Último ato de Obrador, reforma do Judiciário no México pode dar a seu grupo controle dos Três Poderes

BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – A estrela da posse presidencial no México, nesta terça (1º), é a nova líder, Claudia Sheinbaum, primeira mulher à frente do país. Mas é inegável que ela divide o protagonismo com o presidente Andrés Manuel López Obrador, que passa o bastão para ela como seu fiador.

AMLO, como é conhecido, conseguiu aprovar no fim de seu mandato uma controversa reforma judicial que vai, na prática, refundar o Poder Judiciário federal. Foi o último ato de uma gestão com tanto apoio popular quanto denúncias ao que críticos veem como ataques à democracia.

Estados Unidos e Canadá, entre outros países e organizações privadas, manifestaram preocupação com a reforma, sob o argumento de que ela provoca insegurança jurídica.

O ponto mais condenado é a criação de eleições diretas para centenas de cargos na Justiça federal, de juízes de primeira instância até os ministros do tribunal máximo, a Suprema Corte de Justiça da Nação (SCJN). O governo diz ser uma medida democratizante e que mira o combate à corrupção.

A atual presidente da SCJN, Norma Piña, chamou a proposta de “demolição do Poder Judiciário”. O tribunal encampou a oposição à reforma, com análises públicas e uma contraproposta. Houve greves de juízes e funcionários e até a invasão de manifestantes no Senado durante a votação do texto -a coalizão governista contornou o tumulto mudando o local de trabalho para aprovar a proposta.

Grosso modo, o pleito vai funcionar assim: qualquer pessoa pode tentar se candidatar a quaisquer postos do Judiciário Federal. Comitês de especialistas criados por cada um dos Três Poderes vão avaliar as candidaturas, filtrar quem não se enquadra nos requisitos e elaborar listas dos melhores postulantes, que serão enviadas ao Instituto Nacional Eleitoral (INE), responsável por organizar as eleições –na prática, decidirão quem pode se candidatar.

Os atuais ocupantes poderão se candidatar, e o pleito será em parte escalonado, com eleição extraordinária em 2025 e em 2027.

“Estes órgãos [de Justiça] terão uma preponderância do presidente Obrador e do Morena [partido dele], eles vão decidir quem pode ser candidato”, afirma Julio Ríos Figueroa, professor do departamento de Direito do Instituto Tecnológico Autônomo do México (Itam). “Isso vai gerar uma partidarização do Poder Judiciário e uma captura política.”

Há ainda a criação do chamado Tribunal de Disciplina, cujos cinco titulares, também eleitos, serão responsáveis por analisar reclamações e ações contra todos os outros juízes, outro ponto controverso da reforma.

“É como se a eleição de juízes fosse um controle ex ante [anterior] sobre quem vai chegar ao cargo, e o Tribunal de Disciplina Judiciária, um controle ex post [posterior] caso algum desses juízes tome uma decisão considerada incorreta, que não agrade ao partido ou aos litigantes”, diz Figueroa.

AMLO se valeu do calendário e do sucesso eleitoral de sua sigla para aprovar a proposta, um desejo antigo dele e parte das ideias de transformação nacional que vendeu na campanha antes de ser eleito, em 2018.

A nova legislatura, que assumiu em 1º de setembro, um mês antes da posse de sua sucessora, lhe deu maioria qualificada de dois terços da Câmara e poucos senadores a menos do que isso.

“O foco agora vai ser muito mais acalmar mercados e negociar essa reforma com atores econômicos e agentes políticos do que gerar um embate judicial”, afirma Marcela Franzoni, professora de relações internacionais do Centro Universitário Belas Artes de São Paulo.

Isso será uma tarefa para Sheinbaum, que terá pouca margem de manobra para imprimir sua marca, na visão de Franzoni, particularmente porque grandes temas nacionais já estão consolidados, como a militarização da segurança pública, o acordo comercial e a reforma agora aprovada.

E há a figura incontornável de Obrador. Aos 70 anos, ele afirma que vai se retirar para seu rancho no estado de Chiapas depois de passar a faixa. Não é o que sugere sua ascensão meteórica. Dez anos após sua criação, com um discurso de combate à corrupção e ampliação de programas sociais, o Morena apequenou os partidos tradicionais mexicanos, que mandaram no país por décadas e hoje são oposição. Além disso, seu filho, Andrés López Beltrán, entrou para a direção do partido na última semana do mandato do pai.

Para Franzoni, a reforma judicial põe em risco os freios e contrapesos da democracia mexicana em longo prazo. “No futuro, ela pode favorecer alguém com um ímpeto muito mais autoritário.”

GUILHERME BOTACINI / Folhapress

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