SÃO CARLOS, SC (FOLHAPRESS) – O DNA de ursos polares que viveram entre 100 mil anos e 70 mil anos atrás indica que o material genético que hoje caracteriza a espécie ainda não estava totalmente presente nessa época. É como se os dados fossem um instantâneo da evolução dos bichos, mostrando um momento em que ainda estavam se separando de seus primos de primeiro grau, os ursos pardos.
Para ser mais exato, o trabalho coordenado por Michael Westbury, da Universidade de Copenhague, estudou o genoma dos ursos para analisar o processo conhecido como fixação de alelos, que é crucial para entender como uma população de seres vivos se transforma geneticamente ao longo do tempo.
Os alelos (palavra grega com o significado de “respectivo” ou “recíproco”) são as diferentes formas que uma mesma região do DNA pode assumir, com sequências ligeiramente distintas de “letras” químicas. As variações podem corresponder a uma diferença de função das moléculas produzidas pela célula a partir da receita armazenada no DNA. Diferentes alelos influenciam, por exemplo, a cor dos olhos dos seres humanos.
Ao longo da evolução, alguns alelos podem acabar sendo fixados numa população, o que significa que apenas um determinado alelo está presente em todos os indivíduos. É comum que isso esteja associado à seleção natural. Ou seja, o alelo em questão conferia uma vantagem reprodutiva considerável para seus portadores, de forma que, ao longo do tempo, apenas os indivíduos que o carregavam conseguiram deixar descendentes.
Antes do novo estudo, que acaba de sair na revista especializada BMC Genomics, os cientistas já tinham montado uma lista preliminar de alelos que acabaram sendo fixados na população atual de ursos polares desde que ela começou a se separar dos grupos ancestrais de ursos pardos, há cerca de 1 milhão de anos.
Alguns desses alelos são óbvios do nosso ponto de vista, influenciando coisas como a cor da pelagem (os ursos polares, é claro, deixaram de ter pelos amarronzados). Outros estão ligados ao sistema cardiovascular e provavelmente ajudam o organismo dos membros da espécie a lidar com uma dieta riquíssima em gordura (altas quantidades de banha de foca, por exemplo) sem morrer pelo excesso de colesterol.
Na pesquisa recém-publicada, Westbury e seus colegas examinaram essa lista de alelos no DNA de 119 ursos polares e 135 ursos pardos modernos e incluíram na amostra dois membros muito antigos da espécie polar. Um deles viveu no arquipélago norueguês de Svalbard entre 130 mil e 100 mil anos atrás, enquanto o outro, originário do Alasca, provavelmente é mais recente, com idade estimada entre 100 mil e 70 mil anos.
A comparação entre genomas antigos e modernos revelou uma série de detalhes interessantes. Em primeiro lugar, tudo indica que a transformação de alguns ursos pardos em ursos polares não exigiu que a espécie nascente “inventasse” alelos novos. As variações de DNA mais importantes para esse processo já existiam nas populações de ursos pardos mais antigas bastou juntá-las num novo “pacote ártico”, dizem os pesquisadores.
Além disso, de uma lista de doze genes (regiões do DNA que contém a receita para produzir proteínas), todos considerados muito importantes para a adaptação da espécie às regiões geladas, três apresentaram regiões que ainda não estavam fixadas nos ursos polares antigos.
Os genes, designados com as siglas APOB, LYST, and TTN estão associados justamente ao sistema cardiovascular (caso do primeiro e do terceiro) e à pigmentação ou coloração do animal (o LYST). Seria até possível imaginar, portanto, que boa parte do processo de adaptação desses carnívoros ao Ártico aconteceu antes que sua pelagem totalmente branca tivesse se tornado um traço universal da espécie.
REINALDO JOSÉ LOPES / Folhapress