WASHINGTON, EUA (FOLHAPRESS) – Uma pessoa com menos de 35 anos de idade não pode ser presidente dos Estados Unidos, impõe a Constituição. Deveria uma pessoa com mais de 70 anos poder?
A Dakota do Norte decidiu nesta semana que, ao menos no que diz respeito aos seus representantes no Congresso, ninguém pode se candidatar caso vá chegar aos 81 anos ao longo do mandato. O limite foi aprovado por meio de plebiscito, com apoio de 61% do eleitorado. É praticamente certo que vai ser questionado na Justiça.
A idade tornou-se um tema tão central quanto economia e imigração na eleição americana deste ano, disputada por Joe Biden, 81, e Donald Trump, 78 completos nesta sexta-feira (14) -os dois candidatos mais velhos da história. O democrata, inclusive, aproveitou a data festiva do adversário para fazer uma provocação nas redes sociais.
“Feliz aniversário de 78 anos, Donald. De um velho para outro: a idade é apenas um número. Esta eleição, no entanto, é uma escolha”, diz a publicação, acompanhada de um vídeo que compara medidas dos dois presidentes em áreas tão variadas quanto aborto e mudança climática.
A discussão sobre idade não é despropositada, mas acabou ensejando um debate revelador da ignorância e dos preconceitos na sociedade em relação a envelhecer.
Essa, ao menos, é a visão de Steven Austad, um dos principais estudiosos do tema no país. “O que chamamos de etarismo está simplesmente desenfreado”, afirma o professor da Universidade do Alabama em Birmingham e diretor científico da Federação Americana de Pesquisas sobre Envelhecimento.
O fato inusual de um biólogo estar sendo procurado por repórteres para falar sobre eleição ilustra as dificuldades na cobertura de uma disputa em que a idade tornou-se uma arma, com as duas campanhas tentando atribuir ao adversário sinais de demência.
“Esse tipo de especulação geralmente está errada, é antiética e estigmatiza pessoas vivendo com demência e problemas de saúde mental”, afirmou a Sociedade sobre Alzheimer americana em um comunicado em fevereiro.
Nesta quinta-feira (13), por exemplo, circula nas redes sociais um vídeo que mostra Biden aparentemente desorientado, afastando-se dos demais líderes do G7 que observavam paraquedistas durante a cúpula na Itália, até ser puxado de volta pela primeira-ministra Giorgia Meloni.
“Joe Biden precisa de uma babá em tempo integral. Essa é a lição de mais uma viagem embaraçosa ao exterior, onde Biden nunca deixa de se fazer de tolo e de fazer nosso país passar vergonha. Em vez de Biden liderar o mundo e defender os interesses americanos, ele precisa que os líderes mundiais o guiem para que ele não se perca”, escreveu a campanha de Donald Trump em um email a jornalistas nesta sexta.
O vídeo recortado, no entanto, não mostra que o presidente estava caminhando na direção de outro paraquedista para cumprimentá-lo. Ele se soma a diversos outros, facilmente encontrados no YouTube, no TikTok e no X, em que o presidente aparenta estar confuso, troca nomes de presidentes estrangeiros, parece perder o equilíbrio, ou simplesmente cai.
Na semana passada, o jornal The Wall Street Journal publicou uma polêmica reportagem intitulada “A portas fechadas, Biden mostra sinais de declínio”. O texto foi alvo de muitas críticas, e dessa vez não só da Casa Branca, como de hábito, mas no meio jornalístico, dado que os principais relatos on the record–quando a declaração pode ser publicada com atribuição direta ao entrevistado– vêm de republicanos, a saber, o atual e o ex-presidente da Câmara.
Trump tampouco é imune a especulações. Empresários que participaram de uma reunião com o republicano nesta quinta em Washington disseram que ele estava confuso, tergiversando e não conseguia manter um raciocínio, segundo o jornal The New York Times. Um dos presentes teria afirmado que não vê diferença para o quadro de Biden.
A cobertura do seu julgamento em Nova York no mês passado, por sua vez, enfatizou que, em diversos momentos, o ex-presidente parecia ter adormecido na corte -fato que foi associado direta ou indiretamente à sua idade.
Na visão de Austad, no entanto, nada disso permite tirar qualquer conclusão sobre a saúde mental dos candidatos. “Não vejo nenhuma indicação de que qualquer um dos homens, neste momento, tenha algum tipo de problema cognitivo”, diz.
Ele faz a ressalva, porém, de que uma das características do envelhecimento é que, quanto mais velho se é, mais rapidamente o estado de saúde pode mudar. “É preciso estar ciente disso. Mas, ressalto, esses são homens excepcionais. Você não se torna um candidato presidencial sendo uma pessoa comum.”
Ajuda o fato de Biden e Trump possuírem os dois principais indicadores de uma velhice saudável, segundo o professor: dinheiro e formação educacional acima da média. Na comparação entre os dois, ele ressalta que o republicano tem um estilo de vida menos saudável e um histórico de Alzheimer na família (a doença acometeu seu pai).
No entanto, a idade é um problema muito maior para o atual presidente na visão do eleitorado: 73% o consideram velho demais para o cargo. No caso de Trump, esse percentual cai para 42%, segundo pesquisa do New York Times de fevereiro.
“Biden tem artrite nas costas, então por isso anda devagar. Ele tem um problema de gagueira desde sempre e precisa se concentrar muito para evitar gaguejar, o que torna sua fala lenta e baixa. Já Trump grita, o que algumas pessoas veem como sinal de vigor”, diz Austad sobre a diferença de imagem.
“O passado de Trump como celebridade de reality show moldou sua imagem como um homem do entretenimento que prospera no caos, permitindo-lhe escapar de críticas por gafes que poderiam minar a credibilidade de Biden como político experiente”, diz a cientista política Semra Sevi, professora da Universidade de Toronto, que tem pesquisado o impacto da idade em eleições.
“Essa assimetria nas expectativas, aliada à autoconfiança de Trump, amplifica a repercussão política das preocupações relacionadas à idade, com o peso do ceticismo sobre a aptidão para o cargo recaindo sobre Biden.”
FERNANDA PERRIN / Folhapress