aposta em novos canais de divulgação do IBGE nas redes sociais. O plano de trabalho do instituto para 2024 inclui a formação de uma “cultura de lives”.
Após assumir a presidência do instituto, o economista declarou em outubro do ano passado que a comunicação do órgão era “do passado”.
Ele se referia ao modelo de entrevistas coletivas, que segue em vigor para a divulgação das pesquisas e que permite à imprensa questionar os técnicos responsáveis.
Pochmann afirma que o órgão continuará com as entrevistas, mas entende que o instituto precisa ir além.
“Nossa preocupação é como disseminar melhor a informação. Não é, em nenhum momento, impedir ou evitar que o modo tradicional seja feito”, diz.
“A questão é como você amplia isso para a sociedade. A sociedade mudou, tem acesso. Se você ficar em só um canal, não está chegando à sociedade como um todo.”
O economista, aliás, costuma usar seu perfil na rede social X (ex-Twitter) para compartilhar compromissos na presidência do IBGE e análises pessoais sobre outros assuntos -uma mudança de postura em relação a antecessores. Ele diz que não vê risco de causar ruídos para o órgão.
“Sou professor universitário, vou morrer professor universitário. Isso aqui [presidência] é uma tarefa que estou tendo a partir de uma demanda do presidente Lula em consonância com a ministra [Simone] Tebet [Planejamento]”, afirma.
“A rede social, quase nem uso, mas é da minha vida, de como vejo a coisa. Isso não necessariamente tem a ver com a postura da instituição. Tanto é que jamais falei sobre qualquer pesquisa nossa, não fiz nenhuma interpretação. Não faço comentário sobre isso.”
Segundo Pochmann, o IBGE não tem uma instituição internacional como possível exemplo a ser seguido na área de produção de estatísticas.
No ano passado, o economista elogiou a elaboração de dados no Oriente, citando a China, o que despertou críticas de analistas que veem falta de transparência do país asiático nessa área. Pochmann fala em uma “ignorância” da imprensa ao tratar desse assunto.
“Nós não temos nenhuma instituição de preferência. A China tem coisas interessantes, vamos acompanhando, como tem também nos Estados Unidos, no México, em Portugal, na Colômbia”, declara.
PRESIDENTE DEFENDE MAIS CONCURSOS E CRITICA ‘GOLPE’
O IBGE é um dos órgãos que aderiram ao Concurso Nacional Unificado. Pochmann diz que essa será a maior seleção da história do instituto, com previsão de 895 vagas, mas considera que a iniciativa não será suficiente para repor totalmente a perda de servidores dos últimos anos -mesma avaliação de representantes dos trabalhadores da casa.
Na visão do economista, é necessário fazer concursos “recorrentemente”. Sem citar nomes, ele critica decisões tomadas a partir de 2016, quando houve o processo de impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff (PT), chamado de “golpe” pelo presidente do IBGE.
“O golpe de 2016 tirou toda a possibilidade de manter a instituição atuando de forma mais adequada, porque o último concurso foi em 2015”, diz.
“As pessoas chegavam à idade de aposentadoria e se aposentavam. A queda salarial levou as pessoas a buscarem outras instituições. Teve um processo de esvaziamento, inegavelmente, nesse sentido”, aponta Pochmann, que completou 62 anos na sexta (19).
LEONARDO VIECELI / Folhapress