Terras indígenas impactadas por marco temporal somam 11 mil autorizações de mineração

BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – As terras indígenas ainda em estudo, ou seja, que podem ser afetadas caso seja aplicada a tese do marco temporal, somam 10.963 autorizações de exploração ou estudo minerário em suas respectivas áreas.

Dentro desse grupo estão as 33 terras que aguardam as últimas etapas burocráticas para serem demarcadas, pendentes apenas as aprovações pelo Ministério da Justiça, Casa Civil e Presidência da República para serem homologadas.

Em relação a esses territórios, a reportagem também identificou 1.961 fazendas dentro das áreas a serem demarcadas, além de 293 autorizações minerárias.

A Folha de S.Paulo cruzou os dados das autorizações dadas pela ANM (Agência Nacional de Mineração) com informações da Funai (Fundação Nacional dos Povos Indígenas).

Como as terras em estudo ainda não têm área delimitada, a reportagem considerou as sobreposições entre os polígonos registrados na ANM e um raio de 30 km do ponto central do território reivindicado.

O levantamento considerou desde autorizações para pesquisa —o primeiro estágio da exploração— até permissões de lavra garimpeira ou mineração, e desconsiderou os requerimentos anulados ou invalidados pela agência.

Como o CAR (Cadastro Ambiental Rural), o registro de fazendas, é sistematizado estadualmente, a reportagem cruzou esses dados apenas com o grupo de terras indígenas em estágio mais avançado da demarcação.

A Folha de S.Paulo mostrou que a ANM tem em seu sistema 363 autorizações para exploração mineral dentro de terras indígenas já demarcadas, inclusive para garimpo, o que não é permitido por lei.

A Vale, responsável pelas barragens que se romperam nas tragédias de Brumadinho e Mariana (ambas em Minas Gerais), é a empresa com mais processos para exploração dentro desses territórios. A também mineradora Belo Sun vem em segundo lugar.

Ambas afirmam desconhecer essas autorizações e dizem não explorar os recursos naturais em áreas onde há impedimento legal.

A tese do marco temporal é defendida pela bancada ruralista e determina que devem ser demarcados os territórios considerando a ocupação indígena em 1988, data da promulgação da Constituição.

A proposta é criticada pelos indígenas, que argumentam que o direito às terras é anterior à criação do Estado brasileiro e que, portanto, não pode estar restrito a um ponto temporal e, sim, deve ser determinado por meio de estudos antropológicos.

Neste ano, o STF (Supremo Tribunal Federal) decidiu contra a tese do marco temporal, utilizando dentre outros este argumento defendido por indígenas.

Em reação, a bancada ruralista no Congresso aprovou um projeto de lei que instituiu o marco na legislação.

A proposta, no entanto, tem uma série de outros dispositivos que extrapolam a questão da demarcação, mas criam brecha para exploração de recursos naturais dentro dos territórios, flexibilizam as proteções de contato com povos isolados e permitem parcerias com não indígenas para trabalhos nestas áreas.

O projeto foi praticamente todo vetado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), mas quase a totalidade das vedações foi derrubada pelo Congresso na última quinta-feira (14).

Paralelamente, a bancada ruralista articula uma proposta para incluir o marco temporal na Constituição, o que faria o próprio STF ter que passar a considerá-lo em suas decisões.

A aplicação da tese do marco temporal afetaria todos esses territórios em estudo e que têm, em seus arredores, diversos requerimentos de mineração e propriedades privadas.

Para Ana Alfinito, da Amazon Watch, isso mostra como a tese do marco temporal interessa a setores econômicos e políticos específicos.

“Busca fortalecer um projeto de país de uso da terra, de modelo econômico, de modelo político, projeto contrário à possibilidade de existência e garantia dos direitos indígenas”, afirma.

Presidente do Ibram (Instituto Brasileiro de Mineração), Raul Jungmann afirma que a posição da entidade “é de que não cabe nenhum tipo de exploração em terras indígenas”.

“Nossa posição e de nossos afiliados é de não avançar, nem pressionar quanto a isso [mineração nos territórios], é um tema delicado para o setor. Nossa posição é de absoluta cautela”, completou.

Para Maurício Terena, advogado da Apib (Articulação dos Povos Indígenas do Brasil), o marco temporal “cai como uma luva” para esses casos, inclusive porque já prevê a exploração de atividades econômicas dentro dos territórios.

“Fica um conceito aberto no qual cabe, inclusive, atividades econômicas que causem prejuízo ambiental”, diz. “Ele viola diretamente a garantia do usufruto exclusivo aos indígenas. É curioso observar o movimento político de olhar para terras indígenas e ver ali uma commodity.”

A ANM foi procurada, mas não respondeu aos questionamentos da reportagem.

Atualmente, seis terras indígenas aguardam apenas o aval do presidente Lula para serem demarcadas. Dessas, as que têm mais incidência em seus arredores ficam em Santa Catarina: Toldo Imbu e Xapecó (Pinhalzinho-Canhadão) —respectivamente, com 35 e 12 registros no CAR.

Esses seis territórios compõem um grupo de 14 apontados por movimentos indígenas como prontos para homologação desde o início do governo Lula. No entanto, até aqui, apenas oito foram demarcados.

Já dentre todos os territórios em estudo, das mais de 10 mil autorizações de exploração mineral dadas pela ANM, quase 1.500 são para exploração de areia no Rio Grande do Sul.

JOÃO GABRIEL E LUCAS MARCHESINI / Folhapress

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