SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – O atendimento de 99% da população com abastecimento de água e 90% com esgotamento sanitário até 2033, previsto pelo novo Marco Legal do Saneamento Básico –que completa quatro anos nesta segunda-feira (15) — , pode ocorrer só em 2070, de acordo com estudo do Instituto Trata Brasil (ITB).
O cenário no Brasil é “precário”, segundo o ITB, com cerca de 32 milhões de brasileiros sem acesso a água potável e mais de 90 milhões sem coleta de esgoto.
Para atingir a meta, o governo deveria desembolsar R$ 46,3 bilhões anualmente de 2023 a 2033 e, assim, alcançar os R$ 509 bilhões que ainda faltam ser investidos. Isso é mais que o dobro da média de R$ 20,9 bilhões destinada anualmente a esse serviço no período de 2018 a 2022.
De acordo com o estudo, seguindo as taxas de evolução do atendimento de água, coleta e tratamento de esgoto de 2018 a 2022, o país atingiria apenas a 88% de abastecimento de água e 65% de coleta e tratamento de esgoto.
Ao todo, 579 municípios estão com contratos irregulares em relação à prestação dos serviços básicos, o que abrange quase 10 milhões de pessoas.
A maioria das cidades em situação irregular estão em estados do Norte e do Nordeste do Brasil. São esses locais que enfrentam maiores gargalos em atingir as metas propostas pelo novo Marco, segundo o estudo.
Nesses municípios, o investimento é de apenas R$ 27,39 per capita. Em contrapartida, os municípios em situação regular investiram quase R$ 90 a mais por habitante.
Aproximadamente 5% da população brasileira reside em municípios com irregularidades nos contratos para prestação dos serviços básicos. Esse índice é superior a 55% em estados como Acre, Paraíba e Piauí, chegando a 100% dos municípios, como o caso de Roraima.
Os projetos de concessão de saneamento já em execução e outros em fase de estruturação têm o potencial de impactar mais de 100 milhões de pessoas e, segundo Gesner Oliveira, professor da Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getulio Vargas (EAESP-FGV) e sócio-executivo da GO Associados, parceira do estudo, o avanço dos indicadores de saneamento básico entre 2018 e 2022 e os projetos em curso indicam “que o marco regulatório está ganhando tração.”
O QUE É O MARCO DO SANEAMENTO?
O Marco Legal do Saneamento Básico (14.026/2020), sancionado em julho de 2020 pelo presidente Jair Bolsonaro (PL), estabeleceu metas para a universalização dos serviços de água e esgoto, e buscou atrair investimento privado para o setor.
Na prática, a medida alterou a forma como os contratos de concessão são feitos, tornando obrigatória a licitação prévia –o que abriu maior espaço para a participação de empresas privadas na disputa.
A legislação também definiu a ANA (Agência Nacional das Águas) como agente regulador para o setor, criou um Comitê Interministerial de Saneamento Básico, e fixou metas para acabar com os lixões a céu aberto no Brasil.
A aprovação do marco ocorreu em junho de 2020, no Senado, após polêmicas e discussões. Na época, toda a bancada do PT, com seis senadores, votou contra.
Um dos pontos criticados era a velocidade que os defensores da medida estavam dando ao trâmite. Para os opositores, o debate de um novo marco do saneamento precisaria ser feito com cautela e num momento menos conturbado da pandemia, que havia sido decretada três meses antes.
Mas o principal ponto em debate era o incentivo à privatização do serviço. Parlamentares contrários à proposta questionavam a possibilidade de aumento nas tarifas e o risco de desassistência em regiões com pouca atratividade comercial.
QUAIS SÃO AS PRINCIPAIS MEDIDAS DO MARCO DO SANEAMENTO?
A nova legislação definiu a meta de ampliar o acesso à água potável para 99% da população até 2033. Até lá, o tratamento e a coleta de esgoto também devem alcançar 90%.
Até 2022, cerca de 16% da população brasileira não tinha acesso à água potável e 44% não eram servidos de esgotamento sanitário, segundo dados no portal do Snis (Sistema Nacional de Informação sobre Saneamento).
O prazo para cumprimento das metas, contudo, poderá ser acrescido de mais sete anos (até 2040), caso fique comprovado inviabilidade técnica ou financeira.
O custo estimado da universalização dos serviços é estimado em cerca de R$ 500 bilhões, o que leva em conta a realização de aportes para expansão da infraestrutura e recursos para recompor a depreciação dos ativos existentes.
As cifras criaram expectativas para a economia. Em razão das carências do setor, o marco do saneamento foi visto como um ponto de estímulo do crescimento e impulso para a atração de novos investimentos.
O QUE MUDOU NOS CONTRATOS DE SANEAMENTO?
Os municípios são os responsáveis pelos serviços de saneamento e, no modelo anterior, podiam celebrar contratos com empresas estaduais sem licitação. Com o novo marco, isso deixou de ser permitido, abrindo assim mais espaço para empresas privadas competirem pelos contratos.
A legislação determina a realização de licitação, com participação de prestadoras públicas e privadas, e acaba com o direito de preferência das empresas estaduais.
Na prática, a medida extingue o chamado contrato de programa, que permitia às companhias estaduais fornecerem os serviços de água e esgoto sem concorrência direta.
Mário Saadi, sócio do Cescon Barrieu Advogados na área de infraestrutura, explica que as empresas privadas não eram proibidas de participar do setor de saneamento anteriormente.
No entanto, historicamente, os serviços ficavam na mão de companhias estaduais, o que, na visão dele, ocorria por motivos políticos, não técnicos.
“Isso fez com que os investimentos ficassem aquém daquilo que o país precisava”, afirma. “Havia contratações diretas com regras pouco claras em relação a investimentos e metas que precisavam ser cumpridas, e sem regulação incisiva.”
O marco obrigou a realização de licitações, mas permitiu que os contratos existentes na época pudessem ser continuados, desde que as empresas comprovassem, até 2022, a viabilidade econômico-financeira para atingir as metas de universalização.
QUEM É RESPONSÁVEL PELA REGULAÇÃO DO SANEAMENTO?
O marco do saneamento básico determinou que cabe à ANA o papel de criar as normas para todas as esferas da administração pública –municipal, estadual e federal– e ajudar na padronização das regras do setor.
A agência é uma autarquia federal vinculada ao Ministério do Desenvolvimento Regional, que opera com autonomia administrativa.
GUILHERME BENTO / Folhapress