SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Trançar cabelos afro, sejam crespos ou cacheados, demanda técnica e tempo. Profissional que faz diferentes penteados utilizando ou não fibras sintéticas e orgânicas, a trancista não tem seu trabalho regulamentado na CLT (Consolidação das Leis Trabalhistas).
Com movimentos de valorização dos fios afro, profissionais da área e figuras políticas têm trabalhado em projetos de reconhecimento do ofício, como por exemplo a inclusão do Dia da Pessoa Trancista no calendário de eventos da cidade de São Paulo por meio de lei ordinária.
Há também iniciativas para alterações da própria CLT. A deputada federal Dandara Tonantzin (PT-MG) apresentou, em março, um PL (projeto de lei) para incluir o título de trancista na CBO (Classificação Brasileira de Ocupações), no subgrupo “trabalhadores nos serviços de embelezamento e cuidados pessoais”. A proposição quer conscientizar o mercado da beleza sobre a importância das tranças para a estética negra e garantir direitos trabalhistas, como normas reguladoras sobre saúde e Previdência.
Hoje, trancistas que querem formalizar sua atividade podem usar a ocupação de cabeleireiro. Apesar de se aproximarem em pontos como o cuidado com a autoestima e os fios dos clientes, as duas profissões se distanciam em questões práticas.
Trancistas não estão preocupadas em modificar permanentemente a estrutura do cabelo, já que, após a retirada do penteado, os fios voltam à forma original. Por isso, o tempo de estudo, as técnicas e os cursos profissionalizantes são diferentes.
Para a trancista Regiane Alexandre, porém, o curso de cabeleireiro profissional é importante para aprender a lidar com o cabelo. “É o único curso que ensina a lavar e a dividir o cabelo e fala sobre questões de saúde capilar”, afirma. Ela é fundadora do salão escola Juba Trançadeiras e aborda esses conhecimentos em suas aulas.
Regiane começou a trançar cabelos ainda criança para cuidar de si e das irmãs, pois o pai tinha deficiência visual. Ela aprendeu observando outras mulheres que faziam tranças em amigas.
Luane Bento, pesquisadora de relações raciais e doutora em ciências sociais pela PUC-RJ (Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro), diz que trançar não é apenas profissão, mas um símbolo de resistência contra o racismo.
“Numa sociedade como a brasileira, em que as pessoas são despedidas por usarem trança, isso já diz muito”, diz Luane.
O projeto de lei, por exemplo, afirma que os salões de beleza afro representam espaços fundamentais não apenas para o empreendedorismo de mulheres negras. Há também uma função social, porque amplificam a mensagem de desconstrução de estereótipos racistas, segundo o texto do PL .
O empreendedorismo pode ocorrer também por necessidade, o que faz com que muitas permaneçam na informalidade.
Beatriz Bernardes enfrentou dificuldades financeiras antes de abrir o seu próprio estúdio de beleza, chamado Honey, em 2017. Após aprender a trançar cabelo observando outras mulheres em salões especializados no centro de São Paulo, começou a empreender em casa, com poucos recursos, até alugar uma cadeira em outro salão.
Beatriz afirma que se sentiu discriminada por trabalhar com fios sintéticos. “Quando a gente fala de cabeleira, a gente imagina um salão. Quando a gente fala de trancista, a gente fala de atendimento em casa, em qualquer condição”, diz ela, que trabalha no ramo desde 2012. A profissional afirma que no começo cobrava R$ 180 em um trabalho que hoje custa entre R$ 400 e R$ 500.
Segundo o Pnad (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios) em 2023, a taxa de desemprego para mulheres negras entre 18 e 24 anos era de 18,3%, maior que o percentual registrado entre homens brancos (5,1%).
Além das taxas de desemprego, mulheres negras são maioria entre trabalhadores informais. No quarto trimestre de 2023, entre ocupadas com inserção informal no mercado de trabalho, 41% eram negras e 31% não negras.
Para Edson Luis Silverio, conhecido como Edson Beauty, professor do curso de trancistas oferecido pela Universidade Zumbi dos Palmares, a formalização ajudará também trancistas a se profissionalizarem e conhecerem mais sobre o cuidado com os cabelos.
“Ter conhecimento ajuda a derrubar uma série de estigmas de que a trança seria algo prejudicial”, afirma. A trancista bem preparada, ele diz, sabe o quanto pode tracionar o fio para que não prejudique a cliente e também pode indicar tratamentos para recuperar o cabelo antes ou depois do procedimento.
CATARINA FERREIRA E VITÓRIA MACEDO / Folhapress