Uma a cada duas pessoas sofre com problemas de saneamento no Brasil

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Mais de 102 milhões de brasileiros vivem diariamente com algum tipo de privação de saneamento no Brasil. Isso significa que uma a cada duas pessoas mora em uma residência sem acesso a serviços considerados básicos, como abastecimento de água, coleta de esgoto ou, simplesmente, um banheiro.

Os dados são de um estudo que será divulgado nesta quinta-feira (16), feito com base nos dados da Pnad (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios) do IBGE.

O trabalho —produzido pelo Instituto Trata Brasil em parceria com a consultoria Ex Ante e com o Cebds (Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável)— avaliou cinco tipos de problemas: falta de conexão à rede geral de água; abastecimento irregular de água tratada; ausência de caixa d’água ou reservatório; falta de banheiro em casa; e falta de coleta de esgoto.

O resultado é um raio-X de onde estão e quem são as famílias brasileiras que sofrem com saneamento básico no país.

Segundo os dados, uma casa com privação de saneamento é tipicamente uma residência em área rural, cidade do interior ou assentamentos precários de regiões metropolitanas. Pode ser vista com maior frequência nos estados do Norte e Nordeste. A parede é de material aproveitado, o telhado de palha ou madeira, e o piso de terra batida.

Nessa casa, em geral, vive uma família de três ou quatro pessoas. São pobres, negros e com baixa formação escolar.

Em números absolutos, o Nordeste é a região do Brasil que mais sofre com a falta de serviços em todas as cinco dimensões analisadas. São 40,3 milhões de pessoas com alguma privação do tipo.

O problema que afeta mais brasileiros é a falta de coleta de esgoto. São quase 70 milhões de pessoas nessa situação.

O dado não é exatamente novidade. Como mostrou reportagem da Folha de S.Paulo publicada em agosto, metade do esgoto do Brasil é jogado na natureza sem ser tratado.

Todos os dias, mais de 5.000 piscinas olímpicas cheias de rejeitos sanitários são despejadas nos rios e mares do país, contaminando praias, poluindo áreas urbanas e causando doenças na população.

O que o estudo do Instituto Trata Brasil revela é que 42,7% das residências com privação de acesso à coleta de esgoto estão no Nordeste. No Piauí, por exemplo, 83% da população não está conectada a uma rede de coleta.

No recorte nacional, 66% das pessoas que sofrem com o problema são negras —perfil que se repete em todas as privações analisadas no estudo (e na grande maioria dos problemas sociais do Brasil).

Dos 69,706 milhões de pessoas sem acesso aos serviços de coleta de esgoto, 27% estavam abaixo da linha de pobreza em 2022 (renda de até R$ 417,45 por mês). Além disso, do total de moradias nessa situação, 62,7% estão em áreas urbanas e 37,3% em áreas rurais

O raio-X ainda mostra que existem 4,4 milhões de brasileiros sem acesso a um banheiro em casa, dos quais 85% são negros. Também é no Nordeste onde o problema se agrava. Cerca de quatro a cada cem moradias da região não contam com um banheiro de uso exclusivo.

Para Fernando Garcia de Freitas, pesquisador do Instituto Trata Brasil, a falta de banheiro individual é a privação que mais se relaciona com a questão da dignidade e da saúde humana.

O índice verificado no Brasil, diz, é considerado médio ou baixo na comparação mundial. Regiões da África e do sul da Ásia têm números piores. Contudo, segundo Freitas, alguns estados têm indicadores comparáveis às piores regiões do mundo.

“Esse é o problema de saneamento que tangencia de forma mais clara com a política habitacional”, diz. “É uma solução que a gente não resolve sem programas de reforma”, afirma.

Outro problema que atinge quase um quarto dos brasileiros é o recebimento de água insuficiente; 23 a cada 100 casas não recebem água todos os dias.

Para Luana Pretto, presidente do Instituto Trata Brasil, esse foi o achado que mais chamou a atenção.

“Ainda temos 17 milhões de moradias que não recebem água todo dia, isso é algo que preocupa muito. Estamos falando de mais de 50 milhões de pessoas”, afirma.

“Pernambuco, por exemplo, tem 65% da população com privação de fornecimento diário de água. Me parecia um estado mais resolvido”, diz.

Segundo ela, esse é um ponto de atenção, porque mostra que só o acesso a redes não garante fornecimento constante.

“Precisamos das mais de 90 agências reguladoras que atuam no Brasil cobrando a frequência na distribuição dessa água. Não é apenas dizer ‘a tubulação está aqui e agora está resolvido'”, diz.

Pretto reconhece que o problema é de difícil solução, haja visto a diversidade regional, social e cultural do país. No entanto, ela diz que a resposta para o problema, venha do público, do privado ou da união dos dois, só ocorrerá com a priorização do tema.

“Temos 5.500 municípios no nosso país, cada um com uma realidade, e precisamos entender que o saneamento é um ativo político. Historicamente, os governantes entendiam que o saneamento era um passivo, aquela história de que obra enterrada não dá voto, que vai quebrar asfalto novo para colocar tubulação, vai atrapalhar o trânsito. Precisamos de uma mudança de mentalidade”, diz ela.

THIAGO BETHÔNICO / Folhapress

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