Uber diz no STF que liberdade é incompatível com vínculo pela CLT  

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – No segundo dia de audiência pública para debater o tipo de vínculo entre motoristas de aplicativo e as empresas no STF (Supremo Tribunal Federal), Caroline Perônio Arioli, diretora jurídica da Uber no Brasil, afirmou que a liberdade de trabalho da Uber “é incompatível com as obrigações de um vínculo de emprego como hoje está previsto na CLT [Consolidação das Leis do Trabalho]”.

As audiências sobre o tema começaram nesta segunda (9) e foram retomadas na manhã de terça (10) pelo ministro Edson Fachin, relator de um caso de repercussão geral entre a Uber e um motorista do Rio de Janeiro (RJ) no Tema 1.291. O que for decidido na ação valerá para todos os casos do tipo no país.

Caroline disse ainda ser necessário que a discussão sobre o tema deixe de ser apresentada de forma binária.

“A Uber é uma empresa de tecnologia que mudou a vida dos brasileiros. Ela mudou principalmente a rotina de pessoas das classes C, D e E. Para esses indivíduos, os aplicativos são uma alternativa de mobilidade de qualidade mais acessível”, disse.

Caso entre Uber e motorista é debatido no STF; entenda Arnd Wiegmann Reuters A imagem mostra uma placa da Uber pendurada em um edifício em uma rua comercial. Ao fundo, há uma rua com carros e pessoas caminhando. O céu está nublado e os edifícios ao redor têm cores variadas, incluindo azul e vermelho. Assim como no primeiro dia, os debates se concentraram mais uma vez entre os que defendem o vínculo pela CLT e os que apontam que a atividade é autônoma. Quem se posicionam pelo registro em carteira aponta a existência de características como subordinação, onerosidade, pessoalidade e a habitualidade.

Os que são contra afirmam que o profissional escolhe a hora que trabalha e não está subordinado a nenhuma chefia. A liberdade econômica nas relações no país também são reforçadas pelo grupo.

No Congresso, porém, há um projeto em andamento enviado pelo governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) em fevereiro deste ano, que cria uma nova categoria de trabalhadores, “motorista de aplicativo de veículo de quatro rodas”. A proposta não abrange motoentregadores.

Gabriela Neves Delgado, professora e pesquisadora do grupo de pesquisa Trabalho, Constituição e Cidadania da Faculdade de Direito da UnB (Universidade de Brasília), aponta, em contraponto, que apesar de o grupo se apresentar ao grande público como uma empresa de tecnologia, a atividade econômica efetivamente desenvolvida é a de serviços de transporte a usuários individuais.

O professor da UFBA Murilo Carvalho Sampaio apontou que a CLT já comporta trabalhos flexíveis, assim, a legislação já inclui trabalhadores que possuem jornadas livres.

“As plataformas podem, se quiserem, promover o trabalho autônomo, mas isso precisa ser algo real e genuíno e não uma promessa falaciosa que não ecoa na realidade”, disse.

Durante o encerramento do debate, Fachin afirmou que “a audiência pública é uma maneira importante do tribunal realizar uma ampliação da participação nos processo de formação da instrução para viabilizar uma decisão ainda mais legítima”.

O ministro completou ainda dizendo os debates auxiliaram a ser percebido o cuidado com que o tema deve ser examinado pelo tribunal.

A Uber aponta que mais de 5 milhões de brasileiros já passaram pela plataforma como motoristas e cerca de R$ 140 bilhões já foram repassados pela empresa para os prestadores de serviços.

Segundo pesquisa feita pelo Cebrap (Centro Brasileiro de Análise e Planejamento), entre os anos de 2022 e 2024, houve um aumento de 35% no número de motoristas e de 18% no de entregadores. A maioria destes trabalhadores são homens pretos e pardos de 20 a 50 anos que possuem ensino médio completo.

O estudo aponta também que a média de horas trabalhadas em corridas por mês –sem considerar o tempo de espera entre viagens– é de cerca de 85 horas para motoristas e de 39 horas para os entregadores.

O Cebrap destaca, no entanto, a necessidade de considerar os diversos arranjos de trabalho nesse cenário.

Diferentes participantes da audiência apontaram o trabalho extenuante dos motoristas de aplicativo e dos entregadores, destacando a necessidade de alguns deles trabalharem mais de dez horas por dia.

O representante da Atam-DF (Associação dos Trabalhadores por Aplicativo e Motociclistas do DF e entorno), Gustavo Ramos, afirmou que mais de 55% dos motoristas trabalham nos sete dias da semana enquanto recebem, em média, apenas dois salários mínimos.

Ricardo Colturato Festi, da Abet (Associação Brasileira de Estudos do Trabalho), disse que, nos últimos anos, o aumento desse setor vem acompanhado pela alta da precarização. “As plataformas digitais avançam significativamente na ‘desresponsabilização’, transferindo os custos do trabalho e da força de trabalho para o próprio trabalhador.”

Com o fim das audiências, a decisão acerca do caso envolvendo a Uber e um motorista do Rio é esperada pelo setor, por poder pacificar mais de 10 mil processos que andam na Justiça. O julgamento do caso ainda não tem data marcada.

Em nota, a Uber disse considerar a audiência pública “um fórum importante para debater o trabalho intermediado por plataformas e fornecer à corte subsídios visando uma definição clara sobre a natureza jurídica da atividade”.

JÚLIA GALVÃO / Folhapress

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