Usada para produzir cerveja, levedura tem mais de 50% de seu DNA recriado em laboratório

SÃO CARLOS, SP (FOLHAPRESS) – Uma equipe internacional de cientistas já concluiu mais da metade do trabalho necessário para criar um “genoma 2.0” –a totalidade do DNA de um organismo complexo, montada do zero em laboratório e organizada de acordo com as intenções dos pesquisadores, em vez de seguir os padrões um tanto bagunçados que a natureza adotou ao longo de bilhões de anos.

Por enquanto, o genoma sintético está sendo criado para uma espécie de micro-organismo, a levedura Saccharomyces cerevisiae. Esse membro do grupo dos fungos é usado, por exemplo, na produção de bebidas alcoólicas e como fermento biológico para pães.

Mas o ponto crucial é que, tal como as plantas e os animais, o S. cerevisiae é um eucarionte –ou seja, suas células têm estrutura complexa e um núcleo cujo DNA está organizado em diversos pares de estruturas enoveladas, os cromossomos. É o mesmo sistema adotado pelo material genético humano. Aprender a construir cromossomos do zero usando o S. cerevisiae pode abrir caminho para fazer isso com todos os demais eucariontes.

A descrição do trabalho com o genoma 2.0 da levedura até aqui acaba de sair no periódico especializado Cell. O estudo foi coordenado por Patrick Yizhi Cai, da Universidade de Manchester (Reino Unido), e Jef Boeke, do NYU Langone Health, centro de pesquisa médica ligado à Universidade de Nova York.

“A nossa motivação é entender os princípios fundamentais dos genomas criando uma versão sintética deles”, resumiu Cai em comunicado oficial. “A equipe reescreveu o sistema operacional da levedura, o que permite que deixemos de lado a era de manipular um punhado de genes de cada vez e comecemos a pensar em fazer o design e a construção de genomas inteiros do zero.”

Por enquanto, o processo ainda tem um lado bastante artesanal. Os 16 cromossomos que correspondem ao conjunto completo do DNA sintético foram montados de forma separada em diferentes cepas da levedura cultivadas em laboratório.

Depois, os cientistas começaram a “concentrar” os cromossomos artificiais na mesma célula por meio de cruzamentos (já que as leveduras se reproduzem de forma sexuada). Bastava cruzar duas cepas que carregavam, cada uma, um cromossomo sintético, de maneira que ao menos parte de seus “filhotes” carregassem ambos os conjuntos de DNA.

Por meio desse processo e de outra técnica, que não depende de cruzamentos, a equipe chegou a um total de 7,5 cromossomos sintéticos na mesma levedura, o que equivale mais de 50% do DNA da espécie (já que alguns cromossomos são maiores do que outros, tal como acontece no genoma dos seres humanos, não foi preciso ultrapassar oito cromossomos artificiais para alcançar essa marca).

Por um lado, a abordagem adotada pelos pesquisadores está criando um genoma sintético sem algumas das características que contribuem para a imprevisibilidade do DNA natural. Eles retiraram, por exemplo, elementos móveis –pedaços de DNA que podem saltar de um pedaço do genoma para outro, copiando a si mesmos em novos trechos num processo que pode modificar outros genes.

Também retiraram íntrons, que são trechos do DNA que passam por um processo de edição quando são transcritos para uma molécula-irmã, o RNA, e não servem diretamente de receita para a produção de proteínas na célula. Inseriram ainda “letras” químicas de DNA que funcionam como uma espécie de código de barras do genoma sintético e embutiram um sistema que embaralha parte do genoma da levedura, com o objetivo de criar variação genética que possa ser útil no futuro.

Mas a mudança potencialmente mais radical foi a possibilidade de que o DNA da levedura sintética sirva de receita para a produção de aminoácidos que não são usados na natureza para a produção de proteínas, o que poderia levar a criar células com bioquímica significativamente diferente da atual.

“Decidimos que era importante produzir algo que fosse fortemente modificado em relação ao design da natureza”, explica Jef Boeke. “Nosso objetivo principal era construir uma levedura que fosse capaz de nos ensinar novas coisas sobre a biologia.”

REINALDO JOSÉ LOPES / Folhapress

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