SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Enquanto o cantor Bruno Mars fazia seu show para a plateia abarrotada de gente do palco Skyline do The Town, no domingo, dia 3, em São Paulo, a situação na área mais próxima ao palco era complicada.
Não era incomum ver pessoas brigando por lugares, sendo carregadas após passarem mal ou reclamando do empurra-empurra. Era desse espaço apertado que pessoas com deficiência tentavam assistir à apresentação.
Ao longo do festival, que fez sua estreia em São Paulo nos dias 2, 3, 7, 9 e 10 de setembro, a reportagem ouviu relatos do público e acompanhou comentários nas redes sociais sobre a experiência para PCDs –que incluiu dificuldades para acessar a plataforma exclusiva para eles, transitar pelos espaços e uma aparente falta de treinamento dos funcionários.
Foi o caso da psicóloga Daniela Borba Lambiasi e de sua filha Larissa, de 19 anos, que é autista. Ambas compraram a meia-entrada dos ingressos destinados a pessoas PCDs e seus acompanhantes e usavam a pulseira que permitiria que elas entrassem na área especial.
Quando chegaram lá, no entanto, foram avisadas que o espaço estava lotado. O jeito que acharam para assistir à apresentação de Mars foi improvisar uma barreira no canto próximo à plataforma na frente do palco principal e contar com o bom senso do público.
Larissa também tem TPS, transtorno do processamento sensorial, que causa limitações com multidões e toques, então sua mãe fez um cercadinho com bolsas e mochilas ao seu redor e pediu para que pessoas em volta tentassem impedir que outros chegassem muito perto. No dia anterior, por conta da chuva que espantou boa parte do público, elas tinham conseguido acesso à plataforma. Mas não sem dificuldade.
“No sábado me falaram que eu não podia entrar na plataforma porque a pulseira que puseram em mim não permitia, e que minha filha também não teria direito porque só cadeirantes e pessoas com nanismo poderiam entrar. É a discriminação com o próprio público PCD”, diz Borba, que voltou a insistir um tempo depois e teve a entrada liberada.
Situação parecida à de Larissa aconteceu com Vinicios Sardi, presidente da Associação Brasileira do Paraskate, que relatou em seu perfil do Instagram que não conseguiu entrar na plataforma embora estivesse usando suas próteses de pernas.
“Fui impedido de entrar na área de PCDs, não sei por que eles não me classificam como uma prioridade. Eu tô muito triste, paguei uma grana para estar nesse evento e estou me sentindo totalmente excluído”, disse em um dos vídeos.
Isabela Giaretta, que tem 20 anos e sequelas de paralisia cerebral que resultam em um problema motor, também não conseguiu um lugar. No sábado, dia 2, quando o Autódromo sofreu com a chuva incessante, ela passava mal por causa de dores e precisou insistir até conseguir subir na estrutura.
Na quinta (7), ela não conseguiu, embora tenha avisado à equipe que sentia dores desde a chegada no evento. “À noite o Skyline fica insuportável sem a plataforma. Eu fui empurrada por várias pessoas, estava com dor, não tinha onde me sentar. Resultado: ouvi 15 minutos do Maroon 5 e fui embora. Foi uma experiência péssima”, diz.
Procurada, a organização do The Town afirma que “a plataforma elevada é dedicada ao acesso exclusivo para pessoas com deficiência e com mobilidade reduzida, preferencialmente para cadeirantes e outras deficiências que efetivamente demandam auxílio da plataforma para assistir aos shows com boa visibilidade”, e que “todos os serviços disponíveis adotam o critério de ordem de chegada”.
No aplicativo do evento, um documento na seção de acessibilidade classifica as plataformas elevadas como áreas em que “pessoas com limitação de estatura, como usuários de cadeiras de rodas e pessoas com nanismo, vão poder curtir seus artistas favoritos”.
Borba, mãe de Larissa, diz que o festival deveria se organizar melhor para atender a todo o público PCD no momento em que decide se vender como um evento acessível.
Ela, assim como Isabela, elogia medidas como a van para o shopping SP Market na entrada e na saída do festival e a sala sensorial destinada a pessoas com TPS, mas diz que a falta de treinamento dos funcionários e a localização dos espaços atrapalha a experiência.
“Em um dia me falaram na plataforma que, para minha filha, havia a sala sensorial. Mas ela fica na entrada do festival, bem longe do palco Skyline. Um autista precisa entrar em crise para assistir ao festival? A pessoa não está indo para ficar na sala. E mesmo assim, como vou passar com minha fila em crise até a sala sensorial no meio da multidão?”, diz.
Uma mulher cadeirante que assistia ao show da banda Maroon 5 na quinta e não quis se identificar elogiou o tratamento que teve ao longo do festival, que a convidou para o evento. Ela não estava na plataforma, que já havia enchido, mas elogiou a van e o suporte que recebeu.
Borba pontua que houve uma dificuldade clara com deficiências que não são visíveis e que, por isso, não foram valorizadas. Isabela mencionou que “a pior parte é se sentir totalmente excluída daquele ambiente”.
“Quando eu estava na van vi várias pessoas cadeirantes elogiando o festival. Aí fiquei pensando: será que eu estou errada? Porque eles simplesmente estão separando as deficiências em categorias de mais e menos”.
O The Town afirma que vai “convidar pessoas com deficiências, que estiveram nos dias de eventos, para uma roda de conversas com o objetivo de conhecer as experiências e buscar melhorias para as próximas edições”.
Também enumerou os serviços oferecidos ao longo do festival, como o empréstimo de cadeira de rodas e de equipamentos que tornam as cadeiras motorizadas, a sinalização de rotas mais acessíveis, as catracas preferenciais nos acessos, banheiros acessíveis e os serviços de libras nos telões e nos palcos, além do balcão de acessibilidade.
LAURA LEWER / Folhapress