SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – A isenção do Imposto de Importação para produtos de até US$ 50 é um crime de responsabilidade fiscal com potencial para destruir a economia brasileira, do pequeno comerciante ao grande industrial, diz o presidente da Fiemg (Federação das Indústrias de Minas Gerais), Flávio Roscoe.
Ligado ao setor têxtil, Roscoe se une ao coro encabeçado pelos varejistas contra o programa Remessa Conforme e diz que o governo criará uma cultura de compras internacionais em substituição ao comércio local.
Na avaliação do industrial, a vantagem tributária aos importados fará com que o próprio varejo deixe de comprar localmente. “Para que vou comprar um produto fabricado no Brasil, com imposto? Vou comprar nesse site internacional e vou colocar aqui na minha loja para vender, já que ele vai chegar aqui sem nenhum imposto.”
O industrial também critica a Shein, dona do principal site de comércio de roupas, e que anunciou uma agressiva política de nacionalização da produção. A promessa da empresa é chegar a 85% de produtos nacionais em quatro anos. Para Roscoe, a medida é uma cortina de fumaça.
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PERGUNTA – O governo publicou as regras para adesão ao programa de isenção das importações. A medida afeta imediatamente o varejo, mas a indústria também tem se manifestado contra. Qual é a posição da Fiemg sobre o assunto?
FLÁVIO ROSCOE – Nos meus anos de atividade profissional, já vi muita coisa acontecer no Brasil, mas esse caso realmente é sui generis. Você ter um tratamento mais benéfico para um produto importado, em detrimento do produto nacional, é uma coisa surreal, algo que eu nunca pensei que a gente pudesse presenciar. Infelizmente é o que acontece nesse caso.
Você tem empresas que praticavam contrabando, fingiam fazer uma operação de pessoa física, quando, na verdade, eram grandes grupos econômicos que simulavam um presente importado vindo para o Brasil.
Em vez de receber multas bilionárias por praticar uma ilegalidade, elas são beneficiadas com isenção tributária. Você não dá isenção tributária a ninguém que produz no Brasil, mas dá isenção tributária para um site.
Destrói a economia local, vai destruir o varejo. Isso é uma bola de neve. Até quem pagava [imposto], para de pagar. Para proteger esses sites que faziam irregularidades, resolveram conceder para todos a benesse.
E há outra inconstitucionalidade. No Brasil, é crime de responsabilidade fiscal abrir mão de uma receita sem indicar outra fonte de receita, e isso não tem no decreto. Basicamente, todos aqueles que trabalhavam formais, como a Amazon, que pagavam tributo, vão deixar de pagar com essa regulamentação.
E o que eles vão fazer, aumentar imposto de outras atividades para isentar os sites internacionais que vão vender sem imposto? Ou seja, isso é um crime lesa-pátria sem tamanho.
Na minha leitura, estamos destruindo a economia brasileira. Não é brincadeira. Parece uma compra inocente, mas não é. Os pequenos comércios nem vão saber porque vão ser mortos gradativamente.
Cada dia que passa, entra menos cliente na loja. Mas é porque o cara está recebendo pacote sem imposto em casa. Se ele for no comércio, vai ter que pagar o imposto brasileiro, o imposto da prefeitura, o imposto do estado, da União.
E qual o afã de dar benefício fiscal para produto importado, não consigo entender a lógica, o raciocínio. Entendia o do presente, fazia sentido. Agora você isentar grandes corporações de bilhões de reais, que interesses são esses?
P – A entidade considera algum tipo de judicialização contra a medida?
FR – Estamos vendo quem tem competência, provavelmente um sindicato do setor de confecção e entraríamos como amicus curiae [quando uma parte participa do processo para apresentar subsídios ao juízo].
Já fizemos denúncia no Tribunal de Contas da União, para apurar o crime de responsabilidade fiscal dos agentes públicos, e fizemos denúncia no Ministério Público Federal.
Os agentes públicos tinham é que estar multando esses sites que burlaram a legislação e venderam por anos no Brasil como se fossem pessoa física.
P – A Fiemg promoveu uma campanha em parceria com a Fecomécio de Minas Gerais para falar do tema. Há alguma articulação com outros estados e outras entidades para tratar do assunto?
FR – Estamos conversando com várias entidades, como na ação contra pirataria com a Ápice [Associação pela Indústria e Comércio Esportivo], que a gente vai entrar como amicus curie. Esse é outro absurdo, os sites não só não pagam imposto, eles também vendem produtos piratas. Não são todos, obviamente. É um cenário de ficção científica.
P – Nesta segunda (31), a Shein, promove uma apresentação de roupas que, segundo a empresa, são 100% nacionais. O fato de a produção ser nacionalizada não pode vir a ter um efeito positivo sobre indústria e comércio locais?
FR – Olha, tenho um pouco de respeito à inteligência alheia. Acredito que as pessoas não vão cair em um engodo desse. A isenção tributária é só para o produto importado.
A gente falou [esse tipo de compra] “está matando seu emprego, está matando o seu futuro”, agora eles estão tentando fazer “não, não, nós vamos comprar aqui.”
Aí ele compra R$ 50 mil de uma empresa e diz que aquela empresa é fornecedora do site. Entra nos sites de roupas para ver o que é nacional o que é importado.
O pior não é isso. Os sites que pagavam imposto tinham um percentual muito maior de produto nacional. O que vai acontecer é a substituição do produto nacional pelo importado. Um vai pagar imposto e outro não vai. Qual você acha que vai vender mais?
O que há é uma tentativa de enganar o consumidor. E lamentavelmente isso vem sendo apoiado por alguns integrantes do governo que não querem dizer ‘isso aqui é péssimo para o Brasil’.
Ficam nessa cortina de fumaça, dizendo que vão comprar aqui, vão produzir aqui. Ótimo, então, por que não cancelar 100% da importação e comprar 100% nacional, se o objetivo é gerar emprego aqui?
A briga do site foi vender produto importado com isenção de imposto, tirando obviamente o lugar do produto nacional. Faz-me rir, isso é uma piada de mal gosto.
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RAIO-X – Flávio Roscoe, 50
É presidente da Fiemg (Federação das Indústrias de Minas Gerais) em um segundo mandato que terminará em 2025. Empresário mineiro do setor têxtil, Flávio Roscoe é sócio-diretor do grupo Colortêxtil, de Belo Horizonte
FERNANDA BRIGATTI / Folhapress