WASHINGTON, EUA (FOLHAPRESS) – A postura que Donald Trump vem adotando após a tentativa de assassinato sofrida no sábado (13) pode ajudá-lo a projetar uma imagem mais moderada e levar mais eleitores simpáticos a ele às urnas em novembro.
Essa é a visão de Alexander Keyssar, autor de “O Direito ao Voto: A História Contestada da Democracia nos EUA” e professor de Harvard.
Em entrevista à Folha, ele afirma temer que apoiadores extremistas do ex-presidente possam mirar democratas, e acha provável novos episódios de violência até a eleição e, especialmente, após o pleito, a depender da reação do lado derrotado.
O cenário de extremismo, no entanto, está longe de ser um ponto fora da curva na história americana, diz Keyssar. Hoje, ele atribui o problema ao trumpismo, alimentado por um temor racial de parte da população branca, e uma Suprema Corte conservadora.
Somados, o resultado é uma erosão da confiança das instituições democráticas. “Resta a força e violência”, diz.
*
*Folha – Qual vai ser o impacto do ataque sobre a campanha de Trump?*
*Alexander Keyssa -* Não sei se terá um grande efeito. Acho que isso lhe dará uma maior capacidade de se apresentar como uma vítima e um mártir e, ao mesmo tempo, como um sobrevivente sobre-humano. ‘Eles tentam me atingir, mas ainda estou aqui, ergo o punho’ etc. Isso vai contribuir para a persona que ele já estabeleceu. E acho que isso pode lhe dar um pouco mais de abertura para parecer mais moderado e pedir união, como ele já tem feito.
*Folha – O sr. ficou surpreso com o pedido de união feito por Trump?*
*Alexander Keyssa -* Sim, fiquei surpreso, mas na verdade é um passo astuto. Basicamente, os democratas estavam todos pedindo unidade. Biden estava pedindo unidade. Acho que as pessoas ao redor de Trump, que parecem estar bastante alertas agora, percebem que, como ele já parece estar à frente, retratá-lo como alguém que não causará grandes danos e ódio é uma vantagem para eles.
Um medo que tenho é que o ataque crie imitadores visando os democratas entre alguns dos apoiadores radicais de Trump. Não precisa ser muitas pessoas, pode ser apenas três. E há muitas armas por aí.
*Folha – Trump pode se tornar mais atraente para eleitores independentes agora?*
*Alexander Keyssa -* Certamente, não vai converter ninguém que vai votar em Biden. Não acho que vai mudar a opinião de muitos independentes, quem quer que seja que ainda não tenha decidido. Acho que o resultado mais provável é que isso vai energizar e talvez aumentar a participação de pessoas que já eram apoiadores moderados de Trump, mas que poderiam não ter comparecido. E provavelmente aumentará sua arrecadação de fundos, como tudo parece fazer.
*Folha – Como o ataque pode afetar o debate sobre a saída de Biden da corrida?*
*Alexander Keyssa -* Biden parece cada vez mais determinado a permanecer. Ele tem parecido muito bem nos últimos dias, em eventos de campanha e em suas aparições públicas. Por outro lado, os descontentamentos não estão desaparecendo.
Mas realmente não sei como isso vai afetar. Poderia argumentar também que isso coloca mais atenção em Trump, e então isso se torna mais um argumento para escolher alguém que eles acham que é mais provável derrotar Trump. Ao mesmo tempo, nas últimas 48 horas, Biden tem criticado muito mais Trump em seus eventos de campanha e mostrando que pode fazer isso. Então, honestamente, não sei como isso vai se desenrolar. Neste momento, está parecendo mais que Biden continuará sendo o candidato, o que eu não pensava que era o caso há uma semana.
*Folha – Há medo de mais violência política até novembro, e mesmo depois da eleição, a depender do resultado. Como a democracia americana chegou a esse ponto?*
*Alexander Keyssa -* Essa é uma grande questão. Por um lado, apesar do que os políticos têm dito, a violência política tem uma longa tradição nos Estados Unidos. Já tivemos presidentes que foram assassinados, e tivemos presidentes que quase foram assassinados tão recentemente quanto Reagan. Segundo relatos, o número de conspirações de assassinato descobertas contra Obama era muito grande. Tivemos uma guerra civil que foi muito sangrenta. Então, não é como se a violência política estivesse fora do mainstream da política americana.
Em relação a como acabamos na nossa crise agora, acho que o núcleo disso tem a ver com etnia e raça. É o medo por parte de algumas pessoas brancas, ou talvez muitas pessoas brancas, de que este não seja mais seu país, o país que esperavam que continuasse sendo. Acho que isso é uma resposta à aquisição de algum poder político por afro-americanos desde a década de 1960 e ao tremendo crescimento na imigração. Acho que está no coração disso.
E então temos o problema de que nossas instituições foram projetadas para um país de algumas milhões de pessoas no final do século 18, antes da Revolução Industrial. Elas não são projetadas para uma sociedade moderna. Temos sido capazes, na maior parte do tempo no nosso passado, de adaptar nossas instituições através do que se poderia chamar de interpretações realistas ou progressistas da Constituição pela Suprema Corte. Mas esta Suprema Corte atual está revertendo tudo isso.
Acho que o efeito cumulativo do trumpismo e do Maga-ismo com essa questão étnica e da Suprema Corte é minar a confiança nas instituições. Se você mina a confiança nas eleições, e você não vê mais as eleições como a maneira de mudar de regime, o que resta? Resta a violência. Quero dizer, a virtude da democracia é que permite a troca de governos pacificamente. E se você mina essas instituições, resta a força e a violência.
*Folha – Acha que teremos mais episódios violentos?*
*Alexander Keyssa -* Eu diria que é mais provável que sim. Sim. E obviamente pode piorar muito depois de novembro.
FERNANDA PERRIN / Folhapress