Troca de ameaças marca reunião do Conselho de Segurança da ONU sobre Oriente Médio

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – A reunião em caráter de emergência do Conselho de Segurança sobre a escalada do conflito no Oriente Médio convocada para esta quarta-feira (2) foi marcada por trocas de ameaças generalizadas entre as nações envolvidas na controvérsia e seus apoiadores —sobretudo os Estados Unidos, aliado histórico de Israel. Não está claro se os países-membros chegarão a uma resolução consensual, mas as chances são baixas.

Os encontros ocorrem um dia depois de o Irã realizar um amplo bombardeio a Israel —uma resposta do regime de Teerã aos avanços de Tel Aviv contra o seu aliado Hezbollah no Líbano. O Estado judeu aumentou a intensidade de seus ataques contra a facção nas duas últimas semanas, em ações que culminaram com a morte do líder do grupo e, mais recentemente, em uma invasão por terra do território controlado pelo Hezbollah no sul libanês.

“Deixe-me ser clara”, disse a embaixadora dos EUA na ONU, Linda Thomas-Greenfield, em seu discurso. “O regime iraniano será responsabilizado por suas ações. E advertimos fortemente o Ir㠗e seus intermediários— a não agir contra os Estados Unidos ou realizar novos ataques contra Israel”, prosseguiu ela, acrescentando que o conselho deveria punir Teerã de forma severa por suas ações. Os intermediários são, no caso, grupos como o Hamas e o Hezbollah, ambos financiados pelo regime dos aiatolás.

Danny Danon, embaixador israelense nas Nações Unidas, também reiterou a ameaça. “Israel vai se defender. Nós vamos agir. E posso assegurar a vocês que as consequências que o Irã enfrentará por suas ações serão muito maiores do que ele jamais imaginaria”, disse.

O representante iraniano, Amir Saied Iravani, por sua vez, afirmou que o bombardeio da véspera tinha como objetivo “restaurar o equilíbrio” no Oriente Médio. Antes da sessão, o país havia enviado ao Conselho uma carta em que recorria ao argumento da autodefesa para justificar a ofensiva.

“O Irã está totalmente preparado para, se necessário, tomar medidas defensivas adicionais de modo a proteger seus interesses legítimos e defender sua integridade territorial e soberania contra quaisquer agressões militares e usos de força ilegais”, declarou.

Enquanto Washington apoiou Israel no conselho, a Rússia elogiou o que chamou de “contenção excepcional” do Irã nos últimos mísseis. Vassili Nebenzia, embaixador de Moscou, afirmou que o ataque contra Israel não podia ser entendido em um vácuo, “como se nada estivesse acontecendo —e nada tivesse acontecido— no Líbano, em Gaza, na Síria, no Iêmen.”

As trocas de ameaças simbolizam a dificuldade da ONU e de outros órgãos internacionais para mediar conflitos.

Mais cedo, a reunião de um outro fórum multilateral, o G7, também havia jogado luz sobre as discordâncias entre algumas das principais lideranças globais, ainda que em nível bem mais restrito —apesar de altamente influente devido ao poderio econômico de seus membros, que juntos têm 43% do PIB mundial, ele é um fórum informal, e sua atuação se restringe aos campos político e econômico.

O colegiado, presidido temporariamente pela Itália, afirmou em nota que “um conflito regional não é interesse de ninguém” e que “uma solução diplomática ainda é possível”.

A contradição veio poucas horas depois, quando os EUA —que compõem o grupo ao lado de Canadá, França, Alemanha, Itália, Japão e Reino Unido— reforçaram a posição bem menos apaziguadora no Conselho de Segurança.

Pouco depois do discurso de Thomas-Greenfield, aliás, o presidente Joe Biden disse a repórteres que todos os países-membros do G7 tinham concordado que os israelenses “têm o direito de retaliar e devem fazê-lo de maneira proporcional”, algo que não tinha sido mencionado no comunicado oficial —vale notar que uma das principais críticas a Tel Aviv acerca de sua condução da guerra em Gaza é desproporcionalidade. O americano negou, porém, apoiar um ataque israelense a instalações nucleares do Irã ao ser questionado diretamente sobre o assunto.

Parte da explicação para a dificuldade dos países chegarem a acordos nesses organismos tem origem na governança deles. O Conselho de Segurança, por exemplo, tem a capacidade de ordenar tréguas e enviar forças de manutenção de paz. É bem mais do que os demais fóruns da ONU, cujas diretivas são meras recomendações aos seus países-membros.

A questão é que, do total de 15 membros do conselho, os cinco que são membros permanentes e têm poder de veto estão em lados diferentes na atual disputa pela hegemonia mundial —EUA, França e Reino Unido, em um extremo, e China e Rússia, em outro.

Assim, enquanto Washington, na prática, blinda Israel de qualquer medida mais dura que possa melindrar o aliado histórico, Moscou e Pequim tendem a vetar resoluções contrárias a seus interesses.

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) voltou, aliás, a criticar a inação do órgão na terça-feira (1º). Questionado sobre a repatriação de brasileiros que estão no Líbano em meio aos bombardeios de Israel ao país, ele disse ser inexplicável que a entidade multilateral seja incapaz de convencer o Estado judeu a “conversar em vez de só saber matar”.

A falta de avanços do Conselho talvez tenha encontrado sua melhor tradução no discurso do secretário-geral da ONU, António Guterres, durante a sessão. Algumas de suas falas foram praticamente idênticas ao comunicado que ele tinha publicado na terça, logo após o bombardeio de Israel pelo Irã.

A diferença foi que, nesta quarta, ele mencionou diretamente Teerã ao condenar a escalada da guerra, o que não tinha feito na nota. O deslize levou o chanceler israelense, Israel Katz, a declarar Guterres “persona non grata” no país —Lula recebeu a mesma classificação em fevereiro, depois de comparar a morte de palestinos na guerra Israel-Hamas ao Holocausto nazista.

Questionado sobre a ação do diplomata, o porta-voz da ONU, Stephane Dujarric, minimizou a medida, afirmando que ela era “só mais um ataque, digamos, que o governo de Israel realiza contra quem trabalha da ONU”. Ele acrescentou que, na visão da entidade, rótulos do tipo não se aplicam a seus funcionários.

CLARA BALBI / Folhapress

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