SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – “Não valia mais a pena”, explica a cuidadora de idosos Janice Souza, 32, moradora de Vitória da Conquista (BA). Demitida durante a pandemia, após trabalhar por dez anos para a mesma família, ela se viu de repente sem a renda da qual dependia um filho.
“A patroa não queria ninguém de fora, para não levar o vírus para dentro de casa. Quando a pandemia passou, ela disse que não precisava mais de mim. Até fui indicada para outros serviços, mas todos pagavam pouco e eram longe de casa, gastava quase tudo com transporte e com alguém para cuidar do meu filho. Resolvi esperar até as ofertas melhorarem.”
Os trabalhadores de menor renda, menos escolarizados e mais jovens foram os que mais contribuíram para a perda da taxa de participação no mercado de trabalho desde a pandemia de Covid-19.
Na comparação entre o quarto trimestre de 2019 e os primeiros três meses deste ano (dados mais recentes para esse nível de detalhamento), a perda de participação entre os trabalhadores vindo de domicílios com renda do trabalho por pessoa de até R$ 325 foi de 5,37 pontos percentuais.
Considerando-se a decomposição por faixa de renda, dos 2 pontos percentuais de queda da taxa de participação total, a faixa de menor rendimento contribuiu com -1,75 ponto.
Nesse mesmo comparativo, a participação das faixas de renda mais altas até subiu, apesar das dificuldades impostas pela crise sanitária. Ela aumentou 1 ponto percentual para os que ganham entre R$ 3.901 a R$ 6.500.
Na comparação por grau de formação, as perdas entre o fim de 2019 e o começo de 2023 são de 3,02 pontos percentuais para os trabalhadores com até o ensino fundamental incompleto e de 5,63 pontos para os que têm o ensino fundamental e não terminaram o ensino médio.
No mesmo período, as perdas foram de 1,74 ponto percentual a 1,5 ponto para os trabalhadores que tinham de 30 a 39 anos e de 14 a 17 anos, respectivamente.
O levantamento foi feito a partir de dados da Pnad (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios) Contínua, do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) e compilados por pesquisadores do FGV Ibre (Instituto Brasileiro de Economia, da Fundação Getulio Vargas).
O economista Fernando de Holanda Barbosa Filho, que liderou o estudo, avalia que a queda acentuada e a posterior recuperação da taxa de participação se concentrou nos trabalhadores mais pobres e menos escolarizados e se deve aos efeitos da pandemia no mercado de trabalho.
Com a reabertura após o período crítico da pandemia, a sangria da taxa de participação se equilibrou um pouco mais entre as faixas de renda.
A taxa de participação mostra a força de trabalho as pessoas ocupadas mais as que estão desocupadas proporcionalmente à população em idade de trabalhar, aqueles com 14 anos ou mais.
Uma taxa de participação menor significa uma redução no número de pessoas trabalhando ou buscando trabalho. A queda também acaba mascarando os dados de desemprego, já que a taxa de desocupação torna-se mais baixa.
Após atingir 63,4% no trimestre de dezembro de 2019 a fevereiro de 2020, pouco antes da pandemia, o indicador teve recorde negativo no período de maio a julho de 2020, batendo em 56,7%. Com o avanço da vacinação e a reabertura de comércios e serviços, ela subiu para 62,7% de julho a setembro de 2022, mas voltou a cair, para 61,6% no primeiro trimestre de 2023.
O desemprego no primeiro trimestre de 2023, segundo o IBGE, era de 8,8%. Caso a taxa de participação tivesse se mantido nos 63,4% do pré-pandemia, mais 3,4 milhões estariam na força de trabalho e o desemprego, então, seria de 11,3%, segundo estimativa dos pesquisadores.
A partir de 2022, a saída desses grupos do mercado de trabalho pode estar ligada ao aumento do valor real do programa Bolsa Família que passou a R$ 600 no fim do governo Jair Bolsonaro e foi mantido nesse patamar pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), avalia o pesquisador.
Segundo o governo, as famílias beneficiárias receberão no mínimo R$ 600. Aquelas com crianças de até seis anos recebem um adicional de R$ 150 por criança desde março de 2023. Para receber o benefício, a principal regra é que a família tenha renda mensal de até R$ 218 por pessoa.
“Uma hipótese é que as pessoas estão esperando uma oferta melhor para sair de casa para trabalhar, isso de certa forma reduz a oferta de trabalho. Já existia em tese em relação com o Bolsa Família, mas ela parece mais visível depois da mudança no patamar do benefício”, afirma Barbosa Filho.
Ele ressalta que os dados disponíveis não são suficientes para provar a relação entre o aumento do benefício e a perda de participação dos trabalhadores com faixa de renda mais baixa, mas indica que os recebedores estão bem representados nesse grupo que está saindo da força de trabalho.
Para o especialista em pobreza e desigualdade e diretor do FGV Social, Marcelo Neri, há evidências que comprovam o aumento de salário por anos de estudo e de nível de formação na base da força de trabalho, onde estão os beneficiários do Bolsa Família. “Mas ainda faltam evidências que tratam de um aumento da taxa de participação desses grupos. Seria preciso estudar os efeitos que tiveram esses benefícios mais generosos.”
“Outro aspecto importante para ressaltar é que os grupos de menor escolaridade e de menores salários são os que estão mais vulneráveis, em ocupações mais frágeis e com maior risco de demissão. Acabam saindo do mercado de trabalho”, diz Barbosa Filho.
DOUGLAS GAVRAS / Folhapress