Toffoli critica big techs e diz que artigo de lei acoberta violência e é inconstitucional

BRASÍLIA, DF, E SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – O ministro Dias Toffoli, do STF (Supremo Tribunal Federal), afirmou nesta quarta-feira (4) que a sociedade vive um ambiente de violência digital e que a legislação atual sobre responsabilização das plataformas lhes concede imunidade. Apesar de ainda não ter concluído seu voto, disse que a situação é inconstitucional.

Toffoli e o ministro Luiz Fux relatam os dois casos em análise na corte desde a última semana e que tratam de trechos do Marco Civil da Internet. Dentre eles, o artigo 19, que trata da responsabilização de plataformas de redes sociais por conteúdos de terceiros.

O STF retoma o julgamento nesta quinta (5), ainda com o voto do relator. Será a quarta sessão dedicada ao tema.

De acordo com Toffoli, o trecho da lei não foi capaz, desde a sua edição, de proteger direitos fundamentais e resguardar princípios e valores constitucionais nos ambientes virtuais, além de não fazer frente aos riscos que surgiram a partir do desenvolvimento de novos modelos de negócios das big techs.

“Hoje nós vivemos um mundo de violência digital. E violência digital é essa que o artigo 19 acoberta, enquanto não houver descumprimento de decisão judicial. Me desculpem, mas eu vou reiterar isso a todo momento”, completou o ministro, que deu seguimento à leitura do voto iniciada na sessão da última quinta (28).

Apesar de não ter concluído seu voto, Toffoli já declarou que entende que o artigo 19 é inconstitucional. Ele estabelece que as redes só estão sujeitas a pagar indenização por um conteúdo postado por terceiro se, após uma decisão judicial ordenando a retirada, mantiverem o conteúdo no ar.

Não está claro, porém, qual será a tese apresentada pelo ministro. Ele adiantou, por exemplo, que, com a saída do artigo 19, um outro trecho da lei —o que se refere a conteúdos de nudez não consentida— passaria a ser a regra geral. Segundo ele, basta notificação por parte da vítima ou de seu representante legal para que as empresas possam ser responsabilizadas por não terem agido.

Ele ainda deve explicar, porém, de que forma isso entrará no seu voto, e se haverá exceções.

O artigo 19 da lei, aprovado em 2014 pelo Congresso, teria como intuito proteger a liberdade de expressão e evitar a censura, na medida que não incentivaria as empresas a removerem conteúdos por receio de serem processadas.

Da perspectiva das big techs, um cenário de alteração da norma pelo Supremo considerado de menor insegurança jurídica seria um que previsse a notificação para responsabilização, em contraposição a caminhos que considerassem a possibilidade de serem responsáveis por qualquer conteúdo a partir do momento que fossem postados. Também veem como receio posições que possibilitem uma flexibilização envolvendo temas como crimes contra honra ou conceitos abertos como desinformação.

A análise da matéria pelo Supremo teve início na sessão de quarta (27), quando ocorreram apenas as sustentações orais. No total, 22 advogados se inscreveram para falar.

Ao tratar da liberdade de expressão, o ministro buscou enfatizar que esse direito não é irrestrito, citando, por exemplo, que a corte já decidiu que ele não consagra o direito à incitação ao racismo.

Quando argumentava que um direito individual não pode se tornar uma salvaguarda de condutas ilícitas, citou o caso do policial militar que foi flagrado jogando um homem do alto de uma ponte após perseguição em São Paulo nesta semana.

Neste trecho do voto, que rapidamente reverberou nas redes sociais, o ministro usa atos de violência para questionar os limites da liberdade de expressão

“Nós podemos entender que aquilo que aquele policial fez em São Paulo, na ponte, que desde ontem está sendo repetido nas televisões brasileiras, nos telejornais, é uma liberdade de expressão? Se nós levarmos a liberdade de expressão ao absoluto, ele estaria protegido pela liberdade de expressão. A liberdade de expressão abarca qualquer expressão?”, pontuou.

Toffoli também afirmou que nem toda a discussão é sobre produção de conteúdo de terceiros, que é o tema alvo do artigo 19 do Marco Civil. “O impulsionamento é um ato direto da plataforma. Não é um terceiro que o faz.”

Apesar de ainda não ter votado, o ministro Alexandre de Moraes mais uma vez se manifestou durante o julgamento para endossar críticas às big techs. Nesta quarta, ele destacou a escolha, como a palavra do ano de 2024, do termo “brain rot” (em tradução livre, “podridão cerebral”) —especificamente, o tipo causado pela sobrecarga digital.

“Esse problema da baixa qualidade, do discurso de ódio, da violência, do bullying, não é só no Brasil, é no mundo todo. Eu repito aqui, insisto que, infelizmente, a autorregulação faliu. É necessário que se preserve a dignidade da pessoa humana, a honra das pessoas, e se preserve também, no caso de atentados contra a democracia, o Estado de Direito”, disse.

Também o ministro Flávio Dino se somou às críticas às redes e acrescentou que as crianças e adolescentes estão hoje expostos ao maior número dessa violência digital. “Sobre essa comunicação intensa da violência virtual, que é real e vice-versa, vivi no mês de abril de 2023, um dos meses mais terríveis da minha vida, que foi o período em que houve aquele ataque na escola em Blumenau”, disse.

Naquele mês, Dino estava à frente do Ministério da Justiça, quando um homem matou quatro crianças em uma creche na cidade e adotou uma série de medidas contra as empresas.

Em suas falas, tanto Toffoli quanto Moraes citaram o PL das Fake News, enterrado na Câmara dos Deputados. Moraes pediu a palavra para afirmar que a votação não andou no Legislativo em decorrência da ação das big techs.

“Às vésperas da votação da urgência desse PL, as big techs passaram de forma um pouco velada a ameaçar os parlamentares, a coagir os parlamentares. As big techs jogaram toda a população e todos os usuários contra os deputados que iriam votar a favor da urgência do projeto , que acabou não passando em virtude dessa coação”, disse o ministro.

Toffoli, por sua vez, afirmou que o projeto estabeleceria normas, diretrizes e mecanismos de transparência, especialmente para provedores de redes sociais e de serviços de mensageria privada, a fim de garantir segurança e ampla liberdade de expressão, comunicação e manifestação do pensamento.

Ao longo do voto, ele chegou a falar em “notório anacronismo legislativo e por conseguinte uma flagrante omissão inconstitucional”.

Ao dar início à análise, na última semana, o presidente do Supremo, Luís Roberto Barroso, afirmou que a corte julga trechos do Marco Civil da Internet após o Congresso não legislar sobre o assunto. “O tribunal aguardou por um período bastante razoável a sobrevinda de legislação por parte do Legislativo e, não ocorrendo, chegou a hora de decidirmos esta matéria”, disse.

O Marco Civil aguardava julgamento havia sete anos. Os processos entraram e saíram da pauta três vezes nos últimos anos. Na última, foram adiados depois de pedido da Câmara dos Deputados, pela previsão de votação do PL das Fake News, enterrado em abril.

A lei foi citada por Moraes, por exemplo, para respaldar a decisão que suspendeu o X (ex-Twitter) no Brasil.

Desde o avanço das investigações sobre a trama golpista em 2022, a expectativa é a de que o Supremo promova mudanças no texto da lei semelhantes ao que vinha sendo discutido no Congresso Nacional no âmbito do PL das Fake News.

Na semana passada, Moraes disse que os ataques golpistas de 8 de janeiro de 2023 demonstraram a falência do sistema de autorregulação das plataformas de redes sociais.

ANA POMPEU E RENAT GALF / Folhapress

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