SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – De que escritório fala o novo “The Office”, num mundo pós-pandêmico, varrido pelo trabalho remoto e pelo uso inconsequente da inteligência artificial? Para a comediante Felicity Ward, o escritório segue como sempre odiado por todos, sobretudo para quem tem de responder a chefes aloprados.
“Todo mundo já trabalhou para alguém que odiava”, diz a atriz, que assume com o papel de Hannah Howard o desafio de estrelar o remake da mais influente sitcom dos anos 2000, agora com sotaque australiano. “Você pode achar que são personagens cômicos, mas sempre vai identificar alguém com quem trabalhou.”
O princípio é o mesmo um gerente regional de uma empresa decadente se dedica a azucrinar e constranger seus funcionários. Dessa vez, porém, como todos se acostumaram ao home office, a companhia de embalagens quer se desfazer da sua repartição o que Hannah tentará impedir a todo custo.
A série já teve remakes em países como o Índia, Polônia e Arábia Saudita, todas partindo do sucesso definitivo das versões britânica de 2001, com o David Brent de Ricky Gervais e americana com o Michael Scott de Steve Carrell, de 2005 a 2013.
Cada uma se sagrou por uma frente, mas sempre com um chefe homem. A versão de Gervais, escrita com Stephen Merchant, punha o desconforto acima de tudo, abdicando do riso para promover a vergonha alheia.
O sentimento foi herdado por Carrell na primeira temporada da versão americana, mas ganhou cor própria a partir da segunda. Com mais comédia física, sem abdicar do politicamente incorreto da sua fonte, Michael tinha momentos de vulnerabilidade que, de repente, cativava o público que tanto o odiava.
Ward, porém, não vê qualquer diferença na personagem só por ser mulher. “É algo incidental. Ela continua sendo uma chefe ruim, incompetente, delirante”, diz, apontando, porém, o machismo como razão das reações negativas que a série despertou pouco antes do seu lançamento.
Mas mesmo após a chegada dos oito episódios ao catálogo do Prime Video, em 18 de outubro, as reações do público foram irregulares, destacando um excesso de similaridades com a versão americana.
Se por um lado “The Office” entrou para a história e se tornou nostálgica, por outro, a repetição de personagens, como um assistente puxa-saco (agora com a estranha Lizzy, papel de Edith Poor, numa versão menos “incel” do Dwight americano) e um casal de colegas apaixonados, soa mais como pastiche.
Ward indica, porém, como alguns desses elementos mudaram. “O politicamente incorreto ainda está na série, mas quem é motivo do riso também está no escritório, e aí a piada se volta contra a Hannah”, diz a comediante, chamando atenção para uma maior representatividade. “No final, é minha personagem que parece uma idiota.”
É o caso de uma piada com um rapaz com síndrome de Down vivido pelo ator e ginasta Chris Bunton, contratado por Hannah para mostrar como o escritório seria diverso, mas que acaba extorquindo a própria chefe.
Ou na presença de mais personagens não brancos, como Greta o equivalente à Pam da versão americana, vivida pela atriz aborígene Shari Sebbens e Tina papel de Susan Ling Young, de ascendência chinesa.
“Era uma coisa que preocupava parte do público. Vi pessoas indignadas: ‘eles não vão manter o racismo?’ Elas amam o racismo”, diz Ward, aos risos. Ela vê nisso um sinal dos tempos, já que na versão britânica David era racista de propósito, enquanto Michael era mais consciente, ainda que antiquado.
E além do sotaque salpicado de “mates”, há figuras e situações que remetem à cultura australiana, como o “Cup Day”, quando uma corrida de cavalos para o país, ou uma visita a um pequeno zoológico de répteis exóticos.
Para Ward, porém, o mais importante é mostrar como o alcoolismo ainda é banalizado no país Hannah, não à toa, está sempre acompanhada de uma garrafa no escritório.
THE OFFICE
– Quando Disponível no Amazon Prime Video
– Classificação 14 anos
– Elenco Felicity Ward, Edith Poor, Steen Raskopoulos
– Produção Austrália, 2024
– Criação Julie De Fina e Jackie van Beek
HENRIQUE ARTUNI / Folhapress