União São João renasce com primeiro acesso em décadas e sonha com elite

SANTOS, SP (FOLHAPRESS) – O empresário José Mário Pavan, 67, ainda estava sentado no ônibus que retornava de São Carlos para Araras, no último dia 16, quando resolveu atender a uma ligação insistente.

“Pavan, vamos acertar aquela dívida?”, disse a pessoa.

“E, no domingo, logo às seis da manhã, já veio outra. Mas agora temos a chance de começar a solucionar tudo isso”, conta à reportagem.

Presente desde a fundação do União São João, em 14 de janeiro de 1981, exercendo diferentes funções na diretoria, o atual presidente colhe o ônus e o bônus de um feito que parecia improvável.

O tradicional time de Araras, no interior de São Paulo, conquistou o primeiro acesso depois de 27 anos– o último havia sido para a Série A do Campeonato Brasileiro em 1996.

A equipe foi derrotada por 2 a 1 pelo Grêmio São-Carlense, pelo decisivo jogo da semifinal da Segunda Divisão do Campeonato Paulista –a Bezinha, como é chamado o quarto patamar estadual–, mas assegurou vaga na Série A3, já que havia vencido por 3 a 1 a partida de ida.

“A cidade hoje parece até um vulcão em erupção. Foi como um reencontro”, relatou Pavan.

Campeão da Série C e da Série B do Campeonato Brasileiro, presente por 18 anos consecutivos na elite do futebol paulista, primeiro clube-empresa do país e time que revelou o lateral esquerdo Roberto Carlos, a agremiação parecia presa ao passado. Uma página virada.

O clube retomou o futebol profissional em 2022 após um hiato de sete anos, período em que pediu licenciamento por causa do agravamento da dívida de aproximadamente R$ 20 milhões.

Caiu ainda na primeira fase, com apenas um ponto somado em dez rodadas. Três gols marcados e 27 sofridos. A segunda pior campanha entre as 36 equipes que disputaram a competição.

Tudo parecia ainda pior com a decisão da FPF (Federação Paulista de Futebol) de criar uma nova divisão. A entidade terá, a partir de 2024, uma quinta divisão estadual. A Bezinha será desmembrada em duas: Segunda A e Segunda B. Dos 36 clubes que disputaram a atual edição, 20 caíram.

“Eu disse: ‘Pelo amor de Deus, nós vamos parar na quinta agora?’ Foi um choque”, disse Pavan. “Futebol sem dinheiro não se faz. Eu falei: ‘Vamos parar, vamos nos organizar e começar tudo outra vez quando der’. Não poderíamos cair de novo, ninguém aguentaria mais.”

Mas o União não caiu.

A chave da virada foi a aparição de um socorro caseiro. Partiu de um grupo de investidores encabeçado pelo ex-zagueiro Tiago Bernardi, que atuou em diversas equipes do país e do exterior, mas com ligação afetiva com o clube que o formou na década de 1990.

Bernardi, que já foi secretário de Esportes de Araras, aceitou cuidar do futebol do União. Para isso, contou com a ajuda de outros ex-jogadores, como Sandro Hiroshi e Beto Médici, e alguns empresários da cidade.

“Tínhamos pouco tempo para montar, mas todos os que consultei se propuseram a ajudar. Tinha muito medo pela história, pelo tempo parado, mas parece que todos queriam o União de volta. Era só ‘sim, sim, sim…”, disse.

O clube começou a se reorganizar. Acertou com oito empresas para acordos de patrocínios no uniforme –a maior parte delas de Araras–, vendeu 34 placas de publicidade espalhadas no campo do estádio Hermínio Ometto e mobilizou a população.

“A cidade toda nos abraçou, esse foi o segredo. Todos querem saber e só falam do União de novo”, afirmou Bernardi, agora diretor-executivo do clube.

“É aquela velha história: você tem uma bicicleta e não vê valor nenhum nela. No dia em que fura um pneu, ela passa a fazer falta. Araras percebeu que o União fazia falta”, observou Pavan.

O clube foi fundado por Hermínio Ometto, dono da Usina São João, uma das mais relevantes do estado. Conquistou logo no ano de estreia o acesso da Série A3 para a A2. O time atingiria a elite do estado em 1987, um ano após a morte do fundador. Ainda chegou a ser presidido pelo filho dele, Gilberto Ometto, antes da melhor fase.

Em 1992, na Série B nacional, teve Roberto Carlos convocado para a seleção brasileira que disputaria o torneio pré-olímpico. É um de muitos nomes que jorraram da mesma fonte, como o lateral esquerdo Léo, ídolo do Santos, o goleiro Velloso, histórico no Palmeiras, e o ponta Éder Aleixo, grande no Atlético Mineiro.

A tradição de clube formador que levou o jornalista Nilson Zanchetta escrever o livro “Araras e seus craques no futebol”, em dois volumes, contando a trajetória de mais de cem jogadores nascidos na cidade, que fica a 167 km da capital do estado e tem cerca de 135 mil habitantes.

Essa tradição foi um dos fatores que motivaram a retomada, apesar dos problemas financeiros.

“O compromisso que assumimos com o Pavan foi de não deixar nada a pagar, não fazer novas dívidas e tocar o futebol. Ele está próximo, mas tem nos dado liberdade para tocar”, disse Bernardi.

Houve algum respiro em relação às dívidas. A projeção é que sejam pagas com a venda de percentuais de atletas que se destacaram já no primeiro ano.

Parte do resgate do União passa pela escolha do treinador João Batista. Ele foi indicado por Hiroshi a Bernardi, mas não dirigia uma equipe fazia quase quatro anos.

“Era um desafio em função do período que fiquei parado e da grandeza do União. Quando iniciamos, não tinha nada de elenco, era uma estrutura parada. Precisamos refazer tudo, trocamos o pneu do carro andando mesmo. Não foi fácil”, observou Batista.

Dentro de campo, após um início instável, o time se acertou ao longo da competição. O acesso já está assegurado. Resta a briga pelo título com o Catanduva. Após empate por 0 a 0 no jogo de ida, em Catanduva, o campeonato será decidido neste sábado (30), em Araras, às 15h, com transmissão no YouTube (Futebol Paulista).

KLAUS RICHMOND / Folhapress

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