BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – Os ministros do TSE (Tribunal Superior Eleitoral) Floriano de Azevedo Marques e André Ramos Tavares seguiram o relator Benedito Gonçalves e votaram nesta quinta-feira (29) pela inelegibilidade por oito anos de Jair Bolsonaro (PL), 68.
Caso condenado, o ex-presidente estará apto a se candidatar novamente em 2030, aos 75 anos, ficando afastado portanto de três eleições até lá (sendo uma delas a nacional de 2026).
Agora, no julgamento do TSE, o placar é de 3 a 1 contra o ex-presidente, dependendo de apenas mais um voto para a formação de maioria pela inelegibilidade. Faltam votar outros 3 integrantes do tribunal: Cármen Lúcia, Kassio Nunes Marques e Alexandre de Moraes.
A sessão do TSE foi interrompida e será retomada nesta sexta-feira (30), a partir das 12h.
A ação do PDT foca a reunião em julho do ano passado com embaixadores estrangeiros no Palácio da Alvorada. Na ocasião, a menos de três meses da eleição, Bolsonaro fez afirmações falsas e distorcidas sobre o processo eleitoral, alegando estar se baseando em dados oficiais, além de buscar desacreditar ministros do TSE.
O processo mira Bolsonaro e Walter Braga Netto, ex-ministro que foi candidato a vice na chapa derrotada do PL à Presidência em 2022. Já foi formada maioria, porém, contra a inelegibilidade de Braga Netto os quatro ministros que já votaram tiveram esse entendimento.
Cármen será a primeira a votar nesta sexta. Durante a sessão desta quinta, ela interrompeu a leitura do voto do ministro Raul Araújo, que se manifestou contra a inelegibilidade de Bolsonaro.
Araújo dizia não ver conexão entre a minuta golpista achada na residência do ex-ministro Anderson Torres e a ação contra o ex-presidente. Cármen defendeu o colega Benedito Gonçalves, relator da ação e que votou na última terça (27) pela inelegibilidade.
“Não me pareceu que no voto do ministro relator tivesse nenhuma referência, nem de autoria e nem de responsabilidade, do primeiro investigado [com a minuta golpista]”, disse Cármen. O primeiro investigado é Bolsonaro.
“Eu por exemplo, no meu voto, nem uso este dado. Fiz um voto apenas da cena que é o objeto do cuidado [a reunião com embaixadores].”
Raul rebateu e disse que houve “farta referência” à minuta no voto de Benedito.
Dois dos ministros que votaram nesta quinta, Floriano e Tavares são professores da USP e assumiram o cargo em maio, em uma mudança na composição da corte influenciada pelo presidente do TSE, Alexandre de Moraes.
Para Floriano, o comportamento de Bolsonaro na reunião com os embaixadores já é suficiente para reconhecer o abuso de poder e o desvio de finalidade do então mandatário no encontro com representantes estrangeiros.
O magistrado disse que houve uma “quebra da liturgia presidencial” por parte do ex-presidente.
“Analisando linha a linha me convenci que teve claro objetivo eleitoral, não no sentido apenas de questionar o sistema eleitoral sem provas ou consistentes evidências, mas de angariar proveitos eleitorais em desfavor de seus concorrentes”, afirmou.
Ele também aceitou a inclusão da minuta golpista encontrada na casa do ex-ministro Anderson Torres e outros elementos nos autos do processo, mas disse que, “embora execráveis”, esses fatos não são necessários para a avaliar a controvérsia.
Floriano afirmou que, em respeito à jurisprudência firmada no caso do ex-deputado estadual paranaense Fernando Francischini, cassado por ter espalhado mentiras sobre as urnas, também é necessário tornar Bolsonaro inelegível.
Segundo ele, o tribunal dará uma “pirueta” caso não dê ao processo do ex-presidente o mesmo destino da ação sobre o ex-parlamentar paranaense.
“Se um candidato a deputado estadual que fala as mesmas inverdades que presidente é censurado e tornado inelegível, e vamos combinar que potencial de candidato a deputado no Paraná é menor que de presidente, como a corte vai decidir que mesmo teor do discurso não é suficiente para sanção de inelegibilidade?”, disse.
“O que de mais grave pode existir que acusar, buscando repercussão internacional, três ministros da Suprema Corte de serem asseclas de criminosos e terroristas? O que pode ser mais grave que achincalhar perante representantes estrangeiros o regime democrático e dizer que um de seus pilares, as eleições livres, são forjadas e ardilosamente manipuladas?”, questionou Floriano.
Já Tavares disse que houve “não apenas a mera falta de rigor em certas proclamações, mas a inequívoca falsidade perpetrada nesse ato comunicacional, com invenções, distorções severas da realidade, dos fatos e dos dados empíricos e técnicos”.
Ele afirmou que as falas do ex-presidente chegaram “a caracterizar uma narrativa delirante, com efeitos nefastos na democracia, no processo eleitoral, na crença popular em conspirações acerca do sistema de apuração dos votos”.
Antes deles, nesta quinta-feira, o ministro Raul Araújo havia votado contra a inelegibilidade do ex-presidente.
Em linhas gerais, Raul relevou o golpismo de Bolsonaro ao longo de seu mandato, tratando-o como algo de conhecimento de todos, buscando assim tirar peso da reunião com embaixadores de 2022 na qual o então presidente mentiu e proferiu ataques ao sistema eleitoral.
Raul vinha sendo pressionado por Bolsonaro a apresentar um pedido de vista (quando um ministro solicita mais tempo para analisar um caso), o que suspenderia o julgamento. Ele optou, porém, por dar prosseguimento à análise da ação.
Raul votou para que o TSE não leve em consideração no julgamento a minuta golpista encontrada na casa de Torres. Ele afirmou que o documento não tem relação com a ação apresentada pelo PDT, que requer a inelegibilidade de Bolsonaro por ter convocado a reunião com embaixadores.
Também integrante do STJ (Superior Tribunal de Justiça), Raul é conhecido por adotar um viés mais tradicionalista em julgamentos e por sua proximidade com o campo político conservador.
Raul disse que votou anteriormente a favor da inclusão do documento nos autos para que fosse possível aprofundar a investigação se havia relação entre a minuta golpista e o processo em curso. No entanto, agora, concluiu que “não há nexo” entre os casos.
“Inexiste qualquer elemento informativo capaz de sustentar, para além de ilações, a existência de relação entre a reunião e a minuta de decreto, a qual apócrifa e sem origem e sem data determinadas persiste de autoria desconhecida, a impedir qualquer juízo seguro de vinculação daquele achado com o pleito presidencial de 2022 e com os investigados”, disse.
“Sem prejuízo da opinião pessoal de cada indivíduo sobre a quem compete a responsabilidade política dos episódios, sob o viés jurídico não há nexo de casualidade entre os fatos.”
O ministro Raul iniciou o voto pregando a diferença entre a função do TSE de “governança” da realização das eleições e a atribuição de ser o juiz das controvérsias eleitorais. Segundo ele, no primeiro caso, a corte acertou ao ser incisiva no combate às fake news relativas às urnas eletrônicas.
Ao julgar o comportamento dos candidatos, porém, ele afirmou que o tribunal deve aplicar a autocontenção e o máximo respeito à soberania popular de escolher o candidato que preferir.
Segundo ele, Bolsonaro fez afirmações inverídicas no evento com embaixadores e teve excessos verbais, mas “nem todo o discurso [de Bolsonaro na ocasião] veicula afirmações inverídicas, estando igualmente presentes naquela manifestação trechos nos quais o investigado apenas expõe sua opinião política sobre temas abertos ao diálogo institucional público”.
“Em especial, a discussão sobre o chamado voto impresso, as críticas às instituições e ao então potencial concorrente ao cargo presidencial. Censuráveis, não por seu conteúdo, mas por configurarem propaganda eleitoral antecipada, portanto, irregular”, continuou.
O ministro afirmou ainda que as declarações de Bolsonaro não foram capazes de reduzir a presença de eleitores no pleito e, portanto, não afetaram a normalidade do pleito.
Na terça, o relator no TSE havia afirmado não ser possível fechar os olhos para discursos antidemocráticos com mentiras e discursos violentos, criticando ainda a banalização do golpismo e destacando a epopeia de ataques do ex-presidente com uso da imagem das Forças Armadas.
Benedito defendeu que seu voto seja encaminhado ao TCU (Tribunal de Contas da União) e para inquéritos criminais em curso no STF (Supremo Tribunal Federal) para apurar se cabem investigações contra Bolsonaro pelas condutas em debate para além da Justiça Eleitoral.
O advogado do ex-presidente, Tarcísio Vieira de Carvalho, já admite recorrer ao STF em caso de derrota na corte eleitoral.
A ação contra Bolsonaro é uma Aije (ação de investigação judicial eleitoral), que pode ser apresentada até a data da diplomação do candidato.
Esse instrumento tem como objetivo apurar condutas que possam afetar a igualdade de disputa na eleição, como abuso de poder econômico, de autoridade ou uso indevido dos meios de comunicação social em benefício de um candidato.
Segundo a defesa de Bolsonaro, a ação movida pelo PDT é “impostora e eivada de falsidade ideológica” e não está em julgamento o movimento político representado pelo ex-mandatário.
JOSÉ MARQUES E MATHEUS TEIXEIRA / Folhapress