Tiago Ferro metralha a si mesmo em romance sobre uma geração que fracassou

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – A literatura de Tiago Ferro investiga sua própria vida, mas, conforme ele define, é essencialmente negativa. Com isso ele não quer dizer que seu protagonista fica de chororô pelos cantos.

É que em vez de explorar sua identidade —homem, branco, paulistano, classe média, beirando os 50 anos— na busca de um sentido, de um discurso de entendimento do mundo, ele se volta a corroer tudo em ácido.

“Uma vez que está escancarado que esse cara muito próximo a mim é pura ideologia, um falso universal, um falso neutro, eu abro oportunidade para uma literatura que implica em atirar contra si próprio”, diz, numa padaria em São Paulo. “O livro é essa desconstrução —essa palavra que hoje em dia se usa até no Big Brother.”

A maneira como Ferro fala de sua obra espelha a maneira como escreve. Enquanto discute seu projeto literário, que chega ao segundo livro em “O Seu Terrível Abraço”, ele reage a si mesmo, volta atrás na escolha de palavras, duvida do que está dizendo. Ensaia comparar seu protagonista a Brás Cubas, mas engasga deixando claro que não quer se comparar a Machado de Assis.

A linha narrativa do novo romance, no esforço nada simples de resumir em uma frase, acompanha um narrador que descobre uma doença grave e reflete, no processo, sobre o fracasso de toda a sua geração.

“Dr. Miranda repete que eu não quero aceitar que não sou mais jovem, que o tipo idealista já não combina comigo, que estava na hora de assumir os atos todos e pagar o valor devido. Cravo minhas unhas na palma da mão esquerda até sangrar. (Penso em reescrever esse clichê, mas me esqueço.)”

Seu texto, que mobiliza de manchetes reais a conversas fictícias de rede social, é todo fragmentário, como Ferro ressalta que a imprensa não cansa de ressaltar.

“É uma tendência da literatura há muito tempo e parece que embarquei nisso, mas foi meio que imposto. Como faço essa investigação durante a própria escrita, vão surgindo as relações entre passado e presente, o comentário político, social.”

É um caminho que, segundo Ferro, foi muito parecido com o do seu livro de estreia, “O Pai da Menina Morta”. Aquele, contudo, era disparado de um acontecimento evidente e aterrador, a perda de sua filha, enquanto este nasce da confiança de um escritor já consagrado com o Jabuti que quer seguir explorando o estilo recém-descoberto em diferentes direções.

Se o primeiro romance tirava sua estética desmembrada —seu atordoamento de toques quase surreais— do desterramento causado por um baque irreparável, a construção em frangalhos desta segunda obra remete mais a um país que se encontra no mesmo estado.

O livro está permeado de lembranças de protestos de 2013, caricatura amigos indo a manifestações contra Dilma Rousseff, mostra o coronavírus aqui e ali e o tal doutor Miranda, médico do trecho acima, se revela um bolsonarista ferrenho.

Mas coitados dos leitores que procurarem qualquer coisa parecida com uma linha do tempo ou uma interpretação coesa da história recente no romance. A política está à espreita, colaborando mais com o timbre catastrófico da narrativa que com seu conteúdo.

A desconstrução do livro se volta tanto a uma geração que deixou a democracia descambar em uma nova ameaça autoritária quanto à sua identidade privilegiada em gênero e raça, já que as duas coisas andam lado a lado. “O bolsonarismo é uma vitória do homem branco”, resume o autor enquanto toma um espresso.

“A autocrítica vem naturalmente, não como um projeto de culpa. Cada um tem as contingências do meio onde nasceu. Quando investigo minha vida, a autocrítica é a única alternativa para não criar ideologia”, afirma o autor, aliás doutorando na Universidade de São Paulo prestes a depositar uma tese sobre o pensamento de Roberto Schwarz.

“Os grupos que precisam ganhar espaço e afirmar a própria identidade são os que têm que projetar algo, oferecer algum sentido para o leitor se identificar. Se eu proponho algo, faço isso baseado no meu privilégio. É a história do Sartre vindo para Cuba e dizendo que a revolução é maravilhosa, enquanto morava no Quartier Latin.”

A literatura negativa, então, parece a única saída. E o texto sofisticado de Ferro o escrutina a tal nível que os leitores podem se perguntar se, como o protagonista, ele está com uma doença terminal. Seus check-ups vieram todos bons, garante o autor. Lembra Susan Sontag? É só uma metáfora.

O SEU TERRÍVEL ABRAÇO

Quando Lançamento nesta sexta (14), na Livraria da Vila de Pinheiros, em São Paulo, com Vera Iaconelli e Bárbara Paz

Preço R$ 69,90 (152 págs.); R$ 49,90 (ebook)

Autoria Tiago Ferro

Editora Todavia

WALTER PORTO / Folhapress

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