RIO DE JANEIRO, RJ (FOLHAPRESS) – O Detran de São Paulo passou a adotar um modelo de atendimento impessoal, que restringe o contato entre motorista e servidores do órgão. Com a medida, o Departamento de Trânsito espera diminuir casos de corrupção em que profissionais usam da proximidade com o cidadão para cometer irregularidades.
No antigo modelo de atendimento, as manifestações dos motoristas estavam vinculadas ao local em que ele vive. Unidades regionais do Detran atendiam a todas as demandas, desde as mais comuns, como emissão de CNH (Carteira Nacional de Habilitação), até as mais complexas, como avaliar carros suspeitos de clonagem. Isso estreitava a relação entre cidadão e servidor, dando margem à corrupção.
No ano passado, profissionais do Detran foram investigados por liberar CNHs para analfabetos, mediante pagamento de propina. O caso foi descoberto devido a um aumento desproporcional na emissão de documentos em Saltinho (SP), cidade na região de Piracicaba com 8.500 habitantes, segundo o IBGE.
Em 2022, um caso semelhante levou à prisão de um ex-diretor do Detran, que recebia propina para facilitar emissão de documentos e venda de veículos até de pessoas já falecidas.
No novo protocolo, ainda em processo de expansão pelas filiais do órgão, as manifestações são recebidas por 11 centrais de atendimento que não são vinculadas apenas às regiões ou aos municípios, mas ao tipo de serviço. Há desde as que atuam na autorização de transporte escolar até as que trabalham emitindo registros de veículos.
Na prática, uma pessoa de Presidente Prudente [a 600 km da capital] com dificuldade para pagar uma multa pode tirar dúvidas e resolver problemas mais gerais no SAC, que é uma das 11 centrais. Mas, se ela está pagando a multa porque teve o carro rebocado, o SAC vai direcioná-la a outra central, a de liberações, onde um servidor de Santos, por exemplo, vai mostrar o passo a passo para reaver o veículo.
“Antes, havia maior proximidade, e se o demandante quisesse falar com o operador do Detran ele fazia isso no balcão de atendimento”, diz Lucas Papais, diretor de atendimento ao cidadão do Detran de São Paulo.
“Combater a corrupção não é o objetivo [do novo modelo], mas vai levar a um controle maior e vai ser uma externalidade positiva.”
O órgão também quer reduzir o tempo de resposta. Nem todas as filiais tinham profissionais que pudessem atender a demandas mais específicas, como clonagem de carros. Por isso, repassavam o problema umas para as outras e para a sede, o que atrasava a resposta ao cidadão.
“Era o jogo da batata quente. O motorista buscava o SAC da sede e víamos que a CNH dele era, por exemplo, de Presidente Prudente, então encaminhávamos a demanda para lá. Lá, eles diziam que o procedimento procurado pelo motorista só poderia ser feito pela sede, então voltava para cá”, diz Papais.
Com o novo modelo, o órgão de trânsito melhorou nos índices do Reclame Aqui, plataforma usada para registrar manifestações de usuários de serviços. O tempo de respostas caiu de 17 dias, em 2022, para 4 dias em 2024.
O Detran também melhorou a reputação na plataforma, que qualifica o atendimento de empresas e órgãos públicos em uma pontuação de 0 a 10. Neste ano, o departamento alcançou a nota 7 pela primeira vez.
Por outro lado, a adoção do novo protocolo levou a um maior acesso dos servidores do Detran a dados do cidadão.
Antes, existiam transações exclusivas da sede do órgão de trânsito por tratarem de informações sensíveis, como registro de multas em veículos. Para acelerar o atendimento, essas tarefas passam a ser executadas pelo maior número possível de servidores do órgão, segundo Papais.
Ele afirma que o acesso aos dados condiz com normas da LGPD (Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais). Além disso, a plataforma usada para cadastrar essas informações sensíveis registra um histórico de acesso, permitindo identificar quem foram os profissionais que visualizaram dados de um determinado cidadão e quando.
Para Lucas Papais, o principal desafio da transição é a mudança de cultura entre servidores, acostumados a atuar com o processo anterior desde que entraram no órgão.
“O Detran trabalhava no modo antigo há 60, 70 anos. Quando estadualizamos as demandas, havia pessoas que compraram a ideia rapidamente, e outras que não acreditavam e achavam que isso viria e iria embora.”
Segundo Andrews Adorno, servidor do Detran, alguns profissionais passaram a atuar em áreas em que ainda não tinham experiência, o que foi um desafio na adaptação para o novo modelo. É o caso da central de dublês, responsável por avaliar a clonagem de veículos, dirigida por ele.
Os servidores dessa central fizeram um curso de especialização para atuar sob o novo modelo, já que poucos tinham conhecimento técnico suficiente em clonagem.
Para Daiane Thomé Felício, diretora técnica do SAC, a mudança tem sido bem recebida pelos profissionais por permitir que eles se tornem especialistas em assuntos de seu interesse.
“Antes, precisávamos de suporte técnico para processos que não tínhamos conhecimento. Agora temos uma visão macro, porque independentemente do que cair ali, tenho capacidade técnica para resolver.”
LUANY GALDEANO / Folhapress