SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – A eleição de Donald Trump para a Presidência dos Estados Unidos levou ações, títulos do Tesouro americano, dólar e criptomoedas a se valorizar, em um movimento que tem sido chamado de “Trump trade”. Nele, investidores do mundo todo se antecipam a possíveis efeitos do novo mandato do republicano sobre a economia americana e global, reorganizando suas carteiras e apostando, principalmente, em ativos dos EUA.
Segundo especialistas, a tendência é que a política econômica de Trump, que promete medidas como a maior tarifação de importados, gere uma maior inflação nos EUA, o que levaria a taxas de juros maiores no mundo todo. Esse movimento beneficiaria ativos de renda fixa e ligados ao dólar.
“É um governo que vem com força total. Não poderíamos imaginar um contexto mais favorável para Trump. A renda fixa nos EUA continua atrativa nesse contexto”, diz Danilo Igliori, economista-chefe da Nomad.
Os principais ativos de renda fixa americanos são os treasuries (títulos do Tesouro dos EUA), considerados o investimento mais seguro do mundo. Eles se assemelham aos títulos públicos brasileiros: seu preço e remuneração também variam diariamente, acompanhando os movimentos do mercado financeiro.
Neste atual ciclo de queda de juros, os títulos de curto prazo estão mais rentáveis do que os de longo prazo. Os treasuries com vencimento em um mês e em dois meses estão com juros de 4,70% e de 4,69%, respectivamente, em termos anualizados. Já os de 10 anos e de 30 anos estão a 4,30% e a 4,47%.
“Neste cenário de inflação mais elevada e incerteza acerca dos rumos da política monetária, o mercado deve demonstrar uma posição cada vez mais defensiva, dobrando a aposta nos treasuries de longo prazo como forma de se proteger de eventuais turbulências ao longo dos próximos períodos”, diz Matheus Pizzani, economista da CM Capital.
Atualmente, a taxa de juros dos EUA está no patamar de 4,75%, e a expectativa é que caia para 4% em julho do ano que vem, um nível ainda elevado para o padrão histórico americano.
“Investir no mercado americano é sempre uma boa opção, seja do ponto de vista da rentabilidade, seja como segurança para o patrimônio das pessoas”, diz Pizzani.
Segundo o economista, os treasuries de longo prazo devem ser os mais beneficiados no governo Trump, pois a política fiscal tem um efeito mais acentuado nas pontas mais longas da curva de juros.
Apesar de os juros estarem altos historicamente para os EUA, esse retorno fica bem abaixo da Selic esperada para os próximos anos, com precificação na casa dos 13%.
“Pelo nível de juros, ainda vale investir no Brasil. Nos EUA, vale só por diversificação estratégica”, afirma Roberto Padovani, economista-chefe do BV.
Segundo o economista, a maior busca por treasuries pode enxugar a liquidez global, o que puniria moedas emergentes, como o real. Um dólar mais caro tende a gerar mais inflação, o que eleva os juros futuros brasileiros.
Neste ano, com a incerteza em relação à eleição americana e o risco fiscal brasileiro, a taxa de câmbio acumula alta de 16,7% o dólar fechou a sexta (8) a R$ 5,735. E a previsão do mercado é que ele siga em patamares elevados.
“Os cálculos do banco apontam que as faixas de R$ 5,90 e R$ 6 são sustentáveis ao longo do tempo”, afirma Padovani.
Já o C6 Bank espera o dólar ao final de 2024 em R$ 5,50, mas com viés de alta. Para 2025, a estimativa foi de R$ 5,50 para R$ 5,80 na sexta.
Na Bolsa de Valores dos EUA, os setores que podem ser beneficiados pelo novo governo, como óleo e gás e eletroeletrônicos, também registraram altas recentemente, levando o mercado de ações local à sua melhor semana neste ano na sexta, o S&P 500 chegou ao recorde de 6.012 pontos.
“Os potenciais aumento de tarifas de importação, redução de impostos e menor regulamentação acabam beneficiando algumas empresas específicas, como muitas small caps, dado que elas tendem a ser mais focadas no mercado doméstico do que no internacional”, diz Daniel Martins, sócio-fundador da GeoCapital small caps são empresas listadas em Bolsa com capital considerado pequeno, entre US$ 250 milhões a US$ 2 bilhões.
O gestor aponta que papéis do setor financeiro também devem se beneficiar, com a expectativa de uma flexibilização na regulamentação.
Após a eleição de Trump, o Goldman Sachs estimou que o principal índice acionário dos EUA irá a 6.300 pontos nos próximos 12 meses, uma alta de 4,8%. O banco diz que o crescimento da média de lucro por ação de 11% em 2025 e de 7% em 2026 deve sustentar essa valorização, mas salienta que essas estimativas podem mudar à medida que a agenda política da nova administração se torne mais clara.
“A perspectiva de conflito comercial representa um risco de queda para essas estimativas, enquanto o potencial de mudança na política regulatória e tributária corporativa representa riscos de alta”, afirmam os analistas do Goldman Sachs, lembrando que o S&P 500 registrou um retorno total de 83% durante o primeiro mandato de Trump.
A alta nas taxas de retorno dos títulos do Tesouro dos EUA também seria outro empecilho para a valorização das ações, segundo o banco americano.
Para Pizzani, da CM Capital, a lógica de que juros altos são danosos ao mercado de ações pode não se aplicar nesse caso.
“O mercado de renda variável não necessariamente deve ser o principal perdedor nesse cenário. Tendo em vista o foco em setores pertencentes à fronteira tecnológica atual supracitado, a tendência é que Bolsas com elevada participação de empresas desse segmento, o que não é o caso da brasileira, sejam beneficiadas”, afirma Pizzani.
Apesar da perspectiva positiva, economistas esperam um aumento na volatilidade dos mercados durante o governo Trump, como aconteceu no seu primeiro mandato, dada as incertezas da guerra comercial.
Segundo a XP, em 2018, a volatilidade média do índice MSCI de mercados emergentes foi de 15%, com um pico de 22,6% em novembro, em meio às negociações de revisão do acordo de livre comércio entre EUA, México, e Canadá e ao aumento das tarifas à China.
“Outro exemplo são as sanções de Trump contra a Venezuela e a Rússia em agosto de 2017, que contribuíram para um aumento nos preços do [petróleo] Brent de 9,9% no mês seguinte”, afirmam os estrategistas da XP em relatório.
Para evitar perdas, especialistas recomendam o investimento com foco no longo prazo.
“Vale dizer que alguns desses movimentos do mercado já aconteceram de forma bem forte, e, como ainda existe muita incerteza sobre a adoção de tais medidas, o melhor a fazer é manter um portfólio balanceado”, diz Martins.
Segundo Padovani, a volatilidade também deve se manter em patamares elevados nos ativos de renda fixa nos EUA.
“Ninguém sabe exatamente a intensidade e o momento das políticas do Trump, muito menos o impacto inflacionário e a reação do Fed (banco central dos EUA), então há muita incerteza, e, como resultado, o mercado fica muito reativo a indicadores de curto prazo e declarações do político”, afirma o economista.
A dica de Igliori é que o investidor espere a volatilidade das eleições passar e quais medidas econômicas Trump anunciará para alocar seus recursos nos EUA. “Mas a eleição não pode mudar estratégia de médio a longo prazo para investir no exterior”, afirma o economista.
Apesar de a diversificação ser bem-vinda, o investimento nos EUA precisa estar alinhado ao perfil de risco do investidor, dada a volatilidade que o câmbio imprime nesta modalidade, o que torna até mesmo o investimento em renda fixa mais arriscado, pontuam especialistas.
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COMO INVESTIR NOS EUA?
Diretamente via contas internacionais:
Bancos brasileiros e fintechs já oferecem soluções para o investimento direto nos EUA, como Itaú (com a Avenue), BTG, C6, Inter, Nomad e XP.
Para efetuar essas transações, eles cobram o spread cambial (taxa que as instituições cobram ao trocar reais por dólares), além da taxa de corretagem. Ambos variam de acordo com a corretora e de acordo com a faixa de cliente. Veja:
Principais custos ao investir no exterior
Com aumento da concorrência, corretoras têm zerado taxas
CORRETORA – TAXA DE MANUTENÇÃO – TAXA DE CORRETAGEM – SPREAD CAMBIAL
Avenue – zero – Até 3 corretagens mensais grátis. Depois, US$ 2,50 a US$ 7,50 por ordem – De 0,5% a 1,95%
Banco Inter – zero – zero – de 0,99% a 1,5%
BTG – Isenção nos primeiros 12 meses. Depois, permanecem isentos os clientes que mantiverem investimentos ou caixa no montante de R$ 50.000 no Brasil ou de US$ 10.000 no exterior; ou que tenham feito transações de câmbio no montante acumulado de US$ 1.000 nos últimos 12 meses. Caso contrário, há taxa de manutenção mensal de US$ 1. – US$ 1 a US$ 7,50, dependendo do volume transacionado – Não informado
C6 – zero – 5 operações grátis ao mês. Depois, US$ 0,25 por ação, com a cobrança máxima de US$ 5 por ordem – 1% a 1,5%
Nomad – zero – zero – De 1 a 2%
XP – zero – De US$ 1 a US$ 8,60 na renda variável, e de 0,40% a 1,75% na renda fixa. – De 1,87% a 2,25%
Fonte: corretoras
Além de ações e bond (títulos de dívida de companhias), o investidor também pode comprar ETFs (fundos de índice, na sigla em inglês) e fundos de investimentos dedicados aos treasuries.
Porém, para comprar treasuries na fonte, é preciso ter o social security number, o CPF dos EUA. Nesse caso, o investidor consegue entrar no TreasuryDirect, o Tesouro Direto de lá, e comprar o título de sua preferência.
Assim como os títulos do Tesouro Nacional brasileiro, é possível fazer um resgate antecipado, mas isso pode gerar um prejuízo. Os treasuries são semelhantes aos nossos títulos prefixados com juros semestrais, também conhecidos como NTN-F. Ao fazer o resgate antes do vencimento, o investidor deve vendê-los no mercado e estará sujeito ao preço estipulado naquele momento.
Indiretamente via BDR, ETF e fundos:
Outra maneira de brasileiros comprarem ativos americanos é via BDRs, que são recibos negociados na B3 que correspondem a ativos listados no exterior.
Há BDRs de ações, bonds, reits (fundos imobiliários dos EUA) e de ETFs, que incluem os ETFs de treasuries e dos índices acionários americanos (S&P 500, Dow Jones e Nasdaq).
Além da variação do ativo em si, os BDRs também refletem a oscilação diária do dólar ante o real e eventuais distribuições de dividendos.
Entre os ETFs de treasuries disponíveis na B3, há os que refletem o desempenho dos títulos públicos pós-fixados dos EUA (os FRNs), os indexados à inflação (os Tips) e os prefixados. É possível escolher entre ETFs de treasuries com maturidade de meses ou de até 30 anos.
Outra forma de investir nos EUA é via dólar, com contratos futuros. Nele, o investidor se compromete a realizar uma operação, seja de compra, seja de venda de moeda, em uma data predeterminada a um preço também predeterminado. É uma forma de especular sobre o valor do dólar e se proteger de movimentos bruscos do câmbio.
Outra forma são os contratos de opções, que se assemelha ao contrato futuro, mas sem a obrigação de realizar a comprar ou vender previamente contratada.
Há também ETFs e fundos cambiais que acompanham o movimento do dólar.
JÚLIA MOURA / Folhapress