Tráfico de drogas avança na Amazônia e impulsiona violência e desmatamento

BELÉM, PA (FOLHAPRESS) – Facções de tráfico de drogas do Brasil, como o PCC (Primeiro Comando da Capital) e o CV (Comando Vermelho), e do exterior têm usado territórios indígenas e quilombolas em suas atividades criminosas e mudado a rotina em algumas dessas comunidades na Amazônia.

O narcotráfico é apontado como motor de desmatamento na floresta. As informações são de pesquisadores e de investigações das polícias e do Ministério Público em estados da região.

Outro dano é ambiental. Relatório da ONU (Organização das Nações Unidas) publicado em junho trouxe, pela primeira vez, um recorte regional que aponta a expansão de atividades ilegais do crime organizado na Amazônia para grilagem, garimpo, extração de madeira e pesca.

Essa mudança amplia as disputas de facções, antes relacionadas apenas ao controle de rotas de circulação de cocaína e skunk (tipo mais potente de maconha). Como precisam estabelecer o controle e a segurança de territórios, as facções também passam a controlar comunidades e os recursos naturais, degradando o ambiente.

No Pará, segundo dados da Promotoria estadual, os membros registrados no Comando Vermelho já passaram de 23 mil, com um crescimento de cerca de mil novos faccionados por ano. O número não reflete o tamanho atual, já que a morte ou a saída de um integrante não apaga seu número de registro.

“Esse cadastro está ligado à manutenção da estrutura e sua retroalimentação financeira. A organização usa esse cadastro para cobrar dos integrantes o que chamam de caixinha”, afirmou o promotor Bruno Rodrigues, do Gaeco (Grupo de Atuação Especial no Combate ao Crime Organizado) do Ministério Público paraense. As informações foram apresentadas em evento do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, em junho.

O CV atua na chamada Rota do Solimões —uma das 900 indicadas no estudo da ONU —para escoar droga vinda de Peru, Bolívia e Colômbia pelos rios do Amazonas até portos como o de Vila do Conde, em Barcarena (PA). De lá, é enviada para o mercado europeu.

A atividade tem crescido, assim como as apreensões: de janeiro a junho deste ano, segundo a Secretaria de Segurança Pública e Defesa Social do Pará, foram 4,6 toneladas de drogas apreendidas, a maioria cocaína e skunk. O número supera toda a apreensão no ano passado, de 3,2 toneladas.

O PCC, por outro lado, tem mais controle sobre Roraima e Rondônia. No segundo estado, a facção tem adotado uma postura de trazer grupos regionais para sua órbita de influência e permitir sua operação, segundo Marcos Alan Ferreira, pesquisador da Universidade Federal da Paraíba.

“Essas facções vão precisar controlar o território, e aí temos terras indígenas e territórios quilombolas, aos quais elas vão impor suas regras para fazer a droga circular.” Para Ferreira, que estuda a internacionalização do tráfico, a medida chega a controlar festas populares e vigiar o cotidiano dos locais para criar uma governança local.

Como o Amazonas ainda tem áreas de difícil acesso e sem presença forte do Estado, as facções disputam essas atividades e também usam as comunidades para se esconderem das autoridades.

Também na fronteira, o Ministério Público do Acre tem visto essa atuação das facções crescer, com impacto na cultura dos povos originários. “Nessa dinâmica de consolidar corredores logísticos, tem corredor de tráfico passando dentro de terra indígena”, afirma Bernardo Albano, coordenador do Gaeco do órgão.

“Tradicionalmente temos a figura do cacique, do tuxaua, que aplica disciplina e as regras tradicionais. E chega um ‘frente’ da facção como segunda figura, ou mesmo desafiando essa autoridade”, afirma o promotor, que tem visto um aumento na cooptação de indígenas para o trabalho no crime.

“As facções entram nos territórios a partir de centros urbanos. Comunidades quilombolas e terras indígenas passam a ser lugar de refúgio, com estradas precárias e muita floresta. E aí começam a criar uma série de efeitos sobre essas comunidades”, afirma o geógrafo Aiala Colares Couto, pesquisador da Universidade do Estado do Pará e do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.

O medo da violência obrigou, segundo Aiala, uma comunidade quilombola de Barcarena, no Pará, a instalar um portão para controle de entrada e saída do local. Em outro território ainda na área da cidade, uma facção já grilou e vendeu terras.

Ele aponta que ainda falta uma estratégia que lide com a questão do crime organizado priorizando alternativas para as comunidades afetadas. “Para que não seja uma questão de guerra às drogas, que legitime violências contra indígenas e quilombolas, que são vitimados há muito tempo.”

Relatório da Rede de Observatórios de Segurança aponta que parte dos crimes cometidos contra esses grupos no Pará, de 2017 a 2022, envolve o roubo de terras. As 474 ocorrências registradas no período deixaram 47 mortos e 25 perderam suas terras.

O foco atual de investigações, diz Albano, é a expansão de facções como o Comando Vermelho na floresta, em territórios tradicionalmente dominados por grupos locais, como o Bonde dos 13, no Acre, e o PCC.

“Essa expansão acontece em praticamente todos os estados da Amazônia. Temos percebido que vai em direção às zonas de produção de folha de coca, principalmente no Peru. Antes, era uma busca por domínio logístico. Agora, pelo ciclo completo, com produção, transporte e distribuição.”

A expansão dos últimos anos se reflete nos números das investigações. A Promotoria do Acre denunciou 1.002 suspeitos de integrarem facções criminosas em 2021. O número foi a 401 em 2022 e, de janeiro a maio deste ano, somou 243 pessoas.

O repórter viajou a convite do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.

LUCAS LACERDA / Folhapress

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