Ucrânia cruza rio e enfrenta ‘fogo do inferno’ da Rússia

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – A Rússia admitiu pela primeira vez nesta quarta (15) que forças ucranianas conseguiram estabelecer uma cabeça de ponte na margem leste do rio Dnieper, no território da região de Kherson (sul do país) que ocupam desde a invasão do ano passado.

Os militares de Kiev estão sob intenso ataque, segundo o presidente Volodimir Zelenski. Recebem, disse o governador da área ocupada, “o fogo do inferno” da artilharia da Rússia.

É a primeira boa notícia para a Ucrânia em semanas da guerra, iniciada quando Vladimir Putin invadiu o país há quase 21 meses. Não é, contudo, motivo para celebrações exacerbadas em Kiev: nada indica que um sucesso pontual ali mude o curso da guerra, e há o risco real de os ucranianos serem destruídos, dada a vantagem tática russa.

Nesta semana, as agências estatais de notícia russas chegaram a publicar que havia uma “grande redistribuição” de forças na região de Kherson, sugerindo que algo estava acontecendo. Todas retiraram as notícias do ar, criticadas como falsas pelo Ministério da Defesa.

Evidentemente, não eram. “Nossas forças adicionais foram trazidas. O inimigo está encurralado na vila de Krinki e o inferno incandescente foi arranjado para ele: bombas, foguetes, sistemas termobáricos, artilharia e drones”, afirmou o governador Vladimir Saldo, que é um russo étnico nascido na Ucrânia soviética.

Já o assessor presidencial Andrii Iermak afirmou que a margem do Dnieper foi alcançada “contra todas as possibilidades”, mas que a situação estava “em desenvolvimento”. Até aqui, havia incursões pontuais atravessando o rio, não a presença fixa de tropas da Ucrânia.

A contraofensiva lançada por Kiev em 4 de junho até aqui fracassou em cumprir seu objetivo estratégico, que era o de cortar a ligação terrestre estabelecida entre a Rússia e a Crimeia e, se possível, ameaçar retomar a península anexada por Putin em 2014, numa reação à derrubada do governo pró-Kremlin na Ucrânia.

Há duas semanas, o chefe das Forças Armadas da Ucrânia, general Valeri Zalujni, concedeu entrevista e escreveu artigo detalhando a situação para a revista britânica The Economist. Ele apontou um impasse no campo de batalha, admitiu soberba no planejamento da ação e ter subestimado os russos, e disse que apenas mais armas ocidentais podem virar o jogo.

A fala causou profundo mal-estar para Zelenski, que já acumulava dúvidas acerca da continuidade do apoio ocidental à sua resistência e queixas sobre corrupção na gestão dos bilhões de dólares que recebe em ajuda. Eleições na Eslováquia, Polônia e, principalmente, no ano que vem nos EUA explicitam o debate público sobre isso.

Para completar, a guerra Israel-Hamas tirou o foco dos EUA e do Ocidente do conflito ucraniano, como o próprio Zelenski admite.

O presidente foi a público negar o impasse, que também foi objeto de repúdio no Kremlin com o sinal trocado. O fato é que ambos os lados tiveram avanços apenas pontuais, ainda que Putin esteja jogando todas as fichas na conquista do bastião de Avdiivka, em Donetsk (leste).

Na terça (15), Zelenski comentou que o rival quer a cidade como prêmio antes que as chuvas outonais e a neve do inverno impeçam ações terrestres maiores. O ucraniano pintou um quadro difícil para o país, apesar da situação em Kherson.

Por ora, não há avaliação independente da situação em solo, mas a concordância no sentido do que está ocorrendo por lá sugere que a batalha é real, restando saber quem vai se dar melhor.

Os ataques continuam em outras regiões. Em Zaporíjia (sul), uma pessoa morreu e sete ficaram feridas nesta quarta após um míssil russo atingir casas da região. O mesmo aconteceu em Selidove, Donetsk, com ao menos um morto.

Também na terça, o comando militar ucraniano afirmou que o emprego de seus drones marítimos e mísseis de cruzeiro no mar Negro tem reduzido o uso de mísseis de cruzeiro Kalibr contra suas posições. Eles são lançados por corvetas russas da Frota do Mar Negro, cujo quartel-general na Crimeia virou alvo constante de Kiev.

Os russos protegeram os navios e os levaram a leste, para o mar de Azov e para o porto de Novorossisk, mas a infraestrutura para municiá-los ficou na base de Sebastopol, segundo essa versão.

Analistas concordam com a mudança de lugar, mas divergem sobre os mísseis, com alguns observadores russos sugerindo que eles podem estar sendo guardados para a campanha de inverno contra a infraestrutura energética de Kiev.

IGOR GIELOW / Folhapress

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