FOLHAPRESS – Não é muito bonito reconhecer, mas a violência no cinema é um prazer quase irresistível. Podemos sempre, é claro, intelectualizar essa sensação, falar em catarse ou recorrer a Freud, o que não deixa de ser verdade, mas soa muitas vezes como um golpe baixo para apaziguar nossa consciência.
No fim das contas, desde que o cinema é cinema, é assim: a cada vez que alguém saca um revólver na tela, nosso coração acelera um pouco mais. Essa experiência já resultou grandes filmes –e também o fascínio que mesmo verdadeiras bombas exercem sobre nós.
Sem ser uma coisa nem outra, “O Protetor: Capítulo Final” é um bom passatempo. Em tese, é o encerramento de uma trilogia, inspirada em “The Equalizer”, série de TV dos anos 1980 em que Denzel Washington vive uma espécie de agente secreto aposentado, que se dedica a usar suas habilidades para proteger pessoas oprimidas por ladrões.
Neste terceiro filme, logo no início vemos um homem com um machado enterrado na cabeça. Estamos em uma vinícola italiana, há algo de ilegal relacionado aos vinhos, e de saída Robert McCall, o personagem de Denzel, já matou ao menos uns dez para descobrir do que se trata.
Saindo dali, contudo, acaba baleado por uma criança –e, embora enfrente inúmeros assassinos, apenas esse garoto o fere de verdade.
McCall é então resgatado por um bom policial, que o leva a Altamonte, uma idílica comunidade italiana de pessoas bonitas, bondosas e honestas. Rapidamente integrado, ele almeja ali esquecer as tantas mortes de seu passado. Não vai conseguir, óbvio.
A comunidade é acossada por mafiosos, também envolvidos em tráfico de drogas camuflado pela vinícola do começo da história, e McCall entrará em ação novamente, mesmo que ainda debilitado, para salvar seus novos amigos.
O drama nas telas de uma pequena comunidade ou de pessoas indefesas em geral atacadas por facínoras é tão antigo quanto o próprio cinema, recorrente desde os primeiros faroestes, e um dos motes mais comuns de filmes que exploram a violência.
Nos anos 1970, esse tipo de trama foi revitalizada no cinema na série “Desejo de Matar”, com Charles Bronson, grande sucesso de bilheteria que escandalizou alguns grupos por apresentar um vigilante à margem da lei que caça criminosos de modo implacável.
No Brasil tivemos há pouco “Bacurau”, de 2019, outro filme sensação, mas numa leitura mais à esquerda, digamos assim, em que estrangeiros são os malvados e uma cidade nordestina se defende ela mesma, sem depender de salvadores externos.
Neles todos, quanto mais horripilantes os atos dos vilões, sobretudo se cometidos contra crianças ou idosos, mais vibramos com a desforra final dos heróis, um regozijo pouco sutil que ultrapassa distinções políticas e até morais.
De fato, “O Protetor” só pulsa nos momentos em que McCall destroça seus adversários, em cenas de violência brutal com um bom artesanato em enquadramento, ritmo e som por parte do diretor Antoine Fuqua, parceiro de longa data de Denzel.
Em “O Protetor”, todos os poderes oficiais –polícia, governo, seguridade social– são falhos, no melhor dos casos, ou corrompidos. Só restam como alento a retaliação com as próprias mãos e os valores familiares e religiosos –o que parece tocar fundo as plateias de hoje, vide o sucesso surpresa da temporada, “Som da Liberdade”.
Menções a Deus, santos, igrejas e milagres são constantes em “O Protetor”. Sem dar muitos spoilers, o confronto mais sangrento do filme é mostrado em paralelo a uma procissão. “O Poderoso Chefão”, de 1972, para citar um clássico, já se valeu de recurso similar –um batismo, no caso–, mas nele a violência, também chocante para a época, simbolizava a danação dos personagens e a falência moral daquela sociedade.
No caso de “O Protetor”, o banho de sangue parece mais um presente divino para purificar a encantadora vila italiana. A violência restaura a paz, sem traumas. Podemos nos opor racionalmente quando o filme acaba, mas é difícil não vibrar enquanto o vemos.
O PROTETOR: CAPÍTULO FINAL
Avaliação: Regular
Elenco: Denzel Washington, Dakota Fanning, Eugenio Mastrandrea
Produção: EUA, 2023
Direção: Antoine Fuqua
MARCO RODRIGO ALMEIDA / Folhapress