Tributar super-ricos não é punir quem contribui para o desenvolvimento, diz economista

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – A criação de um imposto mínimo global de 2% do patrimônio dos super-ricos é vista como uma iniciativa modesta pela economista Nathalie Beghin, que esteve na semana passada com o ministro Fernando Haddad (Fazenda) para entregar uma proposta que visa utilizar o sistema tributário para financiar as agendas dos direitos humanos e da transição energética.

O documento elaborado por cerca de 40 entidades da sociedade civil quer tirar esse debate da esfera da OCDE, grupo que reúne os países mais desenvolvidos, e trazê-lo para um órgão das Nações Unidas, que já teve sua criação aprovada no final de 2023. Seria uma espécie de COP (Conferência entre as Partes, na tradução para o português) da tributação.

Para iniciar as discussões, são listadas seis propostas, entre elas, o imposto mínimo global sobre super-ricos, um imposto sobre transações financeiras e tributos multilaterais para financiar a justiça climática, ambiental e social nos países mais pobres.

“A proposta de taxar os super-ricos é válida, mas a gente quer mais”, afirma Beghin, que integra o Colegiado de Gestão do Inesc (Instituto de Estudos Socioeconômicos), um dos signatários da proposta que será levada por Haddad aos ministros de finanças do G20.

O documento não traz números, mas ela afirma que a ideia de um imposto de 2% não redistribui riqueza e que seria necessário chegar a um patamar próximo de 10%.

Em entrevista à Folha de S.Paulo, Beghin afirma ainda que a discussão de tributar os super-ricos em âmbito internacional deve ajudar o Brasil a rever a isenção na distribuição de dividendos.

“A gente não quer punir quem contribui para o crescimento e desenvolvimento do nosso país. Não se trata disso, mas [queremos] que essas pessoas paguem o que os outros pagam.”

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ENCONTRO COM HADDAD

“No começo do ano, o Ministério da Fazenda nos procurou dizendo que há uma recomendação do governo Lula de participação social nas discussões sobre tributação. A Trilha de Finanças [grupo de trabalho do G20] não tinha esse hábito, e eles estavam interessados em receber propostas da sociedade. Temos um grupo global de organizações que trabalham com o tema fiscal e tributário. Convocamos uma reunião. Temos críticas ao G20. É melhor que o G7, mas continua sendo 20 de 200 países. Mas achamos que seria importante apresentar nossas propostas. Especialmente reafirmar uma demanda que é fortalecer as Nações Unidas no debate da tributação em detrimento da OCDE.”

COP DA TRIBUTAÇÃO

“O lugar legítimo para discutir tributação são as Nações Unidas, onde pelo menos teoricamente todo mundo está em pé de igualdade. A OCDE vem há uns dez anos discutindo cooperação tributária, mas são acordos que não favorecem os países do Sul. Dizem, até o governo brasileiro diz, que é melhor o que a OCDE tem do que nada. Mas para nós é inaceitável, porque quem ganha de novo são os mais ricos. Você faz regras para te privilegiar.

A Convenção 4 foi criada no final do ano passado, por muita pressão dos africanos, porque os países do Sul não se sentem representados na OCDE. Conseguiram à revelia dos países ricos, que comeram mosca.

Por enquanto, a resistência dos países ricos à COP da tributação é muito grande, porque eles não querem perder o que eles conquistaram na OCDE, que é manter seus privilégios. Vamos pressionar para ver se eles concordam em ceder um pouco. Tem que ceder. Não tem como mudar as desigualdades se não cederem.”

QUEM PAGA A CONTA

“A tributação precisa ter fim, e o fim precisa ser os direitos humanos e a agenda climática. Temos seis propostas concretas, que é taxar os super-ricos, taxar transações financeiras, ter múltiplas taxas com algum destino para os países do Sul, taxar de uma maneira que o comércio privilegie os países do Sul, e criar aquela grande base de dados para intercâmbio de informações, o registro mundial de ativos.

A crise climática está aí. Estamos vendo as graves consequências com o que está acontecendo no Rio Grande do Sul. Faltam recursos para implementar políticas efetivas, tanto de transição energética quanto de adaptação. Alguém tem de pagar essa conta, e não tem dinheiro. Então temos de cobrar quem não paga.

Imposto sobre super-ricos

Tudo o que permite que os sistemas tributários sejam mais progressivos é muito válido. A proposta de taxar os super-ricos é válida, mas a gente quer mais. O que nós defendemos? O imposto sobre a riqueza vai ser um imposto sobre a renda. Você tem 100 milhões de patrimônio, vai calcular o imposto desses 100 milhões. Se você já pagou [o equivalente] a 2% [do patrimônio] de imposto de renda, não vai ser tributado. Mas com 2% você não redistribui riqueza. Tem que ser mais.

O cálculo que o [Gabriel] Zucman faz com 2%, dá [US$] 250 bilhões em um ano. Eu tenho a sensação que a partir de 8% você começa a redistribuir. Os muito ricos, para pagar essa conta, vão ter que se desfazer dos seus ativos. É isso que a gente quer.”

INFLUÊNCIA SOBRE O BRASIL

“A discussão de tributar os super-ricos em âmbito internacional vai nos ajudar internamente. Tem um dado que foi apresentado no nosso evento. Os cinco bilionários mais ricos no Brasil têm uma renda que é isenta, de dividendos das suas empresas. Se eles pagassem 24%, que é a média de imposto europeu, a gente teria o equivalente a um ano de programação de alimentação escolar. Está ficando constrangedor esses absurdos. Estamos nos organizando para desencadear uma campanha pressionando para tributar os super-ricos no Brasil.

Ninguém gosta de pagar imposto. É lugar-comum dizer que o Brasil taxa muito etc. Mas estou falando de cinco bilionários no Brasil que ganharam [R$] 22 bilhões em dividendos e pagaram zero de imposto. É outro patamar essa conversa. Não é você, não sou eu. É isso que a gente tem que mostrar. Não é demonizá-los. Eles não estão fazendo nada de ilegal. Estão cumprindo a lei, mas essa lei não está certa. Eles precisam contribuir também. A gente não quer punir quem contribui para o crescimento e desenvolvimento do nosso país. Não se trata disso, mas que essas pessoas paguem o que os outros pagam. É o mínimo. Como dizia o [Warren] Buffett, ‘eu pago menos imposto que minha secretária’. Não tem cabimento nisso.”

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RAIO-X

Nathalie Beghin, 61. É economista (Universidade Livre de Bruxelas), com doutorado em Políticas Sociais (Universidade de Brasília). Atuou como assessora do presidente do Instituto Nacional de Alimentação e Nutrição (Inan), do Ministério da Saúde. Foi pesquisadora do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) nas áreas de pobreza, fome, segurança alimentar e nutricional e ação social das empresas. Integra o Colegiado de Gestão do Inesc (Instituto de Estudos Socioeconômicos).

EDUARDO CUCOLO / Folhapress

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