SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – A lei que muda as regras de funcionamento do Carf (Conselho Administrativo de Recursos Fazendários), recriando o voto de desempate por um representante da União, representa um meio-termo no embate entre governo e contribuintes sobre o tema para destravar os julgamentos de recursos contra autuações da Receita Federal.
Os vetos ao projeto, que foi sancionado pelo vice-presidente Geraldo Alckmin (PSB) nesta quinta-feira (21), no entanto, são alvo de críticas por parte de tributaristas e empresas.
Em nota, o Ministério da Fazenda afirma que foram feitos vetos de trechos que extrapolavam os entendimentos firmados ao longo da tramitação da proposta no Legislativo e que o texto publicado preserva os acordos firmados com OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), setor empresarial e Congresso.
Livia Germano, ex-conselheira do Carf e responsável pela área tributária do escritório Barros Pimentel, Alcantara Gil e Rodriguez Advogados, afirma que as mudanças são positivas, pois o contribuinte que vê seu caso empatado passa a estar em situação diferenciada, podendo pagar ou discutir o tributo sem a aplicação de penalidades.
Ela diz, no entanto, que vários dispositivos vetados representavam incentivo à conformidade tributária, como a redução das penalidades e facilitação de garantias para bons contribuintes.
“O importante é a gente ter o Carf voltando a julgar. Mas perdeu-se uma grande oportunidade de fazer com que a fiscalização da Receita Federal entre nesse racional de conformidade”, afirma a advogada. “O incentivo é: brigue, porque reduzir a multa na autuação ninguém quer.”
Maria Rita Ferragut, sócia e líder da área tributária do Trench Rossi Watanabe, destaca o veto à mudança na lei que permite a execução antecipada de garantia quando há uma decisão de primeira instância desfavorável ao contribuinte, em vez de se aguardar até o final do processo (trânsito em julgado).
“Causou muita estranheza [o veto], porque não caminha com o discurso de se privilegiar e apoiar o bom contribuinte em uma situação de compliance e transparência, de incremento de economia, de apoio aos bons pagadores”, afirma a advogada.
Rafael Mallmann, sócio do TozziniFreire Advogados, também aponta a questão da liquidação das garantias como principal destaque negativo para os contribuintes em relação aos vetos. Esse benefício foi mantido apenas para quem perde o julgamento no Carf pelo voto de qualidade, caso queira discutir posteriormente a questão no Judiciário.
“Isso acabou caindo para todos os outros contribuintes. Essa medida de liquidação antecipada de uma garantia se transforma muitas vezes em um elemento de pressão”, afirma.
“Na parte do Carf, era o que todo mundo estava aguardando, o resultado de uma negociação. A gente chega ao meio-termo.”
Diana Piatti Lobo, sócia da área Tributária do Machado Meyer Advogados, afirma que, entre as medidas vetadas que poderiam ter sido mantidas, para melhorar o ambiente de litigância, estão a vedação da liquidação antecipada de garantias e o cancelamento de multas superiores a 100% e a revogação da multa agravada, aplicada nos casos de embaraço à fiscalização, por exemplo.
“O Congresso Nacional ainda terá a oportunidade de rejeitar os vetos, retornando os dispositivos conforme a redação original. Espera-se ao menos a rejeição do veto quanto à liquidação de garantias e redução dos patamares de multas”, afirma.
A Abrasca (Associação Brasileira das Companhias Abertas) lamentou os vetos e disse que o Congresso Nacional melhorou o projeto, com dispositivos que “iriam promover uma verdadeira reforma no contencioso tributário do país”, após um longo debate legislativo.
“As melhorias vetadas reduziam o custo com garantias para contribuintes, criavam critérios objetivos para a aplicação de multas pela Receita Federal e estabeleciam penalidades em linha com as práticas internacionais”, afirma a entidade.
“Após tantos meses de diálogo na busca de consensos e acordos, os vetos representam uma frustração para as companhias abertas e o mercado de capitais como um todo.”
PRINCIPAIS MUDANÇAS NOS CASOS DE EMPATE NOS JULGAMENTOS DO CARF
Exclusão de multas e cancelamento de representação fiscal para fins penais;
Exclusão de juros de mora em caso de manifestação para pagamento pelo contribuinte no prazo de 90 dias, que poderá ser parcelado em até 12 prestações mensais;
Possibilidade de utilização de créditos de prejuízo fiscal e de base de cálculo negativa da CSLL (Contribuição Social sobre o Lucro Líquido);
Não incidência do encargo legal em caso de inscrição em dívida ativa da União;
Emissão de certidão de regularidade fiscal no curso do prazo de 90 dias para manifestação do contribuinte para pagamento do tributo devido;
Possibilidade de uso de precatórios para amortização ou liquidação do débito remanescente;
Ampliação da capacidade de negociação da Fazenda Nacional no âmbito dos acordos de transação tributária, com a possibilidade de oferta de propostas mais vantajosas para os contribuintes;
e Dispensa de oferecimento de garantia pelo devedor para discussão judicial dos créditos abrangidos pela decisão, desde que tenha capacidade de pagamento.
OUTRAS MUDANÇAS PREVISTAS NA NOVA LEI
**Retorno do voto de qualidade no Carf:** Em caso de empate entre os oito julgadores, o resultado que prevalece é o voto do presidente da Turma, que é sempre um representante do governo
**Graduação da multa qualificada:** Para todos os casos, não apenas para voto de qualidade, a multa aplicável em caso de sonegação, fraude ou conluio passa a ser de 100% em regra (antes era 150%), sendo de 150% apenas em caso de reincidência
**Alterações no julgamento de processos administrativos:** Possibilidade de sustentação oral por representante do contribuinte nas Delegacias de Julgamento da Receita (1ª instância);
As súmulas do Carf passam a ser obrigatórias para a DRJ Foram estabelecidos os critérios e benefícios para uma política de incentivo à conformidade tributária, com incentivo à regularização.
_Fontes: Barros Pimentel, Alcantara Gil e Rodriguez Advogados, Ministério da Fazenda e Cassio Sztokfisz, sócio do escritório Schneider Pugliese Advogados_
EDUARDO CUCOLO / Folhapress