SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – A ecoansiedade ou ansiedade climática é caracterizada pelo sentimento de angústia com impactos do aquecimento global e eventos extremos. Em meio à tragédia causada pelas fortes chuvas no Rio Grande do Sul, esse medo fica ainda mais evidente.
É o caso do professor do ensino médio Felipe Nobrega, 37. Morador do município de Rio Grande, no sul do estado, ele diz que o desespero e a angústia por uma tragédia ambiental passaram a fazer parte do dia a dia.
O docente lembra que há dois anos a cidade já havia emitido alerta de fortes chuvas.
“A gente ficou em casa esperando. No fim, não foi tão ruim, mas a sensação de que poderia acontecer alguma tragédia foi de uma ansiedade que estagna seu dia, acaba com a capacidade de raciocinar e do bom senso”, recorda Nobrega.
Neste ano, com a tragédia no estado, ele tornou a sentir sintomas em decorrência da ansiedade climática.
“Nunca sabemos o dia de amanhã, vivemos com uma sensação de que está tudo suspenso”, diz ele, que tem dificuldade de retomar tarefas cotidianas diante do cenário de desespero. “É um dia que parece escorrer pelas mãos.”
Para ele, o Rio Grande do Sul vivencia a ansiedade em diferentes etapas. Isso porque quando o nível do lago Guaíba, em Porto Alegre, começou a baixar, isso significa que a água escoou para a lagoa dos Patos, que permeia cidades como Rio Grande.
“Enquanto a gente sabe que lá [capital gaúcha] está resolvendo, aqui acentua nosso pesadelo. Isso mobiliza uma cidade que nem está vivendo ainda”, afirma Felipe.
Na avaliação dele, a sociedade precisará ser curada da tragédia para conseguir voltar a trabalhar. “Nem sabemos como vamos encontrar os alunos. Agora, o Rio Grande do Sul é outro estado. Quanto isso vai impactar não sabemos, mas não podemos fugir desse enfrentamento.”
A pior sensação atualmente, segundo ele, “é ver o tempo se armando”. “Como vou exigir que um aluno fique focado quando começarem as trovoadas?”
O estudante de publicidade João Smich, 25, conhecia o termo ansiedade climática há um tempo, entretanto não tinha sentido na pele a angústia em decorrência de tragédias climáticas até as fortes chuvas do Rio Grande do Sul.
Natural de Porto Alegre, ele reconhece que está em uma condição de privilégio em comparação à população que precisou recorrer a abrigos. O prédio em que mora foi atingido, mas não seu apartamento.
O estudante diz que, quando conseguiu voltar para casa e pegar algumas coisas, se espantou com o cheiro forte. Além da casa, outra preocupação é com seu gato. “Meu gato está estressado com esse processo de ter saído da casa dele, ele está roco de miar tão alto.”
Quando a capital voltou a registrar fortes chuvas na semana passada e pontos que não foram atingidas na primeira leva passaram a registrar enchentes, ele afirma que começou a se estressar novamente com a possibilidade de ter de deixar a cidade. “O sentimento de desespero é algo bem coletivo que tenho visto.”
O termo ecoansiedade ou ansiedade climática já é usado desde os anos 1990 por psicólogos. O termo apareceu em um relatório divulgado pela Associação Americana de Psicologia em 2017 e foi incluído no dicionário Oxford no final de outubro de 2021.
Apesar disso, é refutado por alguns e comumente tratado com certa ironia nas redes sociais.
A doutora em psicologia Karen Scavacini diz acreditar que o termo é uma realidade. “É uma pauta que precisa ser tratada com todas as ferramentas, a ansiedade climática é real. Quando conversamos com crianças e jovens sobre esse tema, isso gera ansiedade.”
Os desastres, de acordo com ela, deixa as pessoas afetadas por eles em situação de alerta.
Karen é fundadora do Instituto Vita Alere de Prevenção e Posvenção do Suicídio e criadora do Mapa da Saúde Mental. Ela elaborou uma cartilha sobre saúde mental e desastres climáticos que será lançada nesta segunda (3).
O material alerta para a importância do cuidado com a saúde mental da população afetada pelas chuvas do Sul. O objetivo é contribuir para o bem-estar e cuidados de saúde mental em comunidades afetadas por situações de emergência e desastres com estratégias na prevenção do suicídio nesse contexto.
A psicóloga diz que ainda não é possível falar em pós-desastre, porém as questões de saúde mental vão ficar cada vezes mais complexas e, caso não seja realizado um investimento na saúde mental da população, é possível que seja registrado um aumento no número de casos de suicídio.
De acordo com Scavacini, estudos apontam que é esperado um aumento no registro de suicídios até dois anos após um desastre. Por isso, é necessária atenção do poder público neste momento. “Se as pessoas tiverem apoio adequado, será possível mitigar as questões de saúde mental.”
A psicóloga Flavia e Silva, que vive em Porto Alegre e é diretora associada da Associação Brasileira do Trauma, lembra que trabalhou após o incêndio da boate Kiss, que aconteceu em 2013 e deixou 242 pessoas mortas e 636 feridas.
Hoje, a associação oferece um serviço para atender as pessoas que estão cuidando dos afetados pelas chuvas. “É uma fase inicial, estamos vivendo uma maratona com obstáculos.”
Em relação as diferenças entre a tragédia do incêndio com a atual, ela afirma que no desastre natural fica evidente o horror direcionado a uma força natural. “O barulho de chuva já causa alerta nas pessoas.”
ISABELLA MENON / Folhapress