MANAUS, AM (FOLHAPRESS) – Três das terras indígenas (TIs) mais invadidas por garimpeiros ilegais na Amazônia tiveram uma explosão de queimadas em agosto.
Além da convivência diária com um cerco feito por invasores, as comunidades enfrentam a incidência do fogo na floresta de uma forma não vista na última década.
A Terra Indígena Kayapó, no sul do Pará, é o território tradicional com maior área ocupada por garimpos ilegais de ouro. Em agosto, até a última quarta-feira (28), teve 746 focos de calor, detectados por satélites usados pelo Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais).
O território onde vivem 4,5 mil kayapós mebengôkres foi o que registrou maior número de queimadas na Amazônia em agosto, quando fogo e fumaça se espalharam por boa parte da região, intensificadas pelas condições climáticas. A seca amazônica em 2024 caminha para a repetição da seca extrema em 2023.
A segunda terra indígena com mais queimadas em agosto, segundo os registros do Inpe, é a Munduruku, no sudoeste do Pará. Em 28 dias, foram registrados 217 focos de calor no território onde vivem 9.257 mundurukus e apiakás. Em extensão de áreas invadidas, a terra Munduruku é a segunda com maior exploração garimpeira ilegal no país.
Um pequeno território de 250 nambikwaras -a terra Sararé, no sudoeste de Mato Grosso, quase na fronteira com a Bolívia- é a terceira terra indígena da Amazônia com mais queimadas em agosto. Segundo o Inpe, foram registrados 148 focos de calor em 28 dias.
A terra Sararé foi superinvadida por garimpeiros em 2023, o primeiro ano do governo Lula (PT). Com tamanho bem inferior aos outros espaços, o território teve a segunda maior quantidade de alertas de garimpos ilegais no ano, atrás apenas da terra Kayapó. A explosão do garimpo de ouro nas terras Kayapó e Munduruku se deu no governo Jair Bolsonaro (PL).
Vinte meses após o início da gestão de Lula, o governo não deu início a ações de desintrusão -para retirada de invasores e devolução do território para o usufruto dos indígenas- nas três TIs. Existem apenas ações esporádicas de fiscalização e combate à estrutura do garimpo.
Já há decisão do STF (Supremo Tribunal Federal) que obriga as desintrusões. A determinação foi ignorada pelo governo Bolsonaro e não foi cumprida até agora pelo governo Lula.
Ao todo, as três terras indígenas com invasões garimpeiras expressivas tiveram 1.111 focos de calor em 28 dias de agosto.
No ano passado, no mesmo período, o Inpe detectou 163 focos nas terras Kayapó e Munduruku. A terra Sararé não apareceu na lista dos territórios mais impactados pelo fogo naquele momento.
Os dados dos últimos dez anos mostram que o ano com mais incêndios nessas terras indígenas foi 2020, com 249 focos de calor ao todo, uma quantidade bem inferior aos 1.111 focos em agosto de 2024.
A Terra Indígena Yanomami, em Roraima, que é uma das áreas mais invadidas por garimpeiros, não está entre os territórios mais queimaram em agosto. No entanto, os ciclos de fogo e seca nessa porção da amazônia não seguem a mesma lógica da porção mais ao sul. Em fevereiro, os yanomamis foram afetados pela fumaça dos incêndios recordes que atingiram o estado.
Desde janeiro de 2023, há uma declaração de emergência em saúde pública na região, em razão da crise humanitária enfrentada pelos indígenas. O governo Lula também faz ações para desintrusão no território yanomami desde o ano passado.
GARIMPO DIFICULTA COMBATE ÀS CHAMAS
O Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis) disse ter ciência da explosão de incêndios nas terras indígenas mais invadidas pelo garimpo ilegal.
Segundo o órgão, não há brigadas do Prevfogo (Centro Nacional de Prevenção e Combate aos Incêndios Florestais) nesses territórios. O Prevfogo é integrado, em boa parte dos territórios tradicionais, por brigadistas indígenas.
O Ibama afirmou que estuda a logística dos territórios para o combate ao fogo, e até o fim da semana deve enviar de brigadistas para a terra Munduruku. A invasão de garimpeiros coloca em risco a ação dos profissionais, conforme o órgão, o que é levado em conta na definição das ações contra os incêndios.
Em pelo menos um caso, da terra Sararé, há uma relação direta entre os garimpos e o fogo, conforme relatos repassados ao Ibama pela Funai (Fundação Nacional dos Povos Indígenas).
O coordenador do posto de vigilância da Funai na terra Sararé, André Augusto Rodrigues, disse à reportagem que parte expressiva do fogo é oriunda de ações de retaliação de garimpeiros. Uma operação para destruição de acampamentos e escavadeiras hidráulicas está em curso desde o dia 18.
“O fogo prejudica operações e atrasa ações aéreas, em razão da densa fumaça”, disse Rodrigues.
No começo do mês, um incêndio margeou o posto de vigilância, afirmou o coordenador. É comum que garimpeiros façam uso do fogo em acampamentos, que se alastra pela floresta.
PRESENÇA DE GARIMPEIROS MUDA ROTINA DAS ALDEIAS
Para a série de reportagens “Cerco às aldeias”, publicada entre junho de 2023 e janeiro de 2024, a Folha de S.Paulo foi até aldeias encurraladas pelo garimpo nas três terras indígenas que agora encaram uma explosão de incêndios florestais.
Na terra Kayapó, há um cerco de crateras a aldeias, cooptação de uma minoria de lideranças indígenas e conivência com escavadeiras, que precisam pagar uma taxa para adentrar o território.
No território Munduruku, o garimpo de ouro engole roças e contamina os rios da região. Crianças com problemas neurológicos severos podem ser vítimas da intoxicação por mercúrio.
A terra Sararé tem uma exploração ilegal de ouro agressiva, com explosivos e túneis. A estimativa de agentes da Funai é de que 2.000 invasores estiveram no território, inclusive com cerco ao próprio posto de vigilância.
VINICIUS SASSINE / Folhapress