‘Transe’ é bom filme político, que se perde em seu engajamento

(FOLHAPRESS) – Em 2018, pouco antes de Jair Bolsonaro ser eleito presidente da República, três jovens de classe média amam e tentam compreender o mundo. Quase de repente, descobrem que o Brasil está prestes a seguir um rumo inteiramente diverso daquele que poderiam suspeitar. Parece estar numa espécie de transe que reduplica a questão do entendimento do mundo.

De uma hora para outra, a questão central de suas vidas consiste em saber o que, afinal, acontece neste país que pode distanciá-lo de maneira radical daquilo que parecia inacreditável para a parte que, até uma semana atrás, imaginava saber o que o Brasil deveria fazer para chegar a um mundo igualitário, sem preconceitos etc.

Essa queda no mundo real instaurado pela extrema direita passa pelo assassinato de Marielle Franco tanto mais que o filme se passa no Rio de Janeiro, mas não fica por aí.

Em contraste com o desnorteamento desses jovens, o filme introduz, de tempos em tempos, uma seleta das atrocidades que irrompem da boca de Bolsonaro como se fossem pensamentos. Mas essas palavras um tanto repugnantes, e isso é o que mais surpreende os rapazes e moças do filme, cativa uma quantidade enorme de pessoas, o que sentem como absurdo.

Essa perplexidade de garotos e garotas não é tão diferente da que experimentou o conjunto da nação que se vê como esclarecida. No filme, a jovem Luísa, interpretada por Luisa Arraes, encontra um também jovem negro, amigo de infância, e, no entanto, disposto a votar em Bolsonaro.

E o que é pior, o rapaz tem seus argumentos, suas razões para esse voto. Luísa cai das nuvens (não foi a única no país). Os argumentos do rapaz não se articulam em nada ao discurso bolsonarista. É uma boa pessoa, ela argumenta. Resumindo, esse rapaz representa o pensamento de milhões de pessoas.

Até aí “Transe” é um belo filme, em que as autoras, Carolina Jabor e Anne Pinheiro Guimarães, conseguiram captar e transmitir esse sentimento de nada saber que tomou conta de uma classe social e intelectual que se acreditava, admitamos, a única a entender o país, o mundo, o universo e tudo mais. Eu, pelo menos, não tinha visto nada tão interessante no cinema político.

A partir daí, Luísa sobretudo se engaja com determinação na batalha eleitoral contra Bolsonaro. Ela sabe que é um engajamento sem esperança, em que as pessoas já estão com suas convicções formadas. Mas é também a partir daí que “Transe” perde um tanto do interesse. Ele até será renovado em alguns momentos, sobretudo pela introdução, em alguns momentos, de personagens reais (como o pastor Claudio, evangélico e antibolsonarista), mas o essencial de “Transe” terá ficado para trás.

O fecho pós-eleitoral troca o transe pelo triste, com a “Muito Romântico”, de Caetano Veloso, entoada quase como hino, ou algo assim, de uma resistência individual, talvez estéril, num momento em que nada é claro, mas berrada com sincera desafinação por Luísa.

No conjunto, um filme que, em vez de mostrar soluções, traz, a cada um, elementos para que busque decifrar o enigma extrema direita. A ver.

TRANSE

Avaliação Bom

Quando A partir de 2 de maio

Onde Nos cinemas

Classificação 16 anos

Elenco Johnny Massaro, Luisa Arraes e Ravel Andrade

Produção Brasil, 2022

Direção Anne Pinheiro Guimarães e Carolina Jabor

INÁCIO ARAUJO / Folhapress

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