Tradicionalmente democrata, eleitorado judeu dos EUA pode ser decisivo em estados-pêndulo

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Não é surpresa que Kamala Harris venha liderando as intenções de voto entre os judeus americanos nas eleições à Presidência dos Estados Unidos —a maioria deles apoia candidatos democratas para a Casa Branca de forma ininterrupta há literais cem anos, desde 1924.

Mas em um pleito tão disputado quanto o atual, em que a maioria das pesquisas aponta para empate técnico entre Kamala e seu rival republicano, Donald Trump, especialistas avaliam que esses votos podem ser decisivos, em especial em estados considerados determinantes para a corrida, como Arizona, Michigan e Pensilvânia.

O último, por exemplo, abriga cerca de 300 mil eleitores judeus. Joe Biden ganhou de Trump lá por bem menos votos do que isso, 81.660, em 2020.

Professor na Universidade da Flórida, Kenneth D. Wald diz que algumas hipóteses explicam a preferência histórica desse eleitorado pelo Partido Democrata. Uma delas é a de que haveria uma conexão entre o liberalismo político defendido pela legenda e a doutrina religiosa judaica. Outra é de que o passado de discriminação e perseguição sofrido pela comunidade faria com que ela se identificasse com grupos minoritários oprimidos, bandeira tradicionalmente democrata.

Por fim, ele cita a separação entre religião e cidadania advogada pela sigla. “Os judeus que chegaram aos EUA não encontraram quase nenhum obstáculo para se tornarem cidadãos, e seu objetivo político implícito tem sido sustentar isso”, diz o pesquisador.

A importância desse eleitorado no país vai além dos números. Embora os judeus representem apenas 2,4% dos habitantes dos EUA, ou 7,6 milhões de pessoas —no Brasil, eles são cerca de 110 mil, ou 0,06% da população, segundo o Censo de 2010—, a maior parte deles vive em estados com grandes números de delegados do Colégio Eleitoral, como Califórnia, Flórida e Nova York.

Também costumam ter perfis associados a maiores níveis de participação política, como alta escolaridade e mais idade. Por vezes são descritos como “super eleitores”, registrando altos níveis de comparecimento às urnas.

A predominância do voto democrata entre os eleitores judeus deve se manter neste pleito. Levantamento mais recente do Jewish Democratic Council of America, publicado em setembro, por exemplo, mostrava Kamala com 68% das intenções de voto nesse grupo, contra 25% de Trump.

O cenário geopolítico particular representado pela guerra entre Israel e o grupo terrorista Hamas na Faixa de Gaza pode, no entanto, representar uma vantagem para um ou outro candidato. Não, como talvez se esperasse, em razão do grau de apoio a Tel Aviv expresso pelos presidenciáveis em suas respectivas campanhas, bastante similar. E sim devido à sensação de crescente antissemitismo observada pelos judeus americanos desde o início do conflito.

Wald afirma que comentários de Trump nesse sentido ao longo deste ano o distanciaram ainda mais desse eleitorado. O republicano, que adotou estratégias de política externa e de retórica alinhadas à ultradireita israelense quando presidente, afirmou por exemplo que os judeus americanos que apoiam os democratas deveriam se submeter a exames psicológicos.

Ainda disse que sua eventual derrota nas urnas poderia ser creditada ao grupo. “O que ele está fazendo na prática é pôr um alvo nas costas de cada eleitor judeu”, diz o professor.

Asher Lubotzky, pesquisador da Universidade de Houston, no Texas, é outro que afirma que declarações do tipo certamente alienaram o ex-presidente desse segmento.

Por outro lado, ele aponta que as respostas mais agressivas de Trump às manifestações pró-Palestina que se espalharam pelos campi universitários no primeiro semestre em comparação com aquelas de Biden e de Kamala podem tê-lo ajudado a se aproximar de parte dele.

Afinal, episódios como ataques a instituições judaicas americanas e cartazes com mensagens de apoio ao Hamas vistos nesses atos aumentaram consideravelmente a sensação de vulnerabilidade entre os judeus do país, afirma.

“O que é bastante único com esta guerra é que não se trata apenas de uma questão de política externa. Ela é também um problema doméstico para muitos judeus americanos”, afirma Lubotzky.

CLARA BALBI / Folhapress

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