CURITIBA, PR (FOLHAPRESS) – Utilizada na produção de vacinas contra Covid, a plataforma mRNA vem sendo testada na prevenção e no tratamento de outras condições, como gripe, herpes e câncer.
A tecnologia se baseia em uma versão sintética de RNA mensageiro. Essa molécula presente no corpo humano contém o código de uma proteína a ser produzida pelo organismo.
No caso dos imunizantes contra o coronavírus, por exemplo, o mRNA transmite aos ribossomos (responsáveis pela síntese proteica) a receita das proteínas S de Spike (ou espícula, o gancho molecular usado pelo vírus para invadir as células) e N (de núcleo) do Sars-CoV-2. Em contato com elas, o sistema imunológico produz anticorpos, garantindo proteção contra o patógeno.
O RNA mensageiro foi descoberto nos anos 1960, e seu uso para a produção de vacinas começou a ser pesquisado na década seguinte.
Entre os anos 1990 e 2000, era testado contra doenças virais e câncer, mas foi em meio à pandemia da Covid que os esforços renderam os primeiros frutos, com a chegada dos imunizantes do laboratório Pfizer em parceria com a empresa alemã de biotecnologia BioNTech. Outra empresa de biotecnologia que também teve sucesso na pandemia foi a Moderna.
Os dois imunizantes foram lançados em tempo recorde após um longo acúmulo de esforços.
Um dos desafios para o sucesso da plataforma mRNA era fazer modificações químicas na molécula para que ela fosse bem aceita pelo organismo. Quem conseguiu o feito foi a bioquímica húngara Katalin Karikó e o médico estadunidense Drew Weissman, que receberam o Prêmio Nobel de Medicina em 2023.
Outros imunizantes eram produzidos a partir de patógenos mortos ou atenuados, que, quando reconhecidos pelo corpo, levavam o sistema imunológico a produzir anticorpos. Embora essa técnica seja eficaz, a plataforma mRNA traz vantagens, como a agilidade na produção, diz a diretora médica da Pfizer Brasil, Adriana Ribeiro. Por serem feitas apenas com o código genético do patógeno, a padronização e a fabricação do produto em larga escala são mais fáceis, o que é algo estratégico em meio a surtos e epidemias.
Outro benefício é a facilidade em desenvolver uma só fórmula para mais de um invasor, diz a médica da Pfizer. Em outubro de 2023, o laboratório divulgou, em parceria com a BioNTech, os resultados dos testes de fase 1 e 2 para um imunizante contra influenza A, influenza B e Sars-CoV-2, que teve respostas semelhantes às de vacinas aprovadas por agências regulatórias. Os testes de fase 3, última etapa antes da liberação do fármaco para distribuição, devem começar nos próximos meses. As empresas pretendem lançar ainda uma vacina para herpes zóster com o mesmo método.
A Moderna, que pesquisa aplicações da plataforma mRNA há mais de 10 anos, vem estudando soluções da tecnologia no combate ao câncer e a doenças metabólicas e virais. No ano passado, a empresa divulgou um estudo de fase 2 de uma vacina contra o citomegalovírus (CMV), um dos principais causadores de deficiência auditiva congênita. A fórmula foi considerada segura e eficaz e será submetida a mais testes.
Já na oncologia, a plataforma mRNA é estudada para tratamento de diferentes tipos de câncer de forma personalizada, diz o oncologista da Dasa Genômica, Luiz Henrique Araújo. A proposta está em estudos clínicos, e a ideia é que no futuro ela possa induzir alterações no organismo de um paciente oncológico para evitar o avanço da condição.
“A plataforma mRNA é uma verdadeira revolução na medicina”, diz a Diretora do Comitê de Imunização da Sociedade Brasileira de Infectologia, Rosana Richtmann. A especialista espera não apenas que a tecnologia siga avançando, mas que ela se torne mais acessível, com a ampliação de polos de produção e pesquisa em países em desenvolvimento como o Brasil.
Atualmente, o Instituto de Tecnologia em Imunobiológicos da Fundação Oswaldo Cruz (Bio-Manguinhos/Fiocruz) tem trabalhado para começar a fabricar vacinas de mRNA no intuito de reduzir a dependência latinoamericana da importação de tecnologias em saúde.
Segundo a Fiocruz, os testes pré-clínicos para a fabricação nacional de um imunizante contra Covid com essa técnica já estão acontecendo.
LIVIA INÁCIO / Folhapress