Trump ultraconfiante evoca previsões de especialistas em Davos que vão da paz ao caos

DAVOS, SUIÇA (FOLHAPRESS) – O excesso de autoconfiança decorrente de uma ressurreição política com enorme apoio popular foi apontado como principal fator a tornar os próximos quatro anos de governo de Donald Trump imprevisíveis, avaliam analistas internacionais de diferentes pontos do espectro político presentes no encontro anual do Fórum Econômico Mundial em Davos, na Suíça.

As previsões, ainda hesitantes menos de 24 horas depois da posse do republicano, incluem um endividamento abrupto dos EUA, a elevação de tarifas comerciais como instrumento de negociação, a desregulamentação de novos e velhos mercados (de tecnologia a petróleo) e uma propensão à corrupção e ao conflito de interesses.

Passam, porém, pela possibilidade de selar um acordo de paz entre Rússia e Ucrânia e o crescimento da economia americana, com efeitos globais positivos.

Independentemente de enxergarem a reascensão do republicano como ameaça ou oportunidade, os analistas que participaram de um painel intitulado “47ª Presidência dos EUA – Primeiras Ideias” nesta terça-feira (21) dizem considerar a autoconfiança de Trump o grande propulsor de seus atos —e também o que o leva a concretizar medidas que líderes convencionais não fariam. O combo torna o cenário à frente praticamente imprevisível.

“[Trump] teve a maior ressurreição política da história, achavam que ele estava morto; ele voltou, e por isso acha que pode tudo. É uma autoconfiança suprema”, diz Graham Allison. O professor de governança e especialista em geopolítica e segurança em Harvard vê o copo ora meio cheio ora meio vazio.

Para ele, o afã do republicano em selar acordos —”ele se viu como um ‘fechador de negócios’ a vida toda”—, contudo, pode trazer sucesso a ele e alguma estabilidade de segurança ao mundo.

“Ele vai querer fechar um acordo na Ucrânia. E tem instrumentos para fazer com que [o presidente ucraniano Volodimir] Zelenski aceite seus termos; é só dizer que em caso contrário acabará o fluxo de ajuda e apoio”, explica, citando que esse tipo de cartada advém da autoconfiança excessiva.

Ian Bremmer, presidente e fundador da consultoria Eurasia e colunista da Folha, diz ver esse traço de personalidade do presidente americano como aterrorizante, por retirar, em teoria, qualquer tipo de freio convencional que outros líderes teriam. O cientista político americano insiste que é um erro normalizar uma gestão Trump, e, ao mesmo tempo, um problema enxergá-lo apenas como uma falha pontual no sistema em vez de a nova forma do sistema.

Seu colega Walter Mead, que há décadas estuda a estratégia de estadistas e a política externa americana, temas que explora em uma coluna no The Wall Street Journal, diagnostica um momento de ruptura para os Estados Unidos, mas não algo inesperado ou maléfico.

“Ele é um dos raros indivíduos que [o decano secretário de Estado americano Henry] Kissinger dizia que surgiam de tempos em tempos para mostrar que a história não poderia prosseguir da forma que estava. E ele não será o último”, pondera.

“Podemos não estar felizes, mas temos que lidar com o fato de que aqueles que se dedicam a fazer e manter as regras que conhecemos não conseguiram fazer seu trabalho direito, e você tem um contingente enorme de pessoas que prefere romper com esse sistema”, diz.

Mead cita a rapidez da evolução tecnológica recente e a forma como ela transformou a comunicação de massas e o manejo da opinião pública como algo que erodiu o sistema, tornando-o propenso a iconoclastas como Trump.

Pragmática, Allison Schrager, pesquisadora associada ao Instituto Manhattan com foco em finanças públicas, mercado de trabalho e sistema tributário, não espera um desastre, mas alerta para um aumento abrupto da dívida americana com consequências sobre inflação e taxas de juros, o que reverberaria globalmente.

“Vai haver pressão inflacionária neste governo. O déficit vai aumentar, não há nada de fiscalmente responsável nos planos de Trump”, afirma, elencando a promessa do republicano de reduzir impostos, sobretaxar produtos estrangeiros e incentivar oligopólios. Tais políticas, ela avalia, devem gerar também crescimento econômico, mas não o suficiente para compensar a expansão do rombo.

Os especialistas também são unânimes em dizer que o ponto fulcral deste mandato do americano será a relação entre EUA e China, mas com resultados variados. Bremmer prevê um descasamento da economia dos dois países e uma potencial guerra comercial; já Allison diz esperar uma relação mais fluida devido às similaridades de temperamento entre o republicano e o líder chinês, Xi Jinping, o que facilitaria o diálogo.

O especialista em segurança avalia que Xi pode simplesmente não querer se envolver em um atrito maior e apenas retirar algumas de suas fichas do mercado americano temporariamente. “Trump não vai durar para sempre, ele tem 78 anos”, apontou. O republicano é o presidente mais velho a tomar posse nos EUA.

Bremmer alerta que, a essa altura, o trumpismo já é maior do que Trump, e alguns novos comportamentos que emergiram com ele —sejam eles causa ou consequência da ascensão do empresário— podem se sedimentar.

“Estamos vendo uma oligarquia se fortalecer nos EUA, e o que está sendo liberado agora nos EUA sem que ninguém aja a respeito vai se tornar bem pior.”

LUCIANA COELHO / Folhapress

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