RIO DE JANEIRO, RJ (UOL/FOLHAPRESS) – Flamengo e São Paulo decidem a Copa do Brasil, mas enquanto há rivalidade dentro das quatro linhas, existe uma parceria na arquibancada. A origem da união entre Torcida Jovem do Flamengo e Independente Tricolor passa pela Gaviões da Fiel, um congresso, o “jogo da fogueteira” e uma votação.
Em agosto de 1987, houve um seminário de torcidas organizadas, realizado no antigo Beira-Rio (RS), estádio do Internacional. Na época, a Jovem Fla carregava relações desde 1980 com a Gaviões da Fiel, do Corinthians.
No evento, Leonardo Ribeiro, conhecido como Capitão Léo e presidente da TJF na ocasião, conheceu Reginaldo Tadeu de Souza, o Adamastor, então mandatário da Independente.
“As torcidas do Flamengo sempre tiveram rivalidade com as torcidas do Palmeiras. Quando fui para o congresso, eles [Jovem Fla] já tinham o entendimento que nós não tínhamos aliança com o pessoal do Palmeiras, e isso nos deu identidade. Criamos um vínculo neutro”, contou Adamastor.
Com uma relação cordial já estabelecida, o presidente da Independente resolveu ir, dois anos depois, para a partida entre Brasil e Chile, no Maracanã, pelas Eliminatórias, que entrou para a história por ter sido o “jogo da fogueteira”. O apelido se deu porque a torcedora Rosenery Mello jogou um rojão em campo e Rojas, goleiro chileno, usou uma gilete para se cortar e forjar que se machucou devido ao artefato.
“À época, havia uma cordialidade. A Independente, por exemplo, fundou o bloco e chamou a Gaviões para batizar, na quadra da Camisa Verde e Branco. Em uma dessas festas, a Independente disse que queria vir ao Rio para um jogo do Brasil”, apontou Capitão Léo.
“Peguei a faixa da Independente, fui sozinho para o Maracanã e fiquei no lado da torcida do Flamengo. O outro lado era do Vasco. O pessoal da Jovem Fla já estava vendo na televisão o que estávamos fazendo com a torcida do Palmeiras, e falaram: ‘o Adamastor é o cara que está batendo de frente com eles’, então o Capitão Léo me convidou para ficar com eles. Fizemos primeiro uma amizade pessoal, e essa amizade se estendeu para a aliança das torcidas”, disse Adamastor.
O livro “Nada do Flamengo, Tudo pelo Flamengo”, de Bernardo Buarque de Hollanda, confirma o episódio:
“A presença das torcidas organizadas nos jogos da Seleção Brasileira no Rio de Janeiro era praxe à época e aconteceu durante toda a década de 1980. Adamastor, liderança em ascensão na Independente, vai ao Rio representar sua agremiação e, para tanto, estende uma faixa no alambrado das arquibancadas com a inscrição da torcida. É nesse contexto que Adamastor estabelece contato com Capitão Léo, Ricardinho e outros membros da Jovem”, diz trecho do livro “Nada do Flamengo, tudo pelo Flamengo”.
Capitão Léo se recorda que, de fato, o enfrentamento que a Independente passou a ter com a Mancha Verde, do Palmeiras, foi primordial para que a união fosse oficializada, não sem antes rolar uma votação entre os integrantes da Jovem Fla:
“Houve uma confusão em uma reunião na Federação Paulista, eu acho. A porrada comeu e a Independente brigou com a Mancha. Dissemos: ‘Está habilitada a entrar no conselho de segurança’. Fizemos uma reunião e a votação deu 7 a 3 a favor. Acabou se tornando uma parceria muito bem-sucedida. A união ‘punhos cruzados’ foi uma espécia de BRICS da época”, disse Capitão Léo.
A torcida são-paulina, então, passou a ganhar terreno e o cenário começou a mudar. “A Independente cresce e se fortalece, ascendendo ao prestígio de nova torcida capaz de “impor o respeito” na moral torcedora da época, à maneira do que fizera a Mancha Verde no início dos anos 1980. Em contrapartida, essa postura afirmativa leva ao tensionamento das relações, até então cordiais, entre a Independente e a Gaviões da Fiel”, aponta o livro de Hollanda.
A união entre Jovem e Independente resistiu ao tempo e permanece até os dias de hoje. É comum ver peças da organizada rubro-negra em meio os integrantes da torcida são-paulina e vice-versa, o que causa um clima um pouco mais pacífico nos jogos entre Flamengo e São Paulo.
“Isso é o maior orgulho, um elo que criamos há anos. Tudo se criou em torno de uma luta, de fundamento que a Independente criou na arquibancada e se estendeu com os fundamentos da Jovem Fla. Até hoje somos amigos e a ideologia perdura. Deixamos uma semente forte”, afirmou Adamastor.
ACORDOS DE PAZ
As movimentações nos bastidores da arquibancada também causaram cisões e até mesmo uma rixa com toques rubro-negros, entre Jovem Fla e Raça Rubro-Negra.
Adamastor, ao UOL, conta que tinha relação de amizade com integrantes da Raça em sua época também, algo que se esvaiu nos anos seguintes entre as torcidas, quando ele já não era mais líder.
Porém -curiosamente nesta semana de decisão da Copa do Brasil entre Flamengo e São Paulo- Independente, Jovem Fla e Raça Rubro-Negra anunciaram um pacto de paz em encontro realizado no Rio de Janeiro, algo que deixou Adamastor satisfeito: “Fico muito feliz”.
ALEXANDRE ARAUJO E BRUNO BRAZ / Folhapress