Trump encurrala Biden em debate tenso na Geórgia

ATLANTA, EUA, E SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Os candidatos à Presidência dos Estados Unidos Joe Biden e Donald Trump se enfrentaram nesta quinta-feira (27) no primeiro e provável único debate da campanha eleitoral deste ano, um evento que pode ser decisivo em uma campanha acirrada.

Em um debate tenso, Trump encurralou Biden de maneira enérgica em temas-chave para o eleitorado americano, como imigração, guerras nas quais os EUA se envolveram nos últimos anos, a gestão da pandemia de coronavírus e o aborto.

O resultado do confronto para Biden, que começou o debate com a voz já rouca e apresentou uma performance vacilante e confusa em muitos momentos, pode mudar radicalmente o cenário das eleições.

Diversos veículos da imprensa americana relataram que a reação do Partido Democrata à performance de Biden no debate foi de pânico. Um estrategista ouvido pela NBC News disse que o presidente “reafirmou tudo que os eleitores já percebiam” e que Biden não tem como vencer as eleições.

Analistas não ligados à sigla, por sua vez, pressionaram os democratas logo após o fim do debate, dizendo que ainda há tempo até a convenção do Partido que vai definir oficialmente Biden como o candidato à Casa Branca para que mudem de ideia.

Com isso, deve crescer uma possibilidade que, até aqui, não estava no horizonte político do país: uma corrida para nomes viáveis que possam substituir o presidente.

O debate começou com uma pergunta direcionada a Biden sobre inflação, a que o presidente respondeu dizendo que os dados econômicos melhoraram sob sua gestão. Ele completou admitindo que “há mais que pode ser feito”. Durante o confronto, a Casa Branca confirmou que Biden estava gripado.

Nas suas primeiras falas, Trump defendeu sua gestão da pandemia, dizendo que entregou a economia a Biden em perfeito estado, e frisou que, sob seu comando, o país “não estava em guerra”, uma referência aos conflitos na Ucrânia e entre Israel e o Hamas na Faixa de Gaza.

Sobre aborto, tema que move o eleitorado depois que a Suprema Corte com maioria conservadora indicada por Trump revogou o procedimento a a nível nacional, o republicano defendeu que os estados tenham autonomia para decidir a regulamentação do aborto e disse que defende exceções para estupro, incesto e risco de vida da mãe.

A posição do republicano não é novidade, mas Trump tem evitado se posicionar sobre uma eventual lei sobre o tema em âmbito federal —conservadores americanos defendem uma proibição nacional. Joe Biden prometeu que, se reeleito, vai restaurar o direito constitucional ao aborto. No entanto, uma medida do tipo depende de aprovação do Congresso, não apenas da Casa Branca.

Durante o debate, Biden, 81, concretizou em diversos momentos um terror democrata: se embananou para dar respostas, parecendo não conseguir lembrar que palavra queria usar. A falha reforça a visão do eleitorado de que ele está velho demais para ser presidente, e em dado momento Trump, 78, aproveitou a deixa, dizendo que “nem ele [Biden] sabe o que quis dizer”.

Trump também seguiu seu protocolo habitual de acusações contra imigrantes. Afirmou que pessoas que entraram ilegalmente no país estariam estuprando e matando mulheres. Casos de crimes cujos suspeitos são de origem imigrante estão sendo explorados por republicanos, mas não há evidências de que a criminalidade teria aumentado em razão do crescimento de fluxo de imigrantes. Biden disse que resolveria o problema com mais investimento em policiais de fronteira.

O presidente rebatou as afirmações infundadas de Trump sobre um aumento da criminalidade associado a imigrantes. O democrata aproveitou sua réplica para acusar Trump de chamar veteranos de guerra americanos de perdedores.

“Você é o perdedor”, disse Biden. Trump, por sua vez, negou veementemente ter feito essa declaração.

Quando o debate se voltou para política externa, Trump afirmou que Biden encorajou a invasão do país pela Rússia após o fracasso da retirada de tropas americanas do Afeganistão durante o governo democrata e disse que nem a invasão de Vladimir Putin nem o ataque do Hamas a Israel teriam acontecido se ele ainda fosse o presidente.

Trump chamou também o presidente ucraniano, Volodimir Zelenski, de “o maior negociador da história”, porque “sempre que ele vem aqui [aos EUA] ele sai com US$ 16 bilhões”.

Questionado diretamente sobre a crise na Faixa de Gaza, Biden frisou que seu plano de paz é apoiado por grande parte da comunidade internacional. “Nós salvamos Israel”, disse o presidente, mas, diante da pressão que sofre de sua própria base, disse que é preciso ter cuidado com os armamentos e seu potencial impacto sobre civis, mencionando que impediu a entrega de um carregamento de bombas por receio de que seriam usadas cidades densamente povoadas como Rafah.

Ao reagir às falas de Trump sobre política externa, entretanto, Biden confundiu diversas vezes os nomes do republicano e de Putin.

Em seguida, o debate se voltou para a invasão do Capitólio em Washington em 6 de janeiro de 2021. Questionado sobre o ataque, Trump deu uma resposta claramente ensaiada, falando que na data “tínhamos uma fronteira excelente, os menores impostos, éramos respeitados no mundo”.

Pressionado pelo apresentador Jake Tapper, Trump disse que não incentivou a invasão, que havia afirmado a seus apoiadores agirem pacificamente, e culpou a ex-presidente da Câmara, a democrata Nancy Pelosi, e a prefeitura democrata de Washington.

Outro ponto vulnerável para Trump, sua condenação na Justiça no caso em que foi acusado de fraude financeira para pagar uma atriz pornô, apareceu logo antes do primeiro intervalo, quando Biden relembrou o caso e disse que o republicano teve relações sexuais com Stormy Daniels enquanto era casado. Trump respondeu de forma categórica: “Eu nunca transei com uma estrela pornô”.

O republicano repetiu o discurso que tem feito há meses, de que as 34 acusações, pelas quais foi condenado, não procedem e que o processo é fruto de uma suposta perseguição política que sofreria de democratas.

Na volta da curta pausa, a discussão se voltou para a desigualdade entre negros e brancos. Biden fez uma longa lista de ações adotadas durante seu mandato voltados à população negra, mas a resposta não foi incisiva.

Trump, por sua vez, usou mais uma vez a imigração como um bode expiatório, afirmando, contra as estatísticas, que há menos empregos para americanos por causa do fluxo na fronteira —a mesma explicação que usou quando questionado sobre a corrosão da rede de segurança social no país, atribuindo supostos problemas na Previdência Social a imigrantes, uma afirmação que também não é sustentada pelos dados. Biden disse que resolveria o problema aumentando impostos para os super-ricos.

Em dado momento, rebatendo as várias falas de Trump afirmando que a posição de Washington no mundo está enfraquecida, Biden disse que os EUA tem as melhores Forças Armadas da história da humanidade, e que “ninguém acha que nós somos uma piada”.

Quando saiu do tema da imigração, Trump, que em muitos momentos conduziu a temperatura e o ritmo do debate, o republicano disse que libertaria com facilidade o jornalista americano Evan Gerchkovitch, preso pela Rússia e acusado de espionagem pelo governo de Vladimir Putin.

Em um dos momentos mais confusos do debate, Trump provocou Biden, dizendo que gostaria de vê-lo fazer um teste cognitivo, e que ele próprio, Trump, realizou dois e foi aprovado. Ao responder, o democrata criticou o peso de Trump, e disse que joga golfe melhor do que o republicano —é o esporte preferido do ex-presidente. Como resposta, Trump disse: “não sejamos crianças”, e Biden retrucou: “você é uma criança”.

A apresentadora Dana Bash perguntou a Trump diretamente se ele respeitaria de forma pacífica o resultado das eleições, independente de seu desfecho. O ex-presidente tentou fugir da pergunta, mas respondeu que sim, se o pleito for “justo e correto”, aventando novamente, sem provas, a possibilidade que as eleições de 2020 foram fraudadas.

“Ele é um chorão. Ele não aguenta derrota”, comentou Biden em seguida.

Na sua fala final, Biden preferiu não pressionar Trump na questão dos ataques à democracia e reiterou feitos econômicos da sua gestão, falando sobre planos de expandir o acesso ao sistema de saúde. Trump, que se pronunciou por último, responsabilizou Biden pelas guerras ao redor do mundo, dizendo que o presidente é fraco, e voltou a dizer que a economia está em frangalhos e que países se aproveitam de Washington. Por fim, o republicano disse que ele tornará o país grande novamente —ecoando seu slogan “Make America Great Again”.

O debate foi organizado pela emissora americana CNN e acontece na universidade Georgia Tech em Atlanta, capital da Geórgia, onde Trump venceu Hillary Clinton em 2016 e perdeu para Biden em 2020 —e onde responde a um processo criminal por tentar reverter o resultado da eleição no estado. Hoje, de acordo com pesquisas eleitorais, o ex-presidente lidera no estado e supera Biden por quatro pontos percentuais.

Pelas regras do debate, o confronto aconteceu sem plateia no estúdio, e os microfones só estavam ligados quando era a vez de cada candidato falar, o que não deixou espaço para interrupções.

O encontro tem potencial para mudar uma corrida acirrada, mas que no momento favorece Trump, que lidera em outros cinco estados-chave: Nevada, Arizona, Michigan, Pensilvânia e Carolina do Norte. Em um sexto, Wisconsin, o republicano e o democrata estão empatados.

FERNANDA PERRIN E VICTOR LACOMBE / Folhapress

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