Torcidas voltam às ruas contra repressão de Milei

SÃO PAULO, SP (UOL/FOLHAPRESS) – Em polvorosa, a Argentina vive nesta quarta-feira (19) uma tensa expectativa para a marcha dos aposentados. O protesto semanal da categoria contra o corte de políticas públicas mudou de dimensão com a adesão de torcedores dos mais variados clubes do país, que se uniram nas ruas da capital Buenos Aires para defender os idosos diante da crescente repressão promovida pelo governo Milei.

O ato desta semana traz consigo a apreensão de novos confrontos entre manifestantes e policiais nos arredores do Congresso argentino.

‘EM DEFESA DOS APOSENTADOS’

Torcedores de diferentes times devem retornar às ruas como “guarda-costas” dos aposentados na manifestação. Na quarta passada, integrantes de torcidas de cerca de 30 clubes aderiram à causa após episódios de violência policial e, vestindo as cores de suas agremiações, marcharam ao lado dos idosos.

Eles não abrem mão do exercício de cidadania, apesar do receio pela segurança após o último protesto terminar em confronto com a polícia e prisões. Balas de borracha, gás lacrimogêneo e canhões de água foram disparados contra a população. Ao todo, foram mais de 50 pessoas hospitalizadas, uma delas em situação grave —o jornalista Pablo Grillo —, e 120 detidos, além de cerca de 30 agentes de segurança feridos.

Não podemos deixar que nos amedrontem, mas ao mesmo tempo temos de pensar estrategicamente sobre como nos cuidarmos porque os que choram os mortos somos nós, o povo. Não são eles. A reivindicação [dos aposentados] é válida e [o governo] não tem que nos reprimir por isso. O que estão fazendo é uma perseguição com agressões físicas e prisões ilegais.Lali, torcedora do Chacarita e fotógrafa que participou da marcha, ao UOL

Como cidadãos, que ferramentas temos para nos defender e nos proteger contra a repressão e perseguição estatal em todos os sentidos? Então, estamos com muita expectativa do que pode acontecer quarta-feira porque não queremos que tenha mais nenhum ferido. Queremos poder protestar na rua como sempre fizemos, sem que termine isso com alguém gravemente ferido ou pior, ou com prisões arbitrárias e injustas.

Os representantes das torcidas carregam uma bandeira que já era levantada por Diego Maradona há mais de três décadas. Em 1992, o já campeão mundial disse que tem que ser “muito cagão” para não defender os aposentados. A frase foi recuperada e está sendo tratada como um lema para os atos deste ano.

A luta dos aposentados vem dos anos 1990. O povo acompanha e, por mais que não seja você passando por essa situação, existe a solidariedade. Naquela época, os aposentados estavam bastante sozinhos em suas reivindicações, e aí alguém como Maradona fez sua voz ser ouvida. E Diego, como sempre, respondeu que tem que ser muito ‘cagão’ para não defender um aposentado. Tem essa ideia de que ‘é preciso defender o aposentado, não importa o que aconteça’.Lali, ao UOL

HINCHAS OU BARRA BRAVAS?

Os torcedores que aderiram ao protesto também criticam a gestão de Milei por classificá-los como “barra bravas”— o equivalente no Brasil aos integrantes de organizadas que se envolvem em brigas. Os manifestantes afirmam que é uma estratégia das autoridades para tentar descredibilizar a manifestação.

O governo argentino até enviou um projeto de lei para enquadrar os barras como organizações criminosas. Além disso, a secretária de Segurança Pública, Patricia Bullrich, denunciou por prevaricação a juíza que soltou os manifestantes detidos e já avisou que manterá o efetivo policial para o próximo ato, que deve contar novamente com o apoio em massa de torcedores cada vez em maior número.

Há uma tentativa oficial do governo de nos chamar de barra bravas para deslegitimar o protesto social e a reivindicação dos aposentados, justificando uma repressão. Eu sou torcedora do Chacarita, não sou barra brava. (…) Saímos à rua quando fomos campeões do mundo, vamos à rua por qualquer coisa. O triste dessa forma de pensar do governo é de tentar nos tirar da nossa identidade, solidariedade, e de nos fazer sentir que a rua não é nossa, mas deles. É feio.Lali

PROTESTO TRADICIONAL DOS APOSENTADOS

Sempre às quartas-feiras, centenas de aposentados se reúnem no coração da administração da Argentina para protestarem contra a degradação das suas condições financeiras. A tradicional “marcha dos jubilados” no país vem desde a década de 1990, mas aumentou de tamanho e passou a enfrentar crescente repressão policial a partir do ano passado.

Os aposentados reivindicam melhorias após a “política da motosserra” de Milei ter cortado ainda mais os gastos públicos com a categoria. Eleito no final de 2023, o presidente argentino adotou medidas austeras para enxugar ao máximo o tamanho do Estado e de liberar os preços de produtos —que chegaram a dobrar. Em janeiro deste ano, a inflação acumulada nos últimos 12 meses bateu 84,5%.

O que este governo fez foi cortar políticas públicas para os aposentados, como acesso a medicamentos e a alimentos. E não houve aumento nas aposentadorias, apesar da inflação que elevou os preços de serviços públicos como luz, gás e transporte. A aposentadoria mínima fica quase na linha da pobreza.Lali

Os aposentados protestam como denúncia contra várias violações de direitos à saúde, à alimentação, às condições de vida digna de uma pessoa que, em particular neste momento da vida, não trabalha ou não deveria trabalhar. Muitos deles, para poderem se sustentar, têm que fazer bicos, malabarismo para poderem bancar seus gastos de moradia, alimentação, e com remédios.

63,5% dos aposentados na Argentina recebem o valor mínimo do benefício, que em março ficou em 349.121 pesos (R$ 1,8 mil / US$ 327), de acordo com a Agência EFE. No país, uma pessoa com casa própria precisa ter uma renda maior que 354.535 pesos para estar acima da linha da pobreza.

ANDRÉ MARTINS / Folhapress

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