SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – O Tribunal de Justiça de São Paulo acolheu os argumentos da Promotoria e condenou uma estudante de administração por injúria racial praticada contra três seguranças negras. A pena foi de um ano e dois meses de reclusão e pagamento de indenização.
A sentença, de 25 de fevereiro, é assinada pelo desembargador Sérgio Mazina Martins. O julgamento contou com a participação dos desembargadores Vico Manãs e Nogueira Nascimento.
Cabe recurso da decisão.
Conforme a Folha de S.Paulo publicou em 24 de janeiro de 2025, em primeira instância, o juiz Carlos Eduardo Lora Franco, da 3ª Vara Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo, havia afirmado não haver dúvidas sobre as ofensas racistas praticadas. Porém, a absolveu sob o argumento de que a ré estava sob perturbação mental, já que havia consumido álcool e maconha, e que a condenação seria desproporcional. Ressaltou que ela estuda em uma universidade de ponta e que a condenação comprometeria seu futuro.
A absolvição ocorreu em 11 de novembro de 2024.
Segundo o processo, a estudante estava em uma festa no estádio do Canindé em 24 de setembro de 2022, quando, alterada, passou a agredir outros participantes. De acordo com o relato das vítimas no processo, ao ser expulsa, ela mordeu a mão de uma das seguranças e ofendeu as três com expressões como: “preta suja, fedida, macaca, eu tenho nojo de vocês, vadia, puta”.
A Promotoria recorreu da absolvição e afirmou que a sentença da primeira instância transmitia um recado de que pessoas ricas podem sair impunes porque frequentam espaços de privilégio.
O desembargador afirmou que as vítimas e as testemunhas foram coerentes em seus depoimentos, sem alterá-los em momento algum.
“Ficou nítido, portanto, que há sim nos autos provas seguras, suficientes, idôneas e irretorquíveis que […], na data da ocorrência, tristemente ofendeu as vítimas […], fazendo uso de termos injuriosos e racistas, bem como agrediu fisicamente a vítima […], intencionalmente ocasionando-lhe lesões corporais de natureza leve”, afirmou na decisão.
Ele lembrou que o juiz de primeira instância também afirmou que “a prova é clara, não restando margem para dúvida de que a ré efetivamente ofendeu as vítimas com termos de conteúdo racista”.
Martins destacou que o STF (Supremo Tribunal Federal), inclusive, afastou a possibilidade de Acordo de Não-Persecução Penal para o crime, como era defendido pelo juiz de primeira instância.
O desembargador afirmou que a embriaguez voluntária não exclui a imputabilidade penal e que as consequências de absolvição inusitada e fragilizada são, muitas vezes, mais sérias e problemáticas.
“Forma-se, portanto, todo um quadro de provas que, de modo substancialmente harmônico e robusto, aponta a acusada como autora desses ilícitos”, destacou.
Sendo assim, a 12ª Câmara de Direito Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo deu provimento parcial ao recurso interposto pela Promotoria e condenou a estudante a 1 ano, 2 meses e 12 dias de reclusão, pagamento de 30 dias-multa e outros três meses de detenção, em regime inicial aberto. Porém, as penas prisionais ficam suspensas por dois anos, com a condição de prestação de serviços à comunidade.
A estudante também foi condenada ao pagamento de indenização mínima de um salário mínimo a cada uma das três vítimas.
Danilo Keiti Goto, promotor do Gecradi (Grupo Especial de Combate aos Crimes Raciais e de Intolerância), do Ministério Público, afirmou que é inaceitável que pessoas que praticam racismo sejam absolvidas por alegarem embriaguez, ou porque são de determinada classe social e econômica.
“A decisão de segundo grau traz, enfim, uma resposta minimamente aceitável para essas três mulheres negras que tiveram a honra e dignidade violadas pela autora do fato. As provas eram claras e o Tribunal de Justiça assim reconheceu. O Ministério Público continua comprometido na luta para que o Sistema de Justiça proteja vítimas de crimes e dê resposta adequadas aos que cometem racismo”, afirmou.
A defesa da estudante era feita pelo advogado Antônio Pitombo, mas foi trocada pela advogada Paula Sion. Ela afirma ter havido grave erro de procedimento no caso, já que o Estado não teria investigado os fatos.
“Ao se deparar com versões antagônicas, o delegado de polícia perdeu a chance de fazer o que tinha que ser feito de imediato: solicitar as imagens do circuito de câmeras ao estádio do Canindé e identificar personagens importantes citados nos relatos das partes, a fim de que fossem ouvidos como testemunhas”, afirmou a advogada.
Segundo Sion, para provar a inocência da estudante, a defesa solicitou diligências, mas “houve total desídia também por parte do órgão acusatório seguida da falta controle jurisdicional adequado acerca dos pertinentes pedidos apresentados.”
“Portanto, o que se sabe, de concreto, é que ocorreu uma situação de embate, em que uma jovem afirmava ter sido vítima de importunação sexual e pedia providências, mas acabou sendo retirada da festa pelo uso de força física, com um mata-leão, por três amigas (parentes entre si), que participavam da segurança do evento e que passaram, na sequência, a acusá-la, em coro, de tê-las ofendido com xingamentos de cunho racial”, destacou.
A advogada diz ser temerário que a acusação seja provada apenas em relatos parciais e dá margem a que qualquer pessoa possa vir a ser condenada injustamente por algo que, de fato, não cometeu.
“Recorreremos da decisão para os Tribunais Superiores e certamente as balizas do que se considera um processo penal justo serão restabelecidas”, finalizou.
FRANCISCO LIMA NETO / Folhapress