ANGRA DOS REIS, RJ (FOLHAPRESS) – Estudos técnicos vão avaliar o potencial da usina nuclear de Angra 2 para a produção de radiofármacos, nome dado aos isótopos radioativos utilizados para identificar e tratar inúmeras doenças, especialmente diferentes tipos de câncer. A nova atividade está prevista em memorando de cooperação que será assinado nesta quinta-feira (28) entre a Sociedade Brasileira de Medicina Nuclear e a Eletronuclear, empresa responsável pela construção e operação de usinas nucleares no Brasil.
Angra 2 é focada na produção de energia elétrica. Com uma capacidade instalada de 1.350 MW (megawatts) pode atender o consumo de uma cidade de 4 milhões de habitantes, por exemplo. Tecnicamente, a cooperação buscará identificar as possibilidades do seu reator para a medicina nuclear no país.
“Hoje muitos dos radiofármacos consumidos no Brasil são importados”, afirma o presidente da Eletronuclear, Raul Lycurgo. “Queremos produzir aqui para baratear e melhor atender o mercado interno na luta contra o câncer.”
Atualmente, o Brasil tem uma fabricação praticamente residual deste tipo de medicamento, que é feita no país em pequenos gerados e fica a cargo da Cnen (Comissão Nacional de Energia Nuclear), vinculada ao Ministério de Ciência e Tecnologia. Uma das unidades é o Ipen (Instituto de pesquisas Energéticas e Nucleares), em São Paulo.
Entre os radiofármacos conhecidos estão o Tecnécio 99, utilizado em cerca de 80% dos procedimentos de diagnósticos de tumores, o iodo-123, adotado no diagnósticos de doenças da tireoide e do coração, e o Iodo 131, usado no tratamento de hipertireoidismo.
Os parceiros no acordo envolvendo Angra 2 têm especial expectativa em relação a capacidade da usina para a produção de Lutécio 177, medicamento radioativo adotado especialmente no tratamento de câncer de próstata, o segundo mais incidente entre os homens, atrás apenas do câncer de pele.
O produto importado é caro. Uma dose custa em média R$ 30 mil. Caso Angra 2 se concretize como alternativa para a produção nacional, a perspectiva é que será possível aumentar a oferta, reduzir o preço, ampliando o acesso da população, diz Lycurgo, sem adiantar valores.
A produção nacional desses medicamentos envolve a possibilidade de tornar os tratamentos mais acessíveis, explica o oncologista clínico Diogo Assed Bastos, membro do Comitê de Tumores Geniturinários da SBOC (Sociedade Brasileira de Oncologia Clínica).
“No entanto, a grande dificuldade é que, com o avanço da medicina e o surgimento de tratamentos mais eficazes, mas também mais caros, o SUS [Sistema Único de Saúde] tem que lidar com o desafio de incorporar esses medicamentos ao sistema, principalmente porque muitos desses tratamentos são de altíssimo custo”.
O que faz Angra 2 boa candidata para atuar na área é o seu sistema para medir o fluxo neutro. No processo, pequenas esferas circulam por tubos até o interior do reator. Na produção do Lutécio 177, por exemplo, essas esferas são carregadas com Itérbio 176, injetadas no sistema e, ao serem expostas ao fluxo de neutrons, se transformam em Lutécio 177.
Segundo Lycurgo, esse processo de produção já foi testado e está em fase de implantação nas usinas nucleares de Cernavoda 2, na Romênia, e Bruce 7, no Canadá.
O memorando prevê que o trabalho conjunto vai ocorrer por cinco anos, com a possibilidade de renovação por mais cinco. Além de identificar os ajustes que devem ser feitos na central nuclear para a produção dos medicamentos, também tem a missão de identificar a cadeia de fornecimento local e o tamanho do mercado consumidor para esse tipo de produto.
Especialistas defendem que o ideal é investir tanto na produção nacional de medicamentos como o Lutécio quanto na prevenção e diagnóstico precoce do câncer, que ajudam a evitar que os pacientes cheguem a estágios mais avançados da doença, quando os tratamentos são mais caros e complexos.
“Ao mesmo tempo, é essencial garantir o acesso a tratamentos eficazes para aqueles que já têm diagnóstico tardio. O equilíbrio entre essas duas frentes é fundamental para melhorar o combate ao câncer no Brasil”, completa o oncologista Diogo Assed Bastos.
ALEXA SALOMÃO / Folhapress