USP recebe reclamação de universidade israelense por campanha de alunos pró-Palestina

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – A USP recebeu reclamações de uma universidade israelense pela conduta de parte de seus alunos em defesa da Palestina.

Desde o início da guerra entre Israel e o grupo terrorista Hamas, há um ano, o Comitê de Estudantes em Solidariedade ao Povo Palestino realiza uma campanha pelo fim de convênios acadêmicos com instituições do país governado por Binyamin Netanyahu.

Protestos e acampamentos já foram realizados, sob alegação de que, “em 76 anos, Israel tem um longo e largamente documentado histórico de violência indiscriminada contra civis, particularmente crianças”.

“Nos últimos meses, já assassinou mais de 40 mil palestinos”, segue o comitê, citando o número divulgado pelas autoridades palestinas em agosto a respeito da ofensiva na Faixa de Gaza.

Os manifestantes pedem o fim de dois convênios: um com a Universidade Hebraica de Jerusalém e outro exclusivo da FFLCH (Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas) com a Universidade de Haifa, que, ciente das manifestações no Brasil, endereçou uma extensa carta em reclamação à USP.

“Nossa resposta aos horrores da guerra nunca deve ser acabar com as colaborações acadêmicas e cortar os laços entre os pesquisadores. Cientistas israelenses não são responsáveis pela guerra, eles estão entre suas vítimas”, escreveu o reitor, Gur Alroey.

O acadêmico israelense ainda usou o texto para acusar a campanha BDS (Boicote, Desinvestimento e Sanções), que reúne organizações em defesa da causa palestina, de ter infiltrado um movimento contra Israel na Cidade Universitária.

Fundada em 2005, a BDS atua em todo mundo e preconiza a prática de boicote econômico, acadêmico, cultural e político a Israel com, segundo eles, os seguintes objetivos: fim da ocupação dos territórios palestinos, igualdade de direitos para os cidadãos árabes de Israel e respeito ao direito de retorno dos refugiados palestinos.

Israel e outros países, como a Alemanha, consideram que a campanha é antissemita.

“O boicote acadêmico derrota seu próprio propósito, porque silencia exatamente as vozes que você quer ouvir, aquelas que promovem a paz e o diálogo e condenam a violência. Um boicote serviria ao interesse dos extremistas de ambos os lados dessa feroz divisão etnonacional”, afirmou Alroey em seu texto.

A carta foi endereçada em setembro a Gilberto Carlotti, reitor da USP, Paulo Martins, então diretor da FFLCH, Sérgio Proença, presidente do USP International Office, e Marcos Martinho, coordenador do Escritório Internacional da FFLCH.

Segundo a reitoria, Carlotti não enviou resposta a Haifa, entendendo que a medida caberia a Martins. Este, por sua vez, deixou o comando da FFLCH ainda em setembro.

Os membros do Comitê de Estudantes em Solidariedade ao Povo Palestino se envolveram em outro conflito no último mês. Em 17 de setembro, a organização barrou a realização de um evento na Poli (Escola Politécnica) que teria a participação de Henry Kadima, brasileiro-israelense que coordena uma entidade pró-armas e tentou se eleger vereador pelo PL em São Paulo.

No último dia 16, a USP inaugurou um Centro de Estudos Palestinos, na FFLCH. A mesma faculdade abriga o Centro de Estudos Judaicos, fundado em 1969.

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LEIA A ÍNTEGRA DO TEXTO ENVIADO PELA UNIVERSIDADE DE HAIFA

Caros Prof. Carlotti e Prof. Martins,

Universidade de São Paulo, Brasil

Estamos entrando em contato com nossas estimadas universidades parceiras em todo o mundo em um momento em que as universidades em Israel enfrentam tentativas de boicotes acadêmicos. A Universidade de Haifa se opõe firmemente a qualquer boicote acadêmico a indivíduos e universidades em Israel e em outros lugares. Tais boicotes prejudicam os princípios fundamentais da liberdade acadêmica e a troca de ideias e espírito colaborativo que impulsionam a inovação, o progresso e a mudança.

A Universidade de Haifa e a Universidade de São Paulo têm colaborado tanto no nível institucional quanto em pesquisa e ensino no nível de pesquisadores individuais, incluindo o intercâmbio de alunos e professores. Nutrimos e valorizamos essa parceria e esperamos que ela continue prosperando no futuro.

Conhecendo o tipo de falsidade e deturpações promovidas pelo movimento de Boicote, Desinvestimento e Sanções (BDS), queremos lançar luz sobre nossos compromissos, ações e esforços atuais, bem como a dolorosa realidade que experimentamos em nosso terreno.

A Universidade de Haifa, uma instituição líder em Israel, é um testemunho do poder do ensino superior em preencher divisões e promover a paz e o verdadeiro diálogo. Como a universidade mais diversificada de Israel, orgulhosamente hospedamos um corpo docente variado e um corpo discente onde aproximadamente quarenta por cento são palestinos-israelenses. Essa diversidade faz do nosso campus um lugar de convivência e diálogo. É um lugar onde estudantes e professores de todas as origens se reúnem para buscar conhecimento acadêmico e profissional e criar um futuro melhor. A Universidade de Haifa se esforça para promover um espaço que permita um discurso respeitoso para todos os membros de nossa comunidade diversificada e comprometida em proteger a liberdade de expressão.

A Universidade de Haifa serve como um farol de conhecimento e excelência, transcendendo fronteiras políticas e promovendo a compreensão e o respeito mútuos entre diversas culturas e crenças. A Academia Israelense em geral e a Universidade de Haifa em particular- dado seu perfil único- se esforça para fornecer oportunidades iguais e facilitar a integração das minorias na sociedade israelense.

A Universidade de Haifa iniciou vários programas destinados a promover uma sociedade israelense justa e um futuro melhor na região. Tais programas incluem colaboração de pesquisa com países árabes na região e além; promoção de relacionamentos e diálogo inter-religiosos; ênfase na diversidade, inclusão e impacto na comunidade e muito mais.

Trabalhamos duro para nutrir um campus multicultural com esforços liderados por nossa Divisão de Diversidade, Inclusão e Comunidade, liderada pelo Prof. Arin Salamah-Qudsi. Um recém-criado Laboratório de Estudos Religiosos de Haifa, liderado pelo Prof. Uriel Simonsohn, promove mudanças sociais e cívicas positivas com as comunidades religiosas por meio de projetos como embaixadores inter-religiosos, educação inter-religiosa, comitê de líderes religiosos e vários projetos de pesquisa. O Centro Árabe Judaico, liderado pelo Prof. Doron Navot, se esforça para servir a infraestrutura intelectual para uma coexistência sustentável entre nacionalidades e comunidades em Israel. Nosso compromisso com a sustentabilidade e o impacto é liderado pela Divisão de Inovação e Sustentabilidade, liderada pelo Prof. Ofer Arazy. Um dos principais objetivos desta Divisão é criar impacto social enquanto enfatiza o corpo discente diversificado da nossa universidade em um ambiente pluralista, tolerante e aceito. Enfraquecer a academia israelense, como o movimento de boicote procura fazer, só prejudicaria essa voz liberal e crítica e enfraqueceria o tecido democrático da sociedade israelense.

O desafio de alcançar um diálogo construtivo entre diferentes perspectivas é especialmente difícil em tempos de guerra e conflito nacional, como o que estamos enfrentando atualmente.

Em 7 de outubro de 2023, os terroristas do Hamas invadiram Israel sob o disfarce de milhares de foguetes disparados contra cidades israelenses, massacraram mais de 1.200 israelenses e civis estrangeiros, incineraram famílias em suas casas, torturaram crianças na frente de seus pais e pais na frente de seus filhos e estupraram e mutilaram brutalmente mulheres jovens e idosas. O Hamas sequestrou mais de 240 pessoas, entre elas crianças pequenas, crianças, homens e mulheres jovens, e homens e mulheres idosos com mais de 80 anos. Muitos membros da comunidade da Universidade de Haifa foram diretamente afetados pela guerra.

Nos dias, semanas e meses desde 7 de outubro, o Hamas disparou dezenas de milhares de foguetes de Gaza, e o Hezbollah disparou milhares de foguetes e drones do Líbano, causando um fechamento geral da maioria das instituições públicas e uma evacuação maciça da população, levando a 200.000 cidadãos deslocados internamente. Juntamente com o recrutamento maciço de emergência de forças de reserva, muitos dos quais estudantes, universidades israelenses não conseguiram abrir o ano acadêmico e os pesquisadores não puderam se envolver em pesquisas por meses. O ano acadêmico acabou começando apenas no início de 2024 e o calendário acadêmico foi severamente interrompido, já que todos os professores e alunos foram obrigados a adaptar o ensino e a aprendizagem a um formato de semestre encurtado e alterado. Estudantes e professores foram forçados a deixar suas casas. Alunos e professores perderam membros da família: irmãos, pais, filhos. Os alunos ficaram gravemente feridos e forçados a interromper seus estudos. A vida ou o trabalho de ninguém voltou ao normal. O grave peso da guerra continua a ter seu preço insuportável e a derrubar todas as áreas da vida, incluindo a vida acadêmica.

Acreditamos que todos estão vinculados à lei, incluindo o Direito Internacional Humanitário. Denuncia qualquer violação de tais leis e pede a todas as partes do atual horrível conflito armado que cumpram suas obrigações legais. Lamentamos profundamente a perda de toda avida inocente neste conflito horrível, sejam eles israelenses, palestinos ou cidadãos de outros países. Estamos doloridos com a tragédia que ocorre em ambos os lados da fronteira com Gaza. Nossa resposta aos horrores da guerra nunca deve ser acabar com as colaborações acadêmicas e cortar os laços entre os pesquisadores. Cientistas israelenses não são responsáveis pela guerra, eles estão entre suas vítimas.

Além disso, eles estão entre as principais vozes que podem ajudar a elucidar a situação, encontrar soluções e desafiar concepções e ortodoxias que levaram a região a essa crise.

O boicote às instituições acadêmicas israelenses têm como alvo de fato estudantes e pesquisadores israelenses. O boicote acadêmico derrota seu próprio propósito, porque silencia exatamente as vozes que você quer ouvir, aquelas que promovem a paz e o diálogo e condenam a violência. O boicote acadêmico enfraquece vozes moderadas dentro da sociedade israelense que apelam ao diálogo político e a uma solução diplomática para o conflito judaico-palestino. Um boicote serviria ao interesse dos extremistas de ambos os lados dessa feroz divisão etnonacional. É através do envolvimento com a academia internacional, não do isolamento, que podemos abordar e resolver melhor os desafios complexos que enfrentamos. Por favor, fique ao nosso lado, não contra nós. Congratulamo-nos com iniciativas da Universidade de São Paulo para criar e incentivar colaborações significativas com a Universidade de Haifa com o objetivo de encontrar soluções para a crise atual, entender suas causas e superar seus desafios.

Sinceramente, Prof. Gur Alroey

BRUNO LUCCA / Folhapress

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