SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Na década de 1940, quando a fotografia ainda era usada no Brasil para capturar paisagens e retratos, alguns jovens decidiram experimentar fazer arte com a câmera, retratando a arquitetura industrial da cidade e pessoas por ângulos subversivos.
Foi assim que Thomaz Farkas, um desses jovens, revolucionaria a fotografia no país, inaugurando o Foto Cine Clube Bandeirante na sobreloja da Fotóptica, empresa fundada por seu pai ao migrar da Hungria para São Paulo.
Mas, depois de instaurar o moderno, era preciso combater o retrocesso. Com o golpe militar, Farkas se tornou um dos maiores financiadores do cinema independente no Brasil, para depois embarcar na onda democrática e abrir a primeira galeria de fotografia no país, em 1979.
O longo impacto de Farkas nas artes visuais brasileiras é celebrado pelo Instituto Moreira Salles, em São Paulo, que inaugura a exposição “Thomaz Farkas: Todomundo”.
A mostra, que exibe trabalhos inéditos do fotógrafo e empresário, morto em 2011, faz parte do calendário de iniciativas que, neste ano, comemoram o seu centenário. Os cliques experimentais do período do Fotoclube deram origem à primeira exposição de fotografia moderna no Brasil, no Museu de Arte Moderna, o MAM, ao lado de Geraldo de Barros.
“Quando se via uma coisa mais experimental ou abstrata, o pessoal [colegas fotógrafos] gozava, falava que era coisa do Farquinhas e do Geraldo”, conta João Farkas, um dos filhos do artista.
No IMS, foi recriada a sala com as fotos na mesma disposição da mostra histórica. “Eles queriam mostrar que a fotografia era mais do que um registro objetivo da realidade, mas que tinha um caráter subjetivo, com influências estéticas de sua época. Foi um momento de libertação e de afirmação da fotografia como arte.”
Ao redor da réplica do MAM de 1949, a exposição exibe fotos coloridas inéditas de Farkas, tiradas em filme Kodachrome. Retratos de sua mulher usando um vestido verde contrastam com as construções de metal de uma metrópole em constante reforma.
A cidade de São Paulo e os movimentos diários de sua população em direção ao centro se tornariam o foco das lentes do fotógrafo.
Ao mesmo tempo em que estava estilisticamente próximo de europeus como Henri Cartier-Bresson, o engajamento com a realidade dos trabalhadores brasileiros ditaria o rumo de sua produção nos anos seguintes.
Com o golpe militar, Farkas usou a Fotóptica, que herdaria do pai, para financiar a produção de documentários pelo Norte e pelo Nordeste. “Memórias do Cangaço”, “Nossa Escola de Samba”, “Subterrâneos do Futebol” e “Viramundo”, os quatro primeiros curtas que produziu, se tornaram um marco para a cinematografia brasileira.
O conjunto de filmes que ele faria na década seguinte, até o final da ditadura, ficariam conhecidos como “Caravana Farkas”. “O Nordeste é o repositório da cultura brasileira raiz, e os filmes que Farkas produziu investigavam essa cultura profunda e muito religiosa”, afirma Carlos Augusto Calil, diretor do conselho administrativo da Cinemateca Brasileira, que homenageou Farkas no festival É Tudo Verdade.
Nos anos 1960 e 1970, as regiões Norte e Nordeste ainda estavam distantes da modernidade em voga nos grandes centros.
“Foi o último momento para registrar o Brasil arcaico de milagreiros, frei Damião e padre Cícero”, diz. A caravana inovou ao utilizar os equipamentos mais modernos na época, filmando as expedições com câmeras de 16 milímetros, fáceis de serem carregadas e com gravação de som sincronizada –próprias para a televisão.
“Havia um projeto de difusão, para além da produção”, diz um dos curadores da exposição no Instituto Moreira Salles, Juliano Gomes. Os filmes, porém, nunca chegaram à televisão. Grandes redes privadas, como a Globo, não transmitiam produções que não fossem próprias, enquanto os canais estatais eram censurados pelos militares.
Os filmes tinham funções políticas e sociais. “Era uma produção em que intelectuais e artistas faziam um discurso fechado sobre o Brasil, com uma investigação sociológica, uma maneira hoje em dia superada como forma de aproximação de realidades sociais”, diz Carlos Augusto Calil. “O Thomaz era um empresário de esquerda.”
Durante as viagens, Farkas não parou de fotografar, entre cliques documentais e experimentais. Exibidas no IMS ao lado de obras de outros fotógrafos que despontaram nas décadas de 1980 e 1990, como Claudia Andujar, George Love, Luiz Braga, Mário Cravo Neto e Anna Mariani, as imagens de Farkas realizadas muito tempo antes evidenciam semelhanças com as inovações visuais que surgiriam com uma nova geração de artistas.
Em 1979, ele deixou o cinema de lado para abrir a primeira galeria de fotografia do Brasil, a Fotóptica, quando ainda não havia um mercado direcionado a fotografia de ensaio. Depois da inventividade da década de 1940, a fotografia envergou para se tornar um ofício mais do que uma expressão artística. “Enquanto, para as artes plásticas, havia salões, bienais e galerias, a fotografia ficou ligada à moda, à publicidade e ao jornalismo”, afirma João Farkas.
Rosely Nakagawa, curadora que também trabalhou com Farkas, diz que a galeria foi uma tentativa do empresário de reinstaurar a importância da fotografia como expressão e, mais que isso, impulsionar jovens que estavam no início de suas carreiras.
“Para ele, a fotografia não era um objeto de promoção do ego, mas um instrumento do olhar”, afirma João Farkas. Segundo o filho, esse foi o motivo da maioria de sua produção pessoal ter ficado guardada tanto tempo.
Segundo Nakagawa, o maior legado do fotógrafo foi apostar nos movimentos artísticos enquanto fazer coletivo, mais do que mérito individual, ideia reforçada por ele próprio em uma entrevista. “Me identifico com todos, mas não sou nenhum deles”, disse, sorridente, quando comparado aos fotógrafos emergentes.
Thomaz Farkaz: Todomundo
Quando: Quando Ter. a dom., das 10h às 20h
Onde: Instituto Moreira Salles – av. Paulista, 2.424, São Paulo
Preço: Grátis
Classificação: Livre
ALESSANDRA MONTERASTELLI / Folhapress