BRASÍLIA, DF, E SALVADOR, BA (FOLHAPRESS) – Com função de fiscalizar os gastos de governo e prefeituras, os Tribunais de Contas do Estado e dos Municípios da Bahia têm em seus quadros ao menos 16 familiares de políticos –deputados, senadores e ex-governadores– e até dos próprios conselheiros.
Os principais grupos políticos baianos têm representantes nas cortes, dos ex-governadores petistas Jaques Wagner e Rui Costa até o deputado federal Elmar Nascimento (União Brasil), candidato à presidência da Câmara. Os salários dos nomeados para cargos comissionados variam de R$ 22 mil a R$ 33,6 mil.
O levantamento teve como base os registros de servidores do TCE (Tribunal de Contas do Estado) e TCM (Tribunal de Contas dos Municípios) -no estado, os dois órgãos são independentes, cada qual com os seus conselheiros e funcionários.
Em geral, são escolhidos como conselheiros deputados em fim de carreira e quadros técnicos indicados por deputados. Em alguns casos, a decisão foge à regra -em 2023, foi escolhida como conselheira do TCM a enfermeira Aline Peixoto, esposa do ministro da Casa Civil, Rui Costa.
A escolha teve o aval do governador Jerônimo Rodrigues (PT), cujo sogro foi nomeado em abril de 2023 para exercer o cargo de assessor da presidência da corte. A nomeação do delegado aposentado João Velloso, 86, foi revelada pela Folha de S. Paulo -ele foi exonerado duas semanas depois.
Aline Peixoto convidou para o seu gabinete Everli de Almeida, esposa do deputado estadual Robinson Almeida (PT). O deputado informou que a nomeação foi uma escolha pessoal e técnica da conselheira, sem qualquer influência dele. Afirmou ainda que ela é pós-graduada em gestão pública e tem mais de 20 anos de experiência profissional.
O conselheiro Nelson Pelegrino, que foi deputado federal pelo PT entre 1998 e 2021, nomeou parentes dos dois ex-governadores baianos: Naiane Almeida Peixoto, cunhada do ministro Rui Costa e irmã da conselheira Aline, e Matheus Wagner, filho de Jaques Wagner, hoje líder do governo Lula (PT) no Senado.
O senador petista tem outros parentes nos tribunais: a filha Monica Wagner ocupa um cargo no TCE desde 2015. A nora Fernanda Guimarães Wagner foi nomeada para o TCE em abril de 2024.
Até julho de 2023, ocupava um cargo no mesmo órgão outra nora do senador: Bonnie Toaldo Bonilha, esposa do enteado de Wagner e atual secretário estadual de Meio Ambiente, Eduardo Mendonça Sodré Martins.
Em nota, Jaques Wagner informou que as nomeações aconteceram de forma pública e respeitando todos os critérios de transparência. Destacou ainda que eles foram convidados para os cargos por méritos próprios, por seus currículos e por terem qualificação técnica para exercer as funções.
A nora Fernanda Guimarães foi nomeada no gabinete do conselheiro Paulo Rangel, deputado estadual escolhido para o cargo em março deste ano após articulação liderada pelo próprio Wagner.
Rangel, que quando deputado presidiu uma comissão favorável à extinção do TCM, também nomeou para seu gabinete Emelli Galo, filha de Marcelino Galo (PT), suplente que ocupou sua vaga na Assembleia. O deputado foi procurado e não se manifestou.
O senador Otto Alencar (PSD), que foi conselheiro do TCM até retornar à política partidária em 2010, como vice de Jaques Wagner, tem uma sobrinha, uma nora e já teve uma filha nomeada na corte.
Estão nomeadas Roberta Penedo, sobrinha de Otto e esposa do conselheiro do TCE Gildásio Penedo, e Renata Alencar, nora do senador e esposa do deputado federal Otto Alencar Filho (PSD).
A filha do senador, Isadora Alencar, também ocupou um cargo no TCE e deixou o posto em janeiro deste ano. Procurado, o senador informou que não iria se manifestar.
Políticos de oposição ao PT da Bahia também foram contemplados com cargos comissionados no TCE da Bahia. Ocupam cargos na corte Luciana Nascimento, esposa de Elmar Nascimento, Iris Azi, esposa de Paulo Azi, e Rafaella Lomanto, irmã de Leur Lomanto.
Os três são deputados federais pela União Brasil, partido que nacionalmente faz parte da base do governo Lula, mas na Bahia é liderado por ACM Neto, principal nome da oposição ao governo baiano.
Elmar afirmou que sua esposa “sempre ocupou cargos comissionados por mérito próprio nos governos do PT”, enquanto ele era líder da oposição na Assembleia Legislativa, “sendo requisitada pelo seu desempenho, para ocupar cargo no Tribunal de Contas do Estado”. Luciana é concursada do governo estadual.
Lomanto disse que sua irmã exerce o cargo “há muitos anos, por competência própria”. Azi não se manifestou.
Completam a lista de familiares que trabalham ou trabalharam no TCE-BA Renata Hirs, filha do desembargador Mario Hirs, e Renilda de Souza, filha do ex-deputado Osvaldo Souza e uma das líderes do movimento Invasão Zero, que atua contra invasões de terra na Bahia. Renilda informou que não faz mais parte dos quadros do TCE. O desembargador não respondeu.
O TCE-BA afirmou que “nomeia seus servidores obedecendo aos princípios da Administração Pública e a todos os requisitos estabelecidos na legislação pertinente à contratação de servidores em cargos ou funções comissionadas.”
Três conselheiros do TCE-BA têm familiares no TCM-BA. São elas Vania Araújo, esposa do conselheiro Isnaldo Paixão, Thayana Bonfim, nora do conselheiro João Bonfim, e Juliana de Albuquerque, irmã do conselheiro Gildásio Penedo.
O TCM informou que “o parentesco com políticos não é fator impeditivo” para ocupar cargos em nenhuma instituição pública. Disse ainda todos os profissionais são qualificados, com formação acadêmica, cumprem carga horária estabelecida e executam suas tarefas com responsabilidade e eficiência
O nepotismo no setor público é vedado pela súmula vinculante 13, do STF (Supremo Tribunal Federal), de 2008. Ela proíbe que autoridades dos três Poderes nomeiem parentes até terceiro grau, vedação que também atinge casos de nepotismo cruzado, quando as autoridades nomeiam familiares um do outro.
A decisão, em tese, não alcança os casos dos tribunais de contas da Bahia, já que os funcionários não têm relação de parentesco com as pessoas que fizeram a nomeação. Tampouco consistiram em nepotismo cruzado, já que não houve reciprocidade nas nomeações.
LUCAS MARCHESINI E JOÃO PEDRO PITOMBO / Folhapress