SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – O epicentro do terremoto desta sexta (28) em Mianmar atingiu a área mais vulnerável do conflagrado país e afetou o principal aeroporto da região, dificultando o trabalho de ajuda humanitária.
“Perto de metade dos 3,6 milhões de deslocados internos do país está na região mais afetada. É uma sobreposição de tragédias”, afirmou Diogo Alcântara, porta-voz do Acnur (Alto Comissariado para Refugiados da ONU) em Mianmar.
O brasileiro de 37 anos trabalha há dois anos no país do Sudeste Asiático, com um pequeno intervalo servindo no Afeganistão. “Eles têm sofrido os impactos do conflito em si, ataque aéreo, destruição de casas, e aí temos o duplo deslocamento”, disse à Folha por meio de chamada de vídeo.
O país está em franca fragmentação desde que uma junta militar deu um golpe em 2021. Segundo estudo feito pela equipe de dados da rede britânica BBC, os fardados só controlam hoje cerca de 20% de Mianmar, com uma miríade de facções tribais disputando territórios.
Um dos focos da violência é justamente Mandalay, a segunda principal cidade do país o centro do tremor de 7,7 graus. Alcântara afirma que ainda não há uma avaliação precisa de danos e vítimas, e que a ONU ainda está entrando em contato com suas equipes de apoio humanitário na região.
Ao menos 12 pessoas morreram, segundo o governo paralelo que une algumas das milícias contrárias à ditadura. Já a junta militar disse que há muitos feridos e pediu ajuda com doações de sangue.
O porta-voz mora em Yangon, ex-capital e maior cidade de Mianmar, há dois. Ele conta que por lá o sismo não foi sentido com tanta força, lembrando outro episódio ocorrido há duas semanas, quando ele fazia uma videoconferência e percebeu sua câmera tremer.
Nesta sexta, ele estava em um hospital para pegar um medicamento após uma consulta quando sentiu o terremoto. “Eu nem me mexi, as pessoas ali tiveram algum estranhamento, mas não foi aquele choque”, conta.
Ele dirigiu do hospital para o escritório da ONU, que fica no 11º andar de um edifício. No caminho, não notou sinais de destruição. “Vi muita gente do lado de fora, mas como não é uma coisa muito comum, não tinha imaginado que fosse uma evacuação do prédio”, relata.
“Subi normalmente, aí vi o pessoal comentando que estava indo para casa”, disse. Ele então descobriu a dimensão do sismo, que afetou particularmente Bangkok, na Tailândia, e contatou equipes do Acnur no país, já prevendo demandas de imprensa sobre a situação.
Alcântara tem experiência com terremotos. Ele estava trabalhando no Afeganistão quando um sismo atingiu fortemente a região de Herat, matando ao menos 2.000 pessoas, em 2023. “Houve três réplicas e no fim muita gente estava dormindo em barracas, sem coragem de voltar para casa”, lembra.
O isolamento político da junta militar, além da rivalidade com os opositores, também dificulta os trabalhos de socorro. No ano passado, os fardados pediram ajuda internacional quando o país foi atingido por um forte tufão, que matou mais de 30 pessoas.
Além da guerra civil, há a questão do subdesenvolvimento: assim como terremoto que devastou o Nepal em 2015, o acúmulo de construções de baixo padrão e a alta densidade populacional favorecem a amplificação das tragédias.
IGOR GIELOW / Folhapress