BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – A elaboração de políticas de estímulo a setores específicos é útil para ajudar empresas em dificuldade e estabilizar a economia, mas está fora do núcleo da estratégia de desenvolvimento do governo, diz o secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda, Guilherme Mello.
Em entrevista à Folha, ele afirma não ter recebido até agora nenhuma encomenda ligada à ideia de baratear a compra de eletrodomésticos, citada publicamente pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) na esteira do programa para carros populares.
Mesmo que a discussão avance no governo, Mello ressalta que os planos anunciados até agora trouxeram aprimoramentos em relação a programas do passado muitos dos quais foram criticados por economistas pela baixa eficácia.
“Eventualmente, vai ter problemas em um setor ou outro, talvez tenha que agir para equilibrar e impedir uma perda maior, como no setor automobilístico, que emprega muita gente. Mas isso não é o núcleo da estratégia”, diz o secretário.
Segundo ele, o foco do Executivo está no plano de transformação ecológica, que terá seis eixos principais.
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P. – O governo vai revisar o PIB?
G.M. – Não posso antecipar [o número], mas vai ter uma revisão positiva, o PIB vai ser maior do que o projetado anteriormente, e a inflação, um pouco menor. As projeções de mercado apontam na mesma direção.
Na primeira divulgação, deixamos claro que tínhamos perspectiva de desaceleração do PIB, mas não tão forte quanto a maior parte do mercado estava cogitando. Nossas projeções têm se mostrado bastante realistas.
P. – Fala-se em alta de 2,4%.
G.M. – É o carregamento estatístico. Se o país crescer zero nos outros três trimestres, ainda assim o crescimento ao final do ano vai aparecer em 2,4%. Claro que tem fatores a considerar. A agricultura veio muito forte no primeiro trimestre, isso não deve se repetir. Mas nós achamos que vai ser um crescimento muito próximo de 2,5%, tanto para este ano quanto no próximo. Com uma questão: a composição tende a mudar.
Neste ano, o agro vai ter uma participação robusta no crescimento. Não quer dizer que não pode se repetir no ano que vem, mas é menos previsível. O que se tende a observar é um fortalecimento da demanda doméstica, com impacto sobre serviços e indústria.
P. – Por quê?
G.M. – Os indicadores de confiança já antecipam uma melhora, e todas as políticas implementadas até agora têm a característica de fortalecer o mercado doméstico.
Novo Bolsa Família, aumento do salário mínimo, correção na tabela de Imposto de Renda são medidas com enorme impacto sobre a renda das famílias. Desenrola e redução das taxas de juros longas, tudo isso é impacto sobre o mercado de crédito. E esperamos que isso venha junto com a redução da taxa de juros básica nas próximas decisões [do Banco Central]. Isso tem impacto decisivo.
Empresas e setores que dependem mais do mercado de crédito são os que hoje estão em maior dificuldade. O varejo, por exemplo, e o próprio setor automobilístico, que agora foi alvo de uma política pública.
P. – O presidente Lula citou a intenção de baratear os artigos da linha branca, como feito no setor automotivo.
G.M. – Foi uma fala do presidente, ainda não estamos demandados.
P. – Sempre paira o temor de repetir políticas do passado que não deram certo. Faz sentido reeditar a desoneração da linha branca?
G.M. – Vamos pegar o exemplo do setor automobilístico. É um plano de curto prazo, que tem valor e prazo determinados. Não repete o passado. É inovador e criativo. Primeiro, ao reservar parte maior dos recursos para caminhões e ônibus, com a ideia da substituição do antigo pelo novo, do poluente pelo mais sustentável. A forma de implementação também é diferente. Não é com isenção, é com utilização de crédito [tributário], com valor delimitado.
P. – É possível replicar o modelo na linha branca?
G.M. – Tudo é possível. Não sei o que vai ser construído, mas todas as políticas que estão voltando, sejam as bem-sucedidas, sejam as mais criticadas, estão voltando com aprimoramentos muito relevantes.
P. – A ex-presidente Dilma Rousseff disse em 2017 que se arrependia de ter feito tantas desonerações, que só elevaram o lucro de empresas e comprometeram as finanças públicas. Como evitar o mesmo desfecho?
G.M. – As políticas implementadas hoje têm um desenho, a meu ver, superior às políticas do passado. O próprio formato no caso dos carros garantiu que o desconto chegasse ao consumidor e incentivou uma concorrência entre as montadoras para que elas também oferecessem descontos. Esse é o coração da estratégia de desenvolvimento? É evidente que não. Temos reformas estruturais, uma agenda fiscal muito importante, uma agenda de desenvolvimento sustentável. Eventualmente, vai ter problemas em um setor ou outro, talvez tenha que agir para equilibrar e impedir uma perda maior, como no setor automobilístico, que emprega muita gente. Mas isso não é o núcleo da estratégia.
P. – Qual vai ser o foco do novo plano de investimentos?
G.M. – O novo programa vai fortalecer novamente o investimento público, com uma ênfase maior do que no passado para infraestrutura social e sustentável. No passado, se via a sustentabilidade como um custo. No último governo, como inimigo do país. Nós, como uma enorme oportunidade.
Temos uma estratégia de desenvolvimento em processo final de elaboração, que envolve a transformação ecológica. A SPE coordenou os debates sobre o mercado de carbono. O Tesouro está discutindo a emissão de títulos soberanos sustentáveis. Temos toda uma discussão de taxonomia, da definição do que é considerado sustentável. Tem os seis principais eixos desse plano de transformação ecológica.
P. – Quais são eles?
G.M. – Finanças sustentáveis, adensamento tecnológico, bioeconomia, transição energética, economia circular e nova infraestrutura verde e adaptação.
E a taxonomia, serve para quê?
G.M. – É uma espécie de dicionário que vai definir o que são práticas sustentáveis e o que não são. Tem uma importância enorme para evitar o chamado greenwashing [uma espécie de maquiagem verde]. Para não falar “sou sustentável, eu faço isso”, mas “isso” não é uma prática sustentável. Vai ter importância tanto no conjunto de incentivos para determinadas atividades quanto no que pode fazer para mitigar emissões.
P. – Vai ter um escopo claro do que é ou não é sustentável para direcionar recursos e políticas?
G.M. – Exatamente. É como um dicionário vivo, que vai se adaptando às novas práticas nos próximos tempos. Não é uma coisa escrita em pedra, que nunca mais vai mudar.
A Europa levou seis anos para fazer a taxonomia. A gente acha que em até dois anos consegue finalizar.
Estamos discutindo o volume de investimentos necessários para fazer a transformação ecológica, que é muito elevado. O Estado sozinho não consegue dar conta de resolver. Por isso, tem que criar a coordenação adequada entre o público e o privado.
P. – E os títulos verdes, quando serão lançados?
G.M. – O Brasil voltou para o mercado internacional com títulos tradicionais em dólar. O segundo passo é fazer a primeira emissão de títulos soberanos sustentáveis. A previsão é fazer isso em setembro.
P. – Como vai funcionar o mercado de crédito de carbono?
G.M. – Ele estabelece um limite de emissões, e todas as empresas que emitem mais que aquilo vão ser reguladas. Se emite acima da cota permitida, pode comprar crédito até um certo limite. E aí tem os voluntários. Às vezes o cara tem uma reserva ou alguma atividade sustentável, que captura carbono, ele pode vender créditos.
Quanto mais ele [o empresário] puder comprar de um não regulado, menos rígido é o negócio. Vai ter muita discussão [sobre a cota] daqui até a aprovação da lei.
P. – A Reforma Tributária foi aprovada na Câmara. Qual pode ser o impacto econômico?
G.M. – A nossa subsecretária de Política Fiscal, Débora Freire, fez um estudo antes da aprovação da reforma que indica um crescimento de no mínimo 12% em 15 anos. A gente vai ter que ver como fica a versão final da reforma.
P. – O secretário Bernard Appy disse à Folha que as exceções podem impactar a alíquota final. Elas também afetam o potencial de crescimento?
G.M. – Cada mudança pode ter impactos distributivos diferentes, é verdade, mas o potencial de aumentar o crescimento está muito consolidado na literatura. O grosso é [criar] um tributo de valor adicionado, que é não cumulativo e não tributa exportação e investimento. Isso faz uma diferença enorme.
P. – O sr. citou a importância da agenda fiscal. Está muito difícil arranjar as receitas para fechar o Orçamento de 2024?
G.M. – Temos as medidas adequadas de receita. Dado o texto [do arcabouço] que saiu do Senado, estamos bastante seguros e tranquilos de que será possível entregar um Orçamento com o desenho do novo regime fiscal e a meta de zerar o déficit primário no próximo ano.
P. – Quais serão as medidas?
G.M. – Vai ser anunciado quando o Planejamento divulgar [o Orçamento].
P. – O ministro falou em mandar junto o projeto do Imposto de Renda. Contam com essas receitas para fechar as contas?
G.M. – Elementos que serão incorporados na proposta do Imposto de Renda devem ajudar no processo de recuperação fiscal e fechar o Orçamento.
P. – Tipo a tributação de dividendos?
G.M. – Não vou antecipar. É uma discussão que vai ser anunciada.
P. – O sr. garante que ano que vem tem déficit zero?
G.M. – Garanto que o PLOA [projeto de Lei Orçamentária Anual] virá com as medidas necessárias para ter déficit zero. A execução disso sempre está sujeita De repente tem uma recessão, tudo muda.
P. – Economistas dizem que as metas são muito ambiciosas. Mexer na meta está fora de cogitação?
G.M. – Os nossos objetivos são ambiciosos. Uma das coisas que nos permite isso é o novo regime fiscal, que descriminaliza a política fiscal. Se fosse um crime [descumprir a meta], é muito mais difícil ser ambicioso.
RAIO-X – GUILHERME MELLO, 40
Graduado em Ciências Sociais pela USP e em Ciências Econômicas pela PUC-SP, é mestre em Economia Política e doutor em Ciência Econômica. Foi coordenador do Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Econômico do Instituto de Economia da Unicamp e é professor do instituto. Participou do núcleo econômico da campanha de Lula em 2022 e, desde janeiro de 2023, é secretário de Política Econômica no Ministério da Fazenda.
IDIANA TOMAZELLI E FÁBIO PUPO / Folhapress