SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Se trabalhadores negros e brancos tivessem acesso à mesma qualidade de educação, a um mercado de trabalho local com características parecidas e a empregos similares, a diferença de salário entre eles poderia ser reduzida em 25 pontos percentuais.
Quando não são levados em conta outros fatores além da raça, os salários de trabalhadores negros (pretos e pardos) são, em média, 32% menores que os dos brancos.
Ajustadas por diferenças em outras variáveis –como tipo de escola (pública ou privada), anos de educação, qualidade da ocupação e vínculo de trabalho (formal ou informal)–, as diferenças raciais caem para 7%.
As conclusões são de um estudo foi feito pelos pesquisadores do Núcleo de Estudos Raciais do Insper Michael França e Alysson Portella.
Eles usaram dados obtidos a partir da Pnad Contínua (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua), do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), que se referem ao segundo trimestre de 2018 e 2019.
As maiores diferenças entre trabalhadores negros e brancos encontradas pelos pesquisadores estão nas pontas da pirâmide de renda. Elas são mais visíveis, por exemplo, quando são considerados os 20% mais pobres.
Os dados, no entanto, parecem apontar que o salário mínimo tem o efeito de reduzir essa disparidade, e que o trabalhador com rendimentos mais próximos ao piso tem mais chances de alcançar uma certa igualdade de oportunidades.
Neste caso, as principais diferenças na distribuição de rendimentos se dão pelo tipo de contrato de trabalho e por disparidades regionais.
A partir da marca dos 30% mais pobres, isto é, no meio da distribuição de renda e quando o piso salarial já não é mais preponderante, a lacuna racial aumenta continuamente.
Ao mesmo tempo, ter tido a oportunidade de frequentar uma escola privada ou cursos de pós-graduação ajuda a amortecer as diferenças raciais, ao se avançar na pirâmide de distribuição salarial.
“A desigualdade é latente, mas nosso estudo mostra que as disparidades entre trabalhadores brancos e negros diminuem significativamente quando ajustamos para fatores educacionais”, diz França.
Isso indica que a educação de qualidade contribui de forma substancial para gerar melhores oportunidades de renda para população negra, complementa o pesquisador.
Os autores destacam a importância de levar em conta a qualidade da educação que os trabalhadores recebem, não apenas os anos de escolaridade, tradicionalmente observados em estudos anteriores.
Os estudos sobre desigualdade normalmente consideram apenas o tempo de estudo para qualificar o nível educacional das pessoas, explica Portella.
“O que fizemos, além de documentar os diferentes padrões de desigualdade, foi estender a análise para o tipo de escola frequentada no ensino médio –privada ou pública– e se ela fez pós-graduação e cursos de especialização.”
Isso é relevante, pois as diferenças na educação podem gerar desigualdade racial não apenas por indivíduos brancos estudarem por mais tempo, mas também pelo tipo de educação que recebem ser qualitativamente melhor, dizem os pesquisadores.
Eles avaliam que ter frequentado escolas particulares e obter diplomas de pós-graduação respondem por parte do hiato salarial racial, especialmente no topo da distribuição de renda.
Esses padrões são geralmente parecidos, tanto para homens quanto para mulheres. As diferenças nas lacunas raciais entre os gêneros são mais visíveis na base e no topo da distribuição de renda.
Ao mesmo tempo, o tipo de emprego parece ser mais importante para as mulheres, enquanto diferenças na educação são mais importantes para os homens.
“O estudo também mostra que é um erro achar que a educação vai resolver tudo. Em todos os percentis de renda, mesmo controlando pela educação e outros fatores, os negros ganham menos que os brancos”, diz França.
Ele observa que as disparidades são maiores no topo da distribuição de renda, pois ali, a discriminação e as barreiras invisíveis que impedem a ascensão dos negros parecem ser mais pronunciadas.
De acordo com os pesquisadores, o capital humano e as habilidades adquiridas são cruciais para entender o que provoca a diferença de rendimentos entre negros e brancos.
Os dados também reforçam o peso que as disparidades regionais e a discriminação têm para determinar diferenças entre brancos e negros.
Em média, o local de residência e os anos de escolaridade são os principais fatores para a desigualdade salarial. Eles explicam, cada um, 23% das diferenças entre brancos e negros.
O tipo de ocupação ou cargo e o modelo de contrato de trabalho também têm peso considerável nas diferenças médias, de 13% e 8%, respectivamente.
“Não há apenas um fator para explicar a desigualdade racial, ela afeta de forma distinta pessoas que se encontram em pontos diferentes da distribuição de renda”, diz Portella.
“Como o Brasil é muito heterogêneo, em termos de composição regional, e as regiões são muito diferentes entre si, em termos de riqueza, precisamos de políticas regionais para que desenvolvam os locais que mais precisam”, complementa.
Além disso, quando excluídos erros de ponderação estatísticos, fatores não observados –geralmente ligados à discriminação racial– correspondem a 22% das diferenças salariais médias de brancos e negros.
“Essas barreiras não são oficialmente institucionalizadas, mas são sustentadas por expressões de preconceitos, muitas vezes sutis, estereótipos e discriminações que limitam as oportunidades de crescimento dos profissionais negros”, conclui França.
DOUGLAS GAVRAS / Folhapress