Tragédia do RS gera maior evacuação de casas no Brasil em 3 décadas

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – A tragédia socioclimática que atinge o Rio Grande do Sul é a pior do país considerando o número de pessoas que precisaram deixar suas casas.

Análise da Folha agrupou todos os desastres relacionados à chuva, inundações, seca, vendavais e outros eventos naturais por estação do ano desde 1991, início da série histórica do governo federal.

O estado gaúcho contabilizou 537.380 desalojados neste sábado (11), o maior número já registrado no país, de acordo com o Atlas Digital de Desastres no Brasil, que tem dados consolidados até 2022, e informações preliminares do Sistema Integrado de Informações Sobre Desastres (S2iD) para 2023. Ambas as bases são do Ministério da Integração e do Desenvolvimento Regional.

Os registros foram agregados por estado e o recorte por estação foi escolhido pois os eventos climáticos costumam se estender por municípios próximos ao longo de dias de meses diferentes.

Além disso, os dados da pasta, notificados pela Defesa Civil dos estados, consolidam os danos causados na data de início da tragédia no município, sem estipular a data de término da mesma.

Desalojados são as pessoas que precisam deixar suas casas, mas não precisaram recorrer a abrigos públicos, caso dos desabrigados. Nas duas definições, a inundação no Rio Grande do Sul atinge marcas históricas.

Ao todo, 618 mil pessoas estão em uma dessas situações no estado —soma dos 537 mil desalojados com 81 mil desabrigados.

Até então, o maior número de desalojamentos havia sido verificado em Santa Catarina, no inverno de 2011, com 219 mil pessoas, por causa das fortes chuvas que atingiram o estado. Os municípios mais atingidos foram Blumenau e Itajaí, com 135 mil pessoas que deixaram suas casas.

Em terceiro lugar, aparecem municípios do Maranhão, em outono de 2009, com 163.112 desalojados afetados por enchentes, especialmente nas cidades de Bacabal, Pedreiras e Trizidela do Vale.

O estado enfrenta fortes chuvas desde fevereiro. Na quinta-feira (9), 30 municípios maranhenses decretaram situação de emergência, os desalojados eram 2.909 e desabrigados 1.031.

Os dados da série histórica mostram que 7,79 milhões de pessoas ficaram desalojadas e mais de 2,1 milhões desabrigadas no Brasil por conta de tragédias nas últimas três décadas.

No Rio Grande do Sul, 81.043 pessoas precisaram recorrer a abrigos até este sábado. É o pior quadro na análise por estações do ano na série histórica, ultrapassando o Amazonas, que contou 69.526 desabrigados no outono de 2013 devido ao período de cheias no sistema Negro, Solimões e Amazonas. Na época, foram 198 dias de enchentes, segundo relatório do Serviço Geológico do Brasil.

Antes da catástrofe atual, as maiores evacuações no Rio Grande do Sul também foram causadas, em sua maioria, por fenômenos hidrológicos, como chuvas, enchentes e inundações.

Em termos de desalojados, o pior registro no estado havia ocorrido na primavera de 2009, com 81 mil pessoas, após a passagem de um ciclone extratropical. Os municípios de Tramandaí e Rolante somaram 17 mil desalojados.

O maior número de desabrigados até então havia sido identificado no outono de 2011, com mais de 15 mil pessoas. A maior parte foi no município de São Lourenço do Sul, no dia 10 de março, em uma das maiores enchentes vistas no local.

Em 2023, os números altos de desabrigados e desalojados permearam por três estações por conta das enchentes nos rios Uruguai, Taquari e no lago Guaíba.

Na primavera, pior estação naquele ano, foram mais de 65 mil desalojados e 8.600 desabrigados. Os municípios de Eldorado do Sul e Taquara foram os mais atingidos pelas cheias entre novembro e dezembro, com 8.500 pessoas sem abrigo.

Durante o outono, quase 55 mil pessoas foram desalojadas e 3.000 desabrigadas durante as cheias. São Leopoldo e Taquara tiveram as ruas invadidas com o transbordamento do Rio dos Sinos, que deixou 34 mil desalojados.

No inverno, 33 mil pessoas também ficaram sem alojamento e 7.000 foram obrigados a procurar abrigo. Enchentes no rio Taquari obrigaram 11 mil pessoas a deixar suas casas nos municípios de Arroio do Meio e Lajeado.

O padrão de chuva difere de acordo com a região do país. No Sudeste, o maior volume de precipitações ocorre no verão, enquanto no Nordeste, se concentra no outono e no inverno. Já no Sul, ocorre com maior frequência na primavera e no outono, as chamadas de estações de transição, explica o climatologista José Marengo, meteorologista e coordenador-geral de Pesquisa e Desenvolvimento do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden).

“As mudanças climáticas estão mais claras nas estações de transição. Você vê chuvas intensas na primavera que você esperaria no verão, como também dias muito frios em maio, quando você esperaria em junho ou julho. A sazonalidade do clima continua, mas a intensidade dentro das sazonalidades está mudando”, diz.

Segundo Marengo, é preciso se preparar para o enfrentamento dos desastres diante da tendência de aumento de episódios de chuvas extremas, decorrentes do aquecimento global.

“Aqueles comportamentos no lago Guaíba eram dos anos 1970, só que a chuva aumentou em volume. Isso significa que as estruturas hidráulicas têm de ser repensadas e melhoradas, é preciso ter uma transformação das cidades. Uma tragédia desse porte é muito difícil de ver no Brasil, mas aconteceu e pode voltar a acontecer novamente”.

O Rio Grande do Sul não conhecia uma cheia tão forte desde 1941. Desde então, a população cresceu muito e também ocupou áreas de risco e mais propensas a inundações. Os investimentos em contenção não acompanharam esses movimentos. Além disso, a geografia do estado ajuda a propiciar cheias intensas em áreas planas e serranas, com solo de baixa capacidade de armazenamento.

“Nossa grande referência é a cheia de 1941, que levou 32 dias para descer abaixo da cota de inundação do Guaíba, que é de 3 metros. Isso significa que não podemos esperar baixar o rio para reestabelecer coisas básicas à população, tem que ser antes”, diz Rodrigo Paiva, do Instituto de Pesquisa Hidráulicas (IPH) da UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul).

Em estudo, Paiva detectou que a sensibilidade dos extremos geográficos às mudanças climáticas pode variar e, no caso do Sul, favorecer ainda mais as cheias.

Outra análise feita por cientistas de diferentes nacionalidades vinculados à iniciativa ClimaMeter comparou como eram os sistemas de baixa pressão na região semelhantes aos que atingiram o Rio Grande do Sul na última semana no final do século 20 (de 1979 a 2001) e como estão nas últimas décadas (de 2002 a 2023).

Eles afirmam que a chuvas de 30 de abril a 2 de maio no estado se tornaram mais intensas do que as do final do século 20 principalmente por causa do aquecimento global.

GÉSSICA BRANDINO, VITOR ANTONIO E PAULA SOPRANA / Folhapress

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