SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – As forças da Ucrânia explodiram nesta segunda (19) a terceira ponte sobre o rio Seim, em Kursk, região no sul da Rússia que invadiram de forma surpreendente há duas semanas.
A ação visa fortalecer uma linha defensiva dentro do território russo, mas também pode indicar a perda de capacidades de Kiev para continuar no ataque. Desde a semana passada, Kiev não divulgou mais avanços que eram contados em quilômetros quadrados.
Ao explodir as pontes, os ucranianos tentam evitar a chegada de reforços russos, usando o rio como barreira natural e materializando aquilo que o presidente Volodimir Zelenski chamou de zona tampão para proteger a província ucraniana de Sumi, vizinha de Kursk.
A destruição da estrutura foi confirmada pelo Comitê Investigativo da Rússia, em Moscou. No primeiro ataque, na sexta (16), o governo disse que foram empregados pela primeira vez mísseis de artilharia americanos lançados pelo sistema Himars adicionando mais uma camada simbólica à primeira invasão do território russo desde a Segunda Guerra Mundial.
Nesta segunda, Zelenski afirmou no Telegram que “estamos atingindo nossos objetivos”, uma frase clássica do rival Vladimir Putin na guerra. Na véspera, ele havia baixado a barra das expectativas, dizendo que só queria estabelecer o tal tampão. Soa como diversionismo: Sumi pode ser atacada de várias outras formas.
Tudo indica que o presidente quis mudar a narrativa de Putin de que a ação em Kursk visa apenas dar uma ficha para Kiev negociar em eventuais conversas sobre o fim da guerra. Ela foi reforçada por um dos principais assessores de Zelenski, Mikhailo Podoliak, que disse exatamente isso na sexta.
Os próximos dias permitirão observar se o gás dos ucranianos acabou. Analistas sugeriam que o objetivo da ação poderia ser o cerco de Belgorodo, a importante capital da região homônima vizinha a Kursk, que está particularmente vulnerável por dois lados.
Mas trata-se de um grande centro urbano com 400 mil pessoas, bem mais complexo de atacar do que os vilarejos pelos quais blindados ucranianos passaram desde o dia 6 de agosto. Segundo a agência Tass, só em Kursk 121 mil pessoas já deixaram suas casas.
Além disso, há a questão das tropas em um momento crítico para Zelenski na região de Donetsk, no leste do país invadido por Putin em 2022. Nesta segunda, o governo ucraniano determinou a evacuação dos civis de Pokrovsk, um importante centro logístico daquela área.
Antes da guerra, moravam cerca de 60 mil pessoas no local, que era até a semana passada considerado seguro jornalistas internacionais visitando a Ucrânia costumavam ficar hospedados lá para cobrir os eventos no leste.
Agora, há forças russas a cerca de 10 km da cidade, que é um entroncamento ferroviário e rodoviário vital para a administração e defesa da fatia remanescente de Donetsk que ainda está sob controle de Kiev. Se a cidade cair, essa área é virtualmente cortada em dois, expondo a cidade que virou capital administrativa dos ucranianos, Kramatorsk, a um assalto.
Se Donetsk cair, a posição relativa da Ucrânia fica bastante prejudicada: das quatro regiões anexadas ilegalmente por Putin em 2022, ela era aquela em que o russo tinha menos controle. De fevereiro para cá, linhas que não se moviam desde a guerra civil iniciada em 2014 passaram a cair, com avanços russos.
A invasão de Kursk, uma humilhação militar para os russos e revés político para o discurso de Putin, não tirou o foco da ação no leste como Kiev poderia esperar e Zelenski usou algumas de suas melhores forças na ação.
Pior para ele, pode acabar saindo pela culatra, pois os russos não parecem interessados em negociar enquanto houver militares ucranianos em seu território.
Até aqui, havia várias frentes de conversas indiretas entre os rivais, sendo que as principais aconteciam por meio da China, aliada de Putin.
Os canais seguem abertos, mas se antes eram ucranianos que se recusavam a conversar com o fato consumado de ocupação de 20% de seu território como quer Putin, agora é a vez dos russos ressaltando que, vergonha à parte, se as forças de Zelenski estiverem onde dizem estar, isso não dá 0,007% da área russa.
IGOR GIELOW / Folhapress