RIO DE JANEIRO, RJ (FOLHAPRESS) – Com o possível impacto da pandemia, o percentual de crianças e adolescentes de 5 a 17 anos em situação de trabalho infantil no Brasil aumentou de 4,5% em 2019 para 4,9% em 2022, indicou nesta quarta-feira (20) o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística).
Em termos absolutos, o número de pessoas dessa faixa etária que desenvolviam atividades consideradas perigosas ou prejudiciais para o seu desenvolvimento subiu de cerca de 1,8 milhão para 1,9 milhão no período. O contingente teve alta de 7%.
Os resultados sinalizam uma reversão da tendência de queda do trabalho infantil no país. Essa redução era verificada antes da crise gerada pela pandemia da Covid-19.
Em 2016, ano inicial da série histórica do IBGE, o trabalho infantil atingia 5,2% da população de 5 a 17 anos. O percentual recuou a 4,9% em 2017, a 4,8% em 2018 e a 4,5% (mínima da série) em 2019.
Com as restrições à mobilidade na pandemia, o IBGE interrompeu a coleta dessas estatísticas em 2020 e 2021. A partir da retomada do levantamento, em 2022, a taxa avançou a 4,9%, o mesmo patamar de 2017.
Os dados integram um módulo da Pnad Contínua (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua). O levantamento segue parâmetros de instituições como a OIT (Organização Internacional do Trabalho) para definir o que é trabalho infantil.
Pelos critérios da pesquisa, uma criança ou um adolescente de 5 a 17 anos está em trabalho infantil quando realiza uma atividade econômica ou de autoconsumo (consumo próprio) que é perigosa ou prejudicial para sua saúde e seu desenvolvimento mental, físico, social ou moral, interferindo na sua escolarização.
Adriana Beringuy, coordenadora de pesquisas por amostra de domicílios do IBGE, disse que um possível fator por trás do aumento em 2022 é a crise econômica causada pela Covid-19.
“Durante a pandemia, pode ter aumentado a situação de vulnerabilidade de algumas famílias. Aquela conjuntura pode ter levado mais pessoas para o trabalho infantil”, afirmou a pesquisadora, que destacou a interrupção na tendência de queda de antes da Covid-19.
“Estamos falando de 2022, que é mais fora da pandemia, mas que ainda pode carregar algum efeito das condições adversas. A gente não sabe se lá em 2020 ou em 2021 o valor pode até ter ultrapassado os 4,9% que estamos verificando agora”, disse.
O grupo de 5 a 17 anos em trabalho infantil cresceu 7% em termos absolutos, de 2019 para 2022, mesmo com a redução da população total na mesma faixa etária.
Segundo a estimativa do IBGE, com o envelhecimento dos brasileiros, o número total de habitantes de 5 a 17 anos diminuiu 1,4% em igual período de 38,9 milhões para 38,4 milhões.
“A população como um todo [de 5 a 17 anos] mantém trajetória de queda, mas o mesmo não é observado para os trabalhadores infantis”, afirmou Beringuy.
Nem toda atividade laboral dos jovens é apontada como trabalho infantil. Há diferenças de acordo com as faixas de idade.
Conforme a legislação brasileira, é proibida qualquer forma de trabalho até os 13 anos, diz o IBGE. Dos 14 aos 15 anos, há autorização na condição de aprendiz, que deve contribuir para a formação dos jovens.
Dos 16 aos 17 anos, o trabalho é permitido com carteira assinada e proibição a jornadas noturnas, insalubres e perigosas, acrescenta o instituto.
Pelas estimativas do órgão, do total de 38,4 milhões de crianças e adolescentes de 5 a 17 anos, 2,1 milhões exerciam atividades econômicas ou de autoconsumo em 2022. Desses 2,1 milhões, 1,9 milhão estavam em situação caracterizada como trabalho infantil, ou seja, eram alvo de diferentes ameaças.
As atividades econômicas envolvem funções diversas em setores variados. Já as de autoconsumo englobam quatro conjuntos específicos: cultivo, pesca, caça e criação de animais; produção de carvão, corte ou coleta de lenha, palha ou outro material; fabricação de calçados, roupas, móveis, cerâmicas, alimentos ou outros produtos; e construção de prédios, cômodos, poços ou outras obras de construção.
756 MIL ESTÃO NAS PIORES FORMAS DE TRABALHO INFANTIL
Em 2022, aponta o IBGE, o país tinha 756 mil crianças e adolescentes de 5 a 17 anos exercendo as piores formas de trabalho infantil, isto é, que envolviam maiores riscos de acidentes ou que eram prejudiciais à saúde. Trata-se de atividades descritas na chamada lista TIP (trabalho infantil perigoso).
Em 2019, ano anterior do levantamento, o número de crianças e adolescentes nas piores formas de trabalho infantil era menor, estimado pelo IBGE em 701 mil.
Operação de tratores e máquinas agrícolas, processo produtivo de fumo, algodão e cana-de-açúcar e aplicação de agrotóxicos são exemplos de atividades que constam na lista TIP.
Conforme o IBGE, mais da metade da população em trabalho infantil (52,5% ou 988 mil) tinha 16 ou 17 anos em 2022.
A maior parcela das crianças e dos adolescentes de 5 a 17 anos nessa condição (40,6%) enfrentava jornadas de trabalho de até 14 horas por semana. Porém, com o avanço da idade, é possível observar crescimento no percentual suscetível a cargas mais extensas, segundo o instituto.
Sinal disso é que 32,4% dos adolescentes de 16 e 17 anos em trabalho infantil tinham jornadas de 40 horas ou mais por semana. Considerando o grupo de 5 a 17 anos exposto a essa condição, a parcela inserida em jornadas de 40 horas ou mais era de 20,5%.
NEGROS SÃO 66,3% DA POPULAÇÃO EM TRABALHO INFANTIL
Os dados do IBGE mostram que a população em trabalho infantil tinha predomínio de pretos ou pardos. Em 2022, eles representavam 66,3% do grupo de 5 a 17 anos exposto a essa situação. O percentual superou a proporção de pretos ou pardos na população como um todo da mesma faixa etária (58,8%).
Entre os brancos, o quadro era diferente. Eles representavam 33% do grupo de crianças e adolescentes em trabalho infantil. A taxa foi inferior à participação dos brancos na população total de 5 a 17 anos (40,3%).
As estatísticas também indicam predomínio masculino no trabalho infantil. Em 2022, os homens eram 65,1% da população nessa situação. A parcela das mulheres estava em 34,9%.
Entre as crianças e os adolescentes em trabalho infantil, 87,9% eram estudantes em 2022. O resultado ficou abaixo da participação dos alunos na população total de 5 a 17 anos (97,1%).
No grupo em trabalho infantil, a fatia de 12,1% não estava na escola. O percentual foi superior ao verificado na população total de 5 a 17 anos (2,9%).
“A gente percebe que o trabalho infantil tem predomínio masculino. Também há uma predominância de pessoas pretas ou pardas, e parte dessas crianças acaba perdendo a condição de estudante”, disse Beringuy.
O período de 2019 a 2022, comparado pelo IBGE, abrange o início e o fim do governo Jair Bolsonaro (PL). No primeiro ano de mandato, Bolsonaro chegou a dizer que não foi prejudicado “em nada” ao trabalhar na infância.
“Olha só, trabalhando com nove, dez anos de idade na fazenda, não fui prejudicado em nada. Quando um moleque de nove, dez anos vai trabalhar em algum lugar, tá cheio de gente aí ‘trabalho escravo, não sei o quê, trabalho infantil’. Agora, quando tá fumando um paralelepípedo de crack, ninguém fala nada”, afirmou em 2019.
“O trabalho não atrapalha a vida de ninguém. Fique tranquilo que não vou apresentar nenhum projeto para descriminalizar o trabalho infantil porque eu seria massacrado”, disse à época.
Conforme o IBGE, o rendimento médio mensal das crianças e dos adolescentes em trabalho infantil foi de R$ 716 em 2022. Para o grupo que não estava nessa situação, o valor subia a R$ 906, afirma o IBGE.
LEONARDO VIECELI / Folhapress