Ucrânia repete Rússia e anuncia bloqueio no mar Negro

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Em meio a intensos ataques a seus portos por forças de Moscou, a Ucrânia afirmou nesta quinta (20) que considerará qualquer navio em trânsito para a Rússia ou áreas ocupadas em seu território um alvo militar legítimo. A medida foi uma resposta para anúncio idêntico, na mão inversa, feito pelos russos na véspera.

O mar Negro, palco das ameaças mútuas, tornou-se um foco renovado na Guerra da Ucrânia desde segunda (17), quando Vladimir Putin anunciou que não iria estender a participação russa no acordo que permitia a exportação de grãos ucranianos por rotas marítimas na região.

Os russos consideram que a contrapartida ao arranjo, na forma de facilitação para a exportação de grãos e fertilizantes russos apesar dos embargos internacionais que afastaram grandes seguradoras de navios com produtos de Moscou, não foi respeitada.

A Ucrânia até insinuou manter os transportes, pedindo proteção militar da Turquia —membro da Otan—, país que controla a entrada e saída do mar Negro no estreito de Bósforo. Moscou, porém, respondeu com ataques aos portos ucranianos da região de Odessa e com a ameaça de considerar qualquer navio que rume ao país invadido como potencial transportador de ajuda militar.

No anúncio, o Ministério da Defesa da Ucrânia provocou os russos, lembrando o afundamento do cruzador Moskva, nau capitânia da Frota do Mar Negro baseada na Crimeia anexada, em abril do ano passado. “O destino do Moskva prova que as forças de defesa da Ucrânia têm os meios necessários para repelir a agressão russa no mar”, afirmou a nota, que estabeleceu a meia-noite desta quinta (18h em Brasília) como o horário para implementar a medida.

O bloqueio russo está em vigor desde a meia-noite de quarta.

Há assimetria no potencial de dano de lado a lado. Os ucranianos não têm mais navios de guerra para assediar embarcações russas ou de outros países que rumem a portos controlados por Moscou.

Mas, como a nota diz, podem causar estragos —Kiev opera mísseis antinavio próprios, como o Netuno que destruiu o Moskva e tem alcance de até 300 km. Além disso, os ucranianos montaram com ajuda ocidental uma frota de drones marítimos, que já foram usados em ataques contra a sede da Frota do Mar Negro e, na última segunda-feira, contra a ponte que liga a Crimeia à Rússia.

Já Moscou tem experimentado dificuldades com sua Frota do Mar Negro, que devido ao risco associado a drones e mísseis só participa a distância da guerra, quando alguma de suas cinco fragatas lança mísseis Kalibr. Até hoje, o afundamento do Moskva simboliza a fragilidade naval não esperada dos russos.

Boa parte de sua força foi deslocada para o mais protegido mar de Azov, um braço do mar Negro junto à costa ocupada do sul ucraniano e das regiões russas de Rostov e Krasnodar. Ela, entretanto, é muito superior à ucraniana, tendo em especial seis submarinos diesel-elétricos de ataque.

Neste momento, segundo o site de monitoramento marítimo Marine Traffic, há cerca de 20 navios com destino declarado à região de Odessa parados junto ao estuário do rio Danúbio, na fronteira entre a Romênia e a Ucrânia, além de dois navios de transporte ancorados junto a portos ucranianos. Há cerca de quatro embarcações rumo à Rússia, mas distantes da área da guerra.

É possível que o bloqueio fique só nas ameaças. Resta saber qual será a postura turca no caso de alguma tentativa de testar a disposição russa nos mares: além de próxima de Moscou, Ancara sabe que um embate pode levar a uma escalada imprevisível, como quase ocorreu entre forças dos dois países na Síria.

Enquanto isso, a Rússia segue atacando a região de Odessa, pelo terceiro dia seguido. Se nos dois primeiros os alvos eram estruturas portuárias ligadas à exportação de grãos, nesta quinta o Ministério da Defesa disse ter alvejado bases de construção e lançamento de drones e embarcações de pequeno porte.

Foram ataques “retaliatórios”, afirmou a pasta, em resposta à explosão que atingiu a ponte da Crimeia. Ao todo, houve três mortos e 27 feridos na região, o saldo mais sangrento desde que os russos iniciaram sua campanha contra a costa, focando Odessa e Mikolaiv.

Um aliado de Putin acabou atingido: a China, que teve o consulado na cidade atingido pela onda de choque e estilhaços decorrentes de ataques com mísseis, sem vítimas. Pequim disse que acompanhava o caso com atenção, mas não fez comentários específicos.

No mercado internacional, a confusão segue sugerindo pressão sobre os preços de trigo, milho e óleos vegetais, produtos que têm na Ucrânia um dos maiores fornecedores mundiais. A incerteza também atinge as exportações russas —o país é líder na venda de trigo, por exemplo.

O temor de desabastecimento e um repique da inflação de alimentos no mundo todo, já que grãos afetam toda a cadeia produtiva, com o emprego como ração animal, por exemplo, levou a ONU a marcar uma reunião de emergência. No ano passado, os preços só retomaram o patamar pré-guerra após a assinatura do acordo, em julho.

Adicionando drama, o governador russo da parte ocupada da região ucraniana de Kherson disse nesta quarta que ambos os lados da província deverão perder suas lavouras neste ano devido à falta de água causada pela explosão da represa de Nova Kakhovka, no mês passado.

O reservatório local esvaziou-se, deixando secos canais de irrigação. Kiev estimava em 74% a perda deles quando a explosão, atribuída uns aos outros pelos rivais, ocorreu. Kherson responde por cerca de 80% da produção de frutas e vegetais do país, além de óleo de girassol que abastece 35% do mercado mundial.

Os russos se dizem dispostos a retomar o pacto caso suas demandas acerca das próprias exportações sejam atendidas e dizem que há três meses de janela contratual para que haja negociação sobre o tema.

Toda a movimentação tirou um pouco a atenção do principal problema que os ucranianos têm hoje: a dificuldade em romper as defesas russas na contraofensiva iniciada no mês passado.

Segundo as Forças Armadas, há avanços, e a estratégica Bakhmut, tomada pelos russos em maio, pode ser cercada.

Mas o otimismo contido é refreado pelo avanço dos russos mais ao norte de Donetsk, rumo à região de Kharkiv, um movimento que de acordo com Kiev pode envolver até 100 mil soldados, a maior força desde a invasão de fevereiro de 2022. Ambos os lados relatam combates intensos, mas inconclusivos.

Em Washington, a Casa Branca confirmou que já está em uso a munição de fragmentação enviada para a contraofensiva. O fornecimento a Kiev causou protestos de aliados dos EUA signatários da convenção que proíbe o armamento, que pode deixar pequenas bombas não explodidas em campos por décadas.

IGOR GIELOW / Folhapress

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